Desde o dia em que trouxeram o bebê para casa, o cão preto chamado Ébano tornou-se um guardião constante do quarto. No início, Eduardo e a esposa, Beatriz, acharam um bom sinal: o cachorro estava protegendo o bebê, vigiando a porta. Mas depois de apenas três noites, a tranquilidade deles se desfez.
Na quarta noite, exatamente às 2h13, Ébano ficou rígido, os pelos arrepiados como agulhas, rosnando para o berço ao lado da cama. Ele não latia nem avançava, apenas rosnava, um som longo e cortante, como se alguém estivesse abafando sua voz nas sombras.
Eduardo acendeu o abajur e foi acalmar a bebê. A pequena Inês dormia tranquilamente, os lábios tremendo como se estivesse mamando, sem chorar. Mas os olhos de Ébano estavam fixos na cama. Ele se agachou, esticou o pescoço e enfiou o focinho no espaço escuro e empoeirado sob o móvel, rosnando. Eduardo ajoelhou-se, acendeu a lanterna do celular e viu apenas algumas caixas, fraldas extras e uma sombra espessa, como um abismo sem fundo.
Na quinta noite, aconteceu o mesmo às 2h13. Na sexta, Beatriz acordou assustada com um som de arranhões, lento e deliberado, como unhas arrastando na madeira. “Devem ser ratos”, disse, a voz trêmula. Eduardo aproximou o berço do guarda-roupa e pôs uma ratoeira no canto. Mesmo assim, Ébano encarava o estrado da cama, soltando grunhidos curtos sempre que a bebê se mexia.
Na sétima noite, Eduardo decidiu não dormir. Sentou-se na beirada da cama com as luzes apagadas, apenas a lâmpada do corredor projetando um filete dourado no quarto. O celular estava pronto para gravar.
Às 1h58, uma rajada de vento entrou pela janela entreaberta, trazendo o cheiro úmido do jardim.
Às 2h10, a casa parecia oca, vazia.
Às 2h13, Ébano pulou, mas não rosnou imediatamente. Olhou para Eduardo, pressionou o focinho em sua mão, como se pedisse ação. Depois rastejou para frente, farejando, e apontou o nariz para debaixo da cama. Seu rosnado explodiu, profundo e prolongado, como se impedisse algo de sair.
Eduardo ergueu a lanterna. No breve clarão, viu movimento. Não era um rato. Uma mão, esverdeada e suja de terra, curvada como uma aranha. A luz tremeluziu com o tremor de sua mão. Ele recuou, batendo no guarda-roupa. Beatriz sentou-se, perguntas desesperadas saindo em voz alta. Inês continuava a dormir, os lábios úmidos de leite.
Eduardo pegou a filha, colocou-a atrás de si e agarrou um antigo taco de baseball. Ébano atirou-se sob a cama, seus rosnados virando latidos furiosos, unhas arranhando. Das trevas veio um rastejar gelado, depois silêncio. As luzes piscaram. Algo recuou, rápido, deixando um rastro de poeira negra.
Beatriz soluçou, implorando que ele chamasse a polícia. Com mãos trêmulas, Eduardo discou. Em dez minutos, dois agentes chegaram. Um se ajoelhou, iluminando com a lanterna enquanto afastava as caixas. Ébano bloqueou o berço, dentes à mostra. “Calma”, disse o agente. Debaixo da cama estava vazio. Apenas poeira revolvida e marcas de garras no assoalho.
A luz parou numa rachadura na parede, perto da cabeceira: a madeira tinha sido cortada o suficiente para uma mão passar. Ele bateu; soou oco. “Tem um vão. Fizeram reformas aqui?” Eduardo negou. Nesse momento, Inês gemeu. Ébano moveu a cabeça para a fresta e rosnou. Das trevas, um sussurro áspero surgiu: “Shhh… não o acorde…”
Ninguém na casa dormiu depois daquele sussurro.
O agente mais novo, Diogo, pediu reforços. Enquanto esperava, arrancou o rodapé. Os pregos estavam novos, brilhantes contra a madeira envelhecida. “Alguém mexeu aqui há um ou dois meses.” A garganta de Eduardo secou. “Comprei a casa de um casal de idosos há três meses. Eles disseram que só pintaram a sala e consertaram o teto, não o quarto.”
Com um pé-de-cabra, Diogo arrancou a madeira. Atrás, um vão escuro como uma caverna. O cheiro de umidade misturava-se a outro: leite azedo e talco. Ébano puxou Eduardo para trás, rosnando. Beatriz agarrou Inês, o coração disparado.
Diogo iluminou o interior. “Tem alguém aí?” Silêncio. Mas quando a luz varreu o espaço, todos viram: pequenos objetos de bebê (uma chupeta, uma colher de plástico, um pano amassado) e dezenas de marcas riscadas na madeira, como uma rede.
Quando a equipe de reforço chegou, inseriu uma câmera e encontrou um caderno gasto, com letra trêmula e feminina:
“Dia 1: Dorme aqui. Ouço sua respiração.”
“Dia 7: O cão sabe. Vigia, mas não morde.”
“Dia 19: Preciso ser quieta. Só quero tocar sua bochecha, ouvir seu choro mais perto. Não acordar ninguém.”
As anotações eram curtas, frenéticas, como escritas no escuro.
“Quem morava aqui antes?”, perguntou um agente. Eduardo lembrou-se vagamente: no dia da entrega das chaves, uma jovem de cabeça baixa, cabelo cobrindo parte do rosto, acompanhava o casal. A idosa dissera: “Ela é preocupada, não fala muito.” Na época, não deram importância.
A câmera revelou mais: o vão corria pela parede, formando um túnel estreito. Em um canto, um ninho improvisado: um cobertor fino, uma fronha e latas de leite vazias. No chão, um risco novo: “Dia 27: 2h13. Respirar mais forte.”
2h13: o horário em que Inês acordava para mamar. Alguém, das paredes, acompanhara a rotina dela.
“Não é um fantasma”, disse Diogo, sério. “É uma pessoa.” Investigações encontraram trincos quebrados e pegadas sujas no forro. Alguém entrava e saía até pouco tempo.
Ao amanhecer, Diogo orientou: “Tranquem o quarto hoje. Deixem o cão aqui com um de nós. Vamos ver se ela volta.”
Naquela noite, às 2h13, o pano cobrindo a rachadura moveu-se. Uma mão fina e suja surgiu. Depois, um rosto descarnado: olhos fundos, cabelos emaranhados, lábios rachados. Mas o que mais chamou atenção foi o olhar fixo no berço, como sede em forma humana.
Ela sussurrou: “Shhh… não a acorde… só quero olhar…”
Era a jovem, Vera, sobrinha dos antigos donos. Perdera o bebê no final da gravidez, entrara em depressão profunda e, de algum modo, voltara àquela casa. Por quase um mês, vivera nas paredes, agarrada ao som da respiração de uma criança como seu último laço com a realidade.
Os agentes a convenceram a sair. Antes de ir, Vera olhou uma última vez para o berço e murmurou: “Shhh…”
Depois, os vãos foram selDesde então, Ébano nunca mais rosnou às 2h13, apenas se deitava ao lado do berço de Inês, vigilante e tranquilo, como se soubesse que a sombra que os assombrava era apenas uma alma perdida, não um monstro.