Voltei sem avisar e encontrei meu filho à morte… enquanto a nora festejava

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Voltei para casa sem avisar. Depois de cumprir minha última missão, descobri que meu filho agonizava sozinho na sala de cuidados intensivos. Enquanto isso, minha nora estava num iate no Mar da Guaíba, festejando com os amigos. Congelei todas as contas na mesma hora. Uma hora depois, ela enlouqueceu ao descobrir.

Fico feliz que você esteja aqui. Fique até o final e me diga de qual cidade está vendo minha história. Quero saber até onde ela chegou. Pisei no Aeroporto Internacional de Porto Alegre quando o sol começava a despontar, com aquele dourado suave atravessando os vidros da terminal.

Minha velha mala militar, desgastada nas pontas, descansava a meus pés como uma companheira fiel de tantos anos. No pulso, o relógio de bolso do meu pai vibrava levemente a cada movimento, como se me lembrasse da promessa que fiz na juventude: sempre voltar para casa. Aquela promessa pesava mais do que nunca.

Aos 61 anos, recém-aposentada da minha última missão, tinha dedicado minha vida aos Fuzileiros Navais do Brasil. De operações de resgate em São Paulo a noites intermináveis ajudando nas enchentes de Santa Catarina. Mas hoje, eu só queria ser mãe. Queria abraçar meu Pedro.

Depois de tantos anos, arrastei a mala pela esteira com a mesma precisão de sempre. Lá fora, o sol da manhã já começava a esquentar. Levantei a mão e parei um táxi. “Rua das Palmeiras, número 420, por favor.” Tentei manter a voz calma, mas por dentro a emoção batia como as ondas do Guaíba.

Imaginava Pedro abrindo a porta com aquele sorriso caloroso, sentando à mesa e me contando tudo que eu havia perdido. Em meia hora, estaria com ele. O rádio tocava notícias da Marinha, relatórios que antes eu acompanhava diariamente. Agora, nada daquilo importava.

Ontem terminei minha última assessoria estratégica para a ONU em uma operação na América do Sul. Quarenta anos de carreira, do combate ao contrabando na fronteira às noites na selva. Tudo ficava para trás. Olhei pela janela. O rio Azul se estendia infinito. As ondas brilhavam, como se quisessem me puxar de volta àqueles dias.

Mas minha mente só pensava em Pedro e na casinha onde depositei tantos sonhos. O táxi seguiu pela avenida Beira-Rio, onde as palmeiras balançavam como no dia em que parti. Quando paramos em frente à casa dele, meu coração deu um salto. A casa estava escura. Cortinas fechadas. Nem uma luz acesa.

Levei a mala até a porta. Uma inquietação crescia dentro de mim. Toquei a campainha. O som ecoou no silêncio. Nada. Bati mais forte. Nada. Um silêncio estranho, como se a casa estivesse abandonada. Desci ao jardim e olhei ao redor. A caixa de correio transbordava de panfletos amassados.

Eles se acumulavam no chão, como se ninguém limpasse há tempos. Meu coração acelerou. Um mau pressentimento apertou meu peito. Eu enviava dinheiro religiosamente para Pedro e para Camila, minha nora, para sustentar a família. Achava que tudo estava bem, que meu filho vivia tranquilo.

Mas agora, diante daquela casa fria, me perguntava o que estava acontecendo. Foi quando vi dona Lurdes, a vizinha de Pedro, regando as plantas do outro lado da rua. Ela morava ali desde que eu era jovem, sempre gentil, contando histórias sobre as crianças do bairro. Gritei: “Dona Lurdes!” Ela ergueu o rosto, surpresa.

“Valentina! Meu Deus, você voltou! Mas você não sabe de nada…” Corri até ela, as pernas quase falhando. “Saber de quê? Onde está o Pedro?”, perguntei, tentando conter o tremor na voz. Dona Lurdes deixou o regador no chão, com um olhar cheio de pena. “Pedro está há duas semanas no Hospital São Lucas. A ambulância veio de madrugada. Vi o logotipo do hospital no carro.”

Ela parou e continuou mais baixo: “E a Camila… Pedro me mostrou uma foto dela nas redes. Ela está festejando num iate no Guaíba.” Fiquei paralisada, como se o chão sumisse sob meus pés. Pedro no hospital. Duas semanas. E Camila, minha nora, a quem confiei o cuidado do meu filho, estava em uma festa.

Senti o sangue parar nas veias. “Você sabe onde fica o São Lucas?”, perguntei com a voz rouca. Dona Lurdes acenou e me indicou o caminho. Sem pensar duas vezes, saí correndo e parei outro táxi. “Hospital São Lucas. O mais rápido possível.” Dezenas de perguntas se amontoavam na minha cabeça. O que aconteceu com meu filho? Como Camila podia estar num iate enquanto ele lutava pela vida?

No táxi, meu coração ardia. Apertei o relógio de bolsillo com tanta força que meus dedos ficaram brancos. Pedro, meu menino, que corria atrás de mim na praia, que me abraçava quando eu voltava das missões. Agora, ele estava num hospital. E eu, a mãe que dedicou a vida a proteger o país, nem sabia que ele precisava de mim.

O táxi parou na entrada do hospital. O sol do meio-dia me cegou. Paguei o motorista, arrastei a mala e tentei controlar a respiração para não sucumbir ao pânico. O saguão estava cheio de vozes e passos apressados. Fui direto à recepção. “Estou procurando Pedro Almeida.”

A atendente folhou uns papéis. “Terceiro andar, UTI, quarto 305.” Não esperei. Corri para o elevador. Quando cheguei ao corredor da UTI, aquele silêncio gelado só era quebrado pelos bips das máquinas. A porta do quarto estava entreaberta. Empurrei devagar.

Pedro estava ali. Na cama branca, cercado de tubos. Seu rosto pálido, quase irreconhecível. Um respirador ajudava cada suspiro fraco. Meu coração desabou. Aquele não era meu Pedro. Não era o menino que corria na praia. Era só uma sombra do meu filho.

Um médico estava no canto, olhando os monitores. “Você é da família?”, perguntou. “Sou a mãe. Valentina.” Ele assentiu. “Pedro tem câncer no estômago, estágio terminal. Se tivesse sido tratado antes…” A voz dele era neutra, mas cada palavra era uma facada.

“Como isso aconteceu? Por que ninguém me avisou?”, perguntei, suplicando. O médico balançou a cabeça. “Ninguém veio visitá-lo. Tentamos contatar a família, mas não conseguimos.” Aquilo me atingiu como um soco. Camila, a quem eu confiei meu filho. Onde ela estava?

Me aproximei da cama e peguei a mão gelada de Pedro. “Filho, a mamãe está aqui.” Seus olhos se abriram, turvos, mas reconhecíveis. “Mãe…”, ele murmurou, tão fraco que quase não ouvi. “Te amo.” Antes que eu respondesse, o monitor cardíaco emitiu um som contínuo. Gritei, mas o médico me afastou.

“Saia! Deixe-nos trabalhar!” Me arrastaram para o corredor. Através da janela, vi as enfermeiras correndo. Máquinas apitando. Vozes urgentes. Cobri o rosto e chorei. “Por favor, não o leve.” Mas minutos depois, o médico saiu. “Fizemos tudo. Sinto muito.”

Saí cambaleando. Pedro se foi. Exatamente quando eu voltei. Não tive tempo de dizer o quanto o amava.Peguei o telefone com as mãos trêmulas e liguei para Camila, mas do outro lado só ouvi risadas e música alta, como se minha dor fosse apenas um incômodo distante.

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