“Achas mesmo que vou acreditar nas superstições de um miúdo de subúrbio?” A voz de Beatriz Valente cortou o ar da mansão como uma lâmina gelada, seus olhos azuis de aço fixos no rapaz de 12 anos à sua frente.
João Carvalho acabara de fazer a proposta mais ousada da sua vida.
Depois de três dias a ver aquela mulher amargurada a deitar fora pratos inteiros de comida enquanto ele e a avó passavam fome do outro lado da rua, finalmente bateu à sua porta.
“Minha senhora, não estava a brincar,” disse João com calma.
“Posso ajudá-la a voltar a andar? Só preciso da comida que ia deitar fora.”
Beatriz riu-se com crueldade, o eco do seu riso a ressoar pelo hall de mármore.
“Rapaz, já gastei 12 milhões de euros nos melhores médicos do mundo em oito anos. Achas mesmo que um desbocado como tu consegue o que nenhum neurocirurgião conseguiu?”
O que Beatriz não sabia era que João não era um miúdo qualquer. Enquanto ela o olhava com desdém, ele estudava cada detalhe da sua rotina—detalhes que até os seus médicos tinham ignorado.
“Ela toma remédio para as dores nas costas todos os dias às 14h,” disse João, sereno. “Três comprimidos brancos, um azul, e queixa-se sempre que as pernas estão geladas—mesmo quando está calor.”
A arrogância de Beatriz vacilou. “Como sabes isso?”
João passara semanas a observá-la—não por curiosidade, mas porque reconhecera os mesmos sintomas que a sua avó, Rosa Carvalho, tivera antes de a cirurgia lhe salvar a vida.
“Você não precisa de mais remédios,” disse ele. “Precisa de alguém que entenda que, por vezes, a cura não vem de onde esperamos.”
Beatriz bateu a porta com força, mas João viu medo nos seus olhos: medo de que um miúdo pobre de 12 anos tivesse percebido o que todos os seus médicos caros tinham falhado.
**Os Segredos da Observação**
De volta ao seu modesto apartamento com a avó, João sentou-se calmamente na varanda.
“Avó, conta-me outra vez sobre a pseudoparalisia,” pediu.
Rosa Carvalho, uma antiga auxiliar de hospital e curandeira, sorriu com orgulho. O seu conhecimento vinha de gerações de parteiras e herbanárias do Alentejo, transmitido de mãe para filha.
“Rapaz esperto,” disse. “Viste o que te mostrei: as pernas dela tremem quando não repara que alguém está a ver. Os músculos reagem aos estímulos emocionais.”
João assentiu. *Ela está presa na própria mente. O corpo funciona, mas a mente criou as correntes.*
“Exato,” confirmou Rosa. “Três gerações de curandeiras ensinaram-me: às vezes o corpo mente, mas a mente sempre diz a verdade.”
**O Verdadeiro Problema da Milionária**
Naquela tarde, o Dr. Mendes, neurologista particular de Beatriz, trouxe novos exames.
“Beatriz,” disse, ajustando os óculos, “neurologicamente, não há razão física para a sua paralisia. O seu sistema nervoso está perfeito. Suspeito que o trauma se manifeste como paralisia física.”
O mundo de Beatriz desmoronou. Oito anos numa cadeira de rodas, e tudo fora psicossomático? Pior, um miúdo pobre diagnosticara-a em minutos, algo que os seus médicos caros não conseguiram.
Naquela noite, olhou para o apartamento modesto de João do outro lado da rua. Luzes acesas. Sombras a mover-se. Uma família sem nada, mas com um conhecimento que ela não podia comprar. Por um momento, sentiu humildade—mas rapidamente substituiu-a por raiva.
“Aquele miúdo não me vai humilhar,” murmurou.
**A Batalha de Poder**
Beatriz começou uma campanha silenciosa contra João:
Ligou para a sua escola privada, acusando-o de invasão de propriedade e assédio.
Pressionou o administrador do prédio, na esperança de os expulsar.
“Ela quer expulsar-nos,” disse João a Rosa, enquanto ela preparava o chá de ervas da noite.
“Ela tem medo,” respondeu Rosa, tranquila. “Quando os ricos temem os pobres, é porque sabem que fizeram mal. E quando temem a verdade, farão tudo para destruir quem a possa revelar.”
**Lições do Passado**
Rosa ensinou-lhe uma verdade fundamental.
“Quando tinha a tua idade,” contou, “um médico tentou impedir-me de trabalhar porque eu conhecia tratamentos que ele não conhecia. Observei, documentei, e quando chegou a hora, usei o conhecimento dele contra ele próprio. A verdade sempre vem à tona.”
João percebeu: Beatriz não tinha apenas medo que ele a pudesse curar—tinha medo que a verdade fosse exposta.
**Revelando o Passado de Beatriz**
Naquela noite, João investigou. Beatriz não nascera rica—era filha de imigrantes europeus pobres. CasarCasar-se-afinal, ela casou-se com Henrique Valente, herdeiro de uma fortuna construída sobre exploração, e a sua misteriosa paralisia começou no mesmo dia em que descobriu que ele planeava trocá-la por uma mulher mais jovem.