**Diário Pessoal**
Hoje foi um dia como tantos outros, mas acabou por me lembrar que o respeito é algo que se conquista, não se exige. Três homens arrogantes entraram no Café Azul, aqui em Lisboa, com a postura de quem acha que o mundo lhes deve algo. Riam alto, eram rudes com a empregada, e deixavam um rasto de desconforto por onde passavam. Até que os olhares deles pousaram em mim.
Sou a Carolina. Tenho quase quarenta anos, cabelo castanho-escuro, olhos cor de mel, e uma cadeira de rodas que carrego sem vergonha. Uso uma camisola cinza e jeans pretos, e na estrutura da cadeira está preso um pequeno emblema metálico—o Tridente das Forças Especiais da Marinha Portuguesa. Não é um adereço. É algo que ganhei com sangue, suor e lágrimas.
Eles não entenderam. Viram uma mulher “quebrada”, um alvo fácil. O líder, um tipo alto e tatuado, inclinou-se sobre a minha cadeira, os olhos cheios de desdém. “O que é isso, menina? Ganhou isso numa caixa de cereais?”
“Ganhei-o”, respondi, a voz tão firme como as pedras da calçada lá fora.
Eles riram, o som ecoando no café agora silencioso. Até que o líder, um tal de Rúben, empurrou a minha cadeira de repente. O café derramou, queimando-me as pernas. Fiquei quieta, os olhos fixos nele, sem medo.
Num canto, um jovem soldado—Luís—observava tudo. Reconheceu o Tridente. Saiu discretamente e fez uma chamada. Não para a polícia. Para quem realmente importava.
Vinte minutos depois, chegaram. Dois jipes pretos estacionaram à porta. Oito homens saíram—altos, silenciosos, movendo-se com a precisão de quem conhece a guerra. Eram Fuzileiros, todos ativos, todos com aquele olhar que não pede licença.
O líder do grupo, o Mestre João Valente, aproximou-se. “O que estás a fazer a esta mulher?”, perguntou ao Rúben, a voz baixa como o mar antes da tempestade.
Rúben gaguejou. “Foi só… uma brincadeira.”
João apontou para o Tridente na minha cadeira. “Sabes o que isto é? Sabes o que ela fez para o merecer?” E então contou-lhes. Contou como, há cinco anos, numa missão em África, a minha equipa foi emboscada. Uma granada caiu no meio de nós. Não havia tempo para atirá-la de volta. Então saltei em cima dela.
O Filipe, um dos Fuzileiros, interrompeu, a voz embargada. “Ela salvou-nos. Perdeu as pernas por nós. E vocês vêm aqui gozar?”
O silêncio no café era tão pesado que se podia ouvir o café a pingar da máquina. Rúben e os outros estavam brancos como papel.
“Levanta-te”, ordenou João. “E pede desculpa. Depois sais daqui e não voltas.”
Rúben levantou-se, trémulo. “Senhora Mestre… peço desculpa. Não sabíamos.”
“Mas devias saber”, respondi. “O respeito não se dá só a quem tem medo. Dá-se a quem o merece.”
Eles saíram de cabeça baixa. O ambiente no café mudou. A dona, a Dona Isabel, veio chorando dizer que eu nunca mais pagaria um café ali. Os clientes aplaudiram. Luís, o jovem soldado, aproximou-se e saudou-me com um aperto de mão firme.
Os meus homens—porque são meus, sempre serão—sentaram-se à minha volta. Riam, contavam histórias, como se nada tivesse acontecido. Como sempre fazem.
O Tridente na minha cadeira não é um símbolo do que perdi. É a prova de que eles voltaram para casa. E hoje, mais uma vez, provaram que nunca me deixariam para trás.
O Café Azul é o meu refúgio. Mas a família? Essa está sempre pronta para a guerra.
(Se acreditas que os militares são uma família para a vida, escreve “ninguém fica para trás”.)
**Continuação**
O café só respirou quando os oito homens se sentaram.
Passado um tempo, a Dona Isabel saiu da cozinha com uma bandeja de pastéis de nata—quentes, dourados, como pequenos sóis. “Para todos vocês”, disse, colocando o maior à minha frente. “A minha casa é a vossa.”
Agradeci. Não precisava de mais palavras.
O Luís aproximou-se, hesitante. “Senhora Mestre… chamou-se o que era preciso.”
“Fizeste bem, soldado”, respondi. Tocando no Tridente: “Isto não é só meu. É de todos os que vestiram a farda.”
O Mestre João tirou uma moeda do bolso e entregou-a ao Luís. “Para lembrares que o juízo vale mais que a força.”
O ambiente acalmou. Os clientes voltaram aos seus dias. Os três homens já não estavam. Deixaram para trás só o silêncio e algumas notas em cima da mesa.
Mais tarde, fui para casa, no bairro de Alfama, onde o Tejo se reflecte nas ruas estreitas. Sentei-me na varanda, o café já frio, mas o coração quente.
O João ligou ao pôr-do-sol. “Estás bem?”
“Estou em casa”, respondi.
“É a mesma coisa”, disse ele, e pude ouvir o sorriso.
No dia seguinte, voltei ao café. Havia um cartaz novo na porta: “AQUI VIVE-SE COM RESPEITO”.
O Luís trouxe-me uma caixa—uma bandeira portuguesa e uma moldura de madeira. “Para o teu Tridente”, disse. “Para todos saberem como devem agir.”
Passaram-se semanas. O Café Azul tornou-se um ponto de encontro—veteranos, civis, pessoas que precisavam de um lugar onde se sentissem em casa. O Rúben voltou, sem os amigos, e pediu para trabalhar lá. Lavou pratos, varreu o chão, aprendeu a ouvir.
Hoje, quando saio do café ao final do dia, o João dá-me um abraço. Os meus homens vão embora sem cerimónia, mas com a certeza de que voltarão.
E eu, Carolina Vieira—Mestre então, Mestre agora—sigo para casa pela rua mais longa, apenas para dar tempo ao dia de se tornar numa noite que vale a pena lembrar.
(A história continua. Se acreditas que o respeito se constrói com acções, escreve “respeito é memória”.)