A chuva daquela tarde parecia infinita, despejando cortinas prateadas sobre a cidade. Cada gota batia no calçamento com um ritmo que lembrava o próprio tempo—constante, implacável e sem piedade. Mariana Costa sentava-se no banco de madeira gasto, sob o abrigo do ponto de ônibus, agarrando a mochila desgastada como se fosse um salva-vidas. Aos seus pés, um copo de papel com café frio e algumas moedas.
Aos vinte e três anos, Mariana já se acostumara a ser invisível. Seis meses na rua ensinaram-lhe que as pessoas raramente olhavam além da superfície. Notavam as roupas puídas, o rosto pálido, os olhos cansados, e apressavam o passo. Dizia a si mesma que já não doía. Mas, ao encarar o próprio reflexo no vidro embaçado do abrigo, mal reconhecia a mulher que ali estava.
A tempestade rugia, abafando o murmúrio da cidade, até que uma voz suave cortou o barulho.
“Precisa deste guarda-chuva?”
Mariana piscou e virou-se. Poucos passos adiante, uma menina de talvez sete anos vestia um casaco amarelo vivo e segurava um guarda-chuva cor-de-rosa grande demais para seu corpo pequeno. Tranças castanhas emolduravam seu rosto, e os olhos verdes brilhavam com a curiosidade típica das crianças.
Mariana forçou um sorriso. “Estou bem, querida. Só esperando o ônibus.”
A menina inclinou a cabeça, estudando-a como se decidisse se aquela era a verdade. Depois de uma pausa longa, disse algo que fez o coração de Mariana tropeçar.
“Você precisa de uma casa, e eu preciso de uma mãe.”
O ar faltou nos pulmões de Mariana. Fitou a menina, incerta se ouvira direito. “O que foi?”
A garota manteve o olhar, sem medo. “Você precisa de um lar. E eu… bom, não tenho mãe. Talvez você pudesse ser a minha.”
Por um instante, Mariana riu baixinho, achando que era brincadeira.
“Oh, querida, eu não sou… Quer dizer…”
Mas a menina estava séria. Sentou-se ao lado de Mariana e colocou o guarda-chuva entre as duas, abrigando-as da chuva.
“Chamo-me Beatriz”, disse, balançando as pernas. “Minha mãe foi embora quando eu era bebê. Agora é só eu e o meu pai. Mas ele trabalha muito. Tenta, mas às vezes… às vezes só queria alguém a mais.”
O peito de Mariana apertou-se. Conhecia a solidão como uma sombra, e reconhecia-a na voz de Beatriz. Ainda assim, as palavras da menina pesavam como um impossível.
“Beatriz, onde está o teu pai agora?” perguntou Mariana, suave.
“Logo ali.” A menina apontou para uma livraria. Através da vidraça encharcada, Mariana viu um homem de casaco cinza folheando livros.
“Ele sabe que você veio até aqui?”
Beatriz encolheu os ombros. “Disse que esperaria no ponto. Gosto de falar com as pessoas.” Inclinando-se, sussurrou: “E você parecia precisar de conversar.”
Antes que Mariana respondesse, o homem na livraria avistou a filha. Correu até lá, protegendo uma sacola de papel da chuva. Alívio e leve exasperação cruzaram seu rosto.
“Beatriz!”, chamou. “Não podes sair assim sozinha.”
“Eu não saí! Fiquei bem aqui!”, protestou a menina, apontando para Mariana. “Estava a falar com ela.”
O homem virou-se para Mariana, os olhos cautelosos mas educados. “Obrigado por ficar de olho nela.”
Mariana baixou o olhar, envergonhada.
“Foi ela quem me fez companhia.”
Algo no seu tom fez o homem hesitar. Estudou-a—realmente estudou-a—como poucos faziam. Os olhos suavizaram-se ao notar a mochila, o copo com moedas, o suéter molhado colado aos seus ombros.
“Você… tem onde ficar?”, perguntou baixinho.
Mariana hesitou. O orgulho pediu-lhe que mentisse, mas a verdade escapou. “Não. Não mesmo.”
Beatriz puxou a mão do pai.
“Viste, Pai? Ela precisa de uma casa. E eu preciso de uma mãe.”
As palavras pairaram no ar, deixando ambos atônitos.
O pai, cujo nome Mariana soube depois ser Diogo, sorriu, incerto. “As crianças dizem cada coisa…”
Mas Beatriz insistiu, olhando para ele com convicção. “Podemos convidá-la para jantar? Só jantar, por favor?”
Diogo suspirou. Era cauteloso, mas algo em Mariana fazia-o hesitar em recusar. Talvez a honestidade em seu olhar, ou a gratidão silenciosa. Por fim, acenou.
“Está bem. Jantar.”
A casa de Diogo era um apartamento modesto, aquecido e cheirando a pão fresco. Mariana sentou-se à mesa, as mãos entrelaçadas, receosa de tocar em algo. Não estava acostumada a gentilezas que não pediam nada em troca.
Beatriz tagarelava sem parar, falando da escola, dos livros favoritos e do gato que queria adotar um dia. Diogo ouvia, intercalando uma palavra, mas na maior parte observando Mariana com curiosidade.
Quando o jantar terminou, Mariana quis despedir-se. “Obrigada. Devo ir—”
Mas Beatriz agarrou-lhe a mão.
“Fica. Por favor? Só mais um pouco.”
Diogo pigarreou. “Já é tarde. A tempestade não passou. Podes ficar no sofá, se quiseres.”
O instinto de Mariana foi recusar, mas o cansaço venceu. Pela primeira vez em meses, dormiu sob um teto, num sofá macio, com um cobertor que cheirava a sabão em vez de chuva.
Os dias viraram uma semana. Mariana ajudou em casa—lavou pratos, dobrou roupa, até consertou uma cortina rasgada. Diogo reparou em sua discrição. Beatriz, entretanto, agarrava-se a ela, rindo mais do que nos últimos anos.
Numa noite, Diogo sentou-se à frente de Mariana, depois de Beatriz dormir. A voz era calma, mas os olhos traziam perguntas não ditas.
“Você passou por muita coisa, não foi?”
Mariana assentiu. “Perdi o emprego… a casa… e não tinha mais ninguém.”
Diogo ficou em silêncio. Depois, disse: “Não sei o que o futuro guarda. Mas sei isto—Beatriz não sorria assim há tempos. E acho que… talvez você precisasse de nós tanto quanto nós de você.”
Uma semana depois, Mariana estava no mesmo ponto de ônibus, encarando o veículo que se aproximava. A mochila pesava mais agora, com um suéter extra, um livro, um lanche que Beatriz preparara.
Diogo e Beatriz estavam perto.
“Não tens de ir”, sussurrou a menina, os olhos cheios de preocupação.
A garganta de Mariana apertou-se. “Não quero ser um fardo.”
“Não és”, Diogo afirmou.
“És… família agora. Se quiseres.”
O ônibus parou, as portas abrindo-se com um silvo. Por um momento, os velhos medos de Mariana gritaram mais alto que a chuva. Mas então a mão pequena de Beatriz entrelaçou-se na dela, quente e firme.
“Você precisa de uma casa”, repetiu Beatriz, suave. “E eu preciso de uma mãe.”
As palavras que antes a assustavam agora soavam como uma promessa.
O ônibusE quando o sol raiou no dia seguinte, Mariana percebeu que, depois de tanto tempo perdida, finalmente havia chegado onde sempre deveria ter estado.