Valentão Derrama Café em Novo Aluno – Sem Saber que Ele é Campeão de Taekwondo

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O refeitório da Escola Secundária de Belém, em Lisboa, fervilhava com o barulho dos estudantes a pegarem nos seus cafés e panados ao pequeno-almoço. Entre eles estava João Silva, um rapaz de dezasseis anos que tinha acabado de se mudar do Porto. Alto e magro, João mantinha uma postura calma e confiante. Tinha ido viver com a tia depois de a mãe, enfermeira, ter aceitado um trabalho que a obrigava a viajar pelo país. Apesar de estar habituado a mudar de escola, João sabia que ser o “novo” muitas vezes significava chamar a atenção indesejada.

João pegou na bandeja, equilibrando um pacote de leite e uma torrada, quando uma voz risonha ecoou do outro lado do refeitório.

“Olha só quem chegou — o forasteiro,” provocou Ricardo Santos, um valentão conhecido por atormentar quem não se encaixava no seu conceito de “fixe.” Acompanhado por dois amigos, Ricardo aproximou-se de João com um café fumegante na mão.

João ignorou-o, continuando a caminhar. Mas Ricardo não era de desistir. Quando João se sentou, Ricardo bloqueou-lhe o caminho.

“Achas que podes entrar aqui como se fosses dono disto? Não, pá. Aqui quem manda somos nós,” gozou Ricardo, com os amigos a rirem-se atrás dele.

Os olhos tranquilos de João encontraram os de Ricardo, mas ele não disse uma palavra. O silêncio irritou Ricardo ainda mais. De repente, inclinou a chávena e derramou o café quente em cima da camisola de João.

Gritos e murmúrios encheram o refeitório. O líquido escorreu pela roupa de João, caindo no chão. Alguns riram-se nervosamente, outros sussurravam, chocados.

“Bem-vindo à Secundária de Belém, novato,” disse Ricardo com um sorriso, atirando a chávena vazia para o lado.

João cerrou os punhos, sentindo o ardor no peito. Todos os instintos lhe gritavam para revidar, mas anos de disciplina seguraram-no. Treinava Taekwondo há oito anos, era cinto negro e até tinha vencido campeonatos regionais. O seu mestre sempre lhe ensinara uma lição: o Taekwondo serve para defesa, nunca para intimidar ou vingar-se.

Inspirou fundo, limpou a camisola e afastou-se sem dizer nada. Mas, ao sair, uma certeza ecoava na sua mente: *Isto não acabou aqui.*

O que João não sabia era que aquele incidente desencadearia uma série de acontecimentos que testariam o seu autocontrolo e revelariam a sua verdadeira força perante toda a escola.

Ao almoço, o “caso do café” já corria pelos corredores. Uns admiravam João por não ter revidado, outros achavam que tinha medo de Ricardo.

João sentou-se sozinho num canto, com os auscultadores nos ouvidos, revivendo a humilhação. Odiava os olhares, os murmúrios, as risadinhas. Mas mais do que isso, odiava ser subestimado. Não era fraco — era treinado. E se Ricardo o provocasse de novo, não tinha a certeza de que conseguiria evitar a luta.

Na aula de Educação Física, o professor anunciou uma aula de defesa pessoal, formando pares para treinos. O destino juntou João e Ricardo.

Enquanto os alunos praticavam, Ricardo sussurrou: “Aposto que estás a adorar isto. Finalmente podes bancar o durão, não é?”

João ignorou-o, mas quando Ricardo o empurrou com força desnecessária, a sua paciência começou a esgotar-se.

“Tens algum problema?” perguntou João, calmo.

“Sim, tu,” respondeu Ricardo. “Pensas que és melhor que eu. Mas não vais ficar tão calminho quando te esticar no chão.”

O professor, percebendo a tensão, anunciou combates controlados. “Lembrem-se: isto é treino. Respeitem o parceiro.”

Quando João e Ricardo entraram no tatame, o ambiente mudou. Os colegas agruparam-se, antevendo o confronto. Ricardo estalou os nós dos dedos, confiante, enquanto João fez uma vénia respeitosa, como manda a tradição.

“Combate!” ordenou o professor.

Ricardo atacou descontroladamente, com socos selvagens. João desviou-se com facilidade, movendo-se com precisão. Contra-atacou com um pontapé controlado ao flanco de Ricardo, que recuou, desequilibrado. A plateia explodiu em aplausos.

João manteve a compostura. Sempre que Ricardo atacava, ele neutralizava-o com técnica, sem violência. No fim, Ricardo ofegava, suado, enquanto João permanecia imperturbável.

“Foi assim que se controla um combate,” elogiou o professor. “Disciplina. Respeito. Técnica.”

A sala vibrava com energia. Pela primeira vez, Ricardo parecia abalado. João saiu do tatame sem se gabar, apenas provando o seu ponto.

A partir daí, os alunos passaram a vê-lo com outros olhos. Já não era só o “novato” — era alguém a respeitar.

No dia seguinte, Ricardo evitou João nos corredores. Mas os murmúrios continuavam. João tornara-se conhecido como o rapaz quieto com um talento extraordinário.

Mas ele não queria fama, apenas sossego. Ao final do dia, enquanto arrumava os livros, viu Ricardo parado à porta, sem os amigos.

“Olha,” Ricardo murmurou, a remexer os pés. “Sobre… o café. Exagerei.”

João estudou-o, sem saber se era sincero. Mas havia algo novo na voz de Ricardo — humildade.

“Não tens de gostar de mim,” disse João, “mas não me vais tratar assim outra vez.”

Ricardo assentiu. “Justo.” Depois, acrescentou: “És bom. Mesmo bom. Nunca pensei que tivesses cá dentro.”

Não era um pedido de desculpas perfeito, mas João aceitou. Por vezes, o respeito não vem da amizade, mas de limites firmes.

Nas semanas seguintes, o incidente desapareceu da memória coletiva. Ricardo deixou de provocar, e embora nunca tivessem ficado amigos, estabeleceram uma trégua silenciosa.

João entrou no clube de artes marciais da escola, onde o seu talento rapidamente o destacou. Os mais novos admiravam-no, não só pela técnica, mas pela serenidade. Ensinava-lhes a mesma lição que o seu mestre lhe ensinara: a verdadeira força não está em dominar os outros, mas em saber quando não lutar.

Meses depois, João representou a escola no campeonato regional de Taekwondo, com os colegas, incluindo Ricardo, na plateia a apoiá-lo. Quando subiu ao pódio, recordou o café derramado, o riso dos outros, a humilhação. Mas agora, olhando para trás, via o quanto tinha crescido — não por ter provado algo aos outros, mas por ter mostrado que a verdadeira força é calma, disciplinada e inabalável.

Ninguém na Secundária de Belém voltou a subestimá-lo. E essa foi a maior vitória.

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