Um milionário foi a um asilo para fazer uma doação, mas o que parecia um gesto simples terminou em surpresa. Encontrou a mãe, desaparecida havia três décadas, e a revelação dela mudou sua vida para sempre. Eduardo Mendes desceu do carro com as mãos nos bolsos do casaco.
Chovia sem parar, daquelas chuvas finas que parecem não ter fim. O motorista ofereceu-lhe o guarda-chuva, mas ele recusou com um gesto de cabeça. Caminhou direto para a entrada do asilo, com passos firmes, sem se importar em se molhar. O lugar não tinha luxo algum. Dava para ver que mal sobrevivia com o pouco que tinha.
A placa na entrada estava enferrujada e as letras mal se distinguiam. Lar de Idosos Nossa Senhora da Conceição era o terceiro que visitava naquele mês, tudo parte do programa de ajuda social que criara em memória da mãe. Há anos, ele doava recursos a hospitais, escolas, abrigos. Não queria holofotes, nem entrevistas, nem aplausos.
Fazia aquilo porque sentia que, de alguma forma, a mantinha perto. A mãe desaparecera quando ele tinha doze anos. Saíra de casa para fazer compras e nunca mais voltara. Ninguém soube dela. Foi como se a terra a tivesse engolido. A polícia investigou, claro, mas nunca encontraram pistas, testemunhas, nada.
O pai morrera pouco depois, e ele fora criado por tios, rodeado de dinheiro, mas também de silêncios e perguntas sem resposta. Agora, aos quarenta e dois anos, bem-sucedido, dono de várias empresas e com mais dinheiro do que poderia gastar numa vida, ainda carregava aquele vazio. Por isso estava ali. Cumprimentou o responsável pelo asilo, um homem baixo, de cabelos brancos, chamado senhor Manuel.
Explicou que não avisara com antecedência porque queria ver o local como era, sem preparativos nem fingimentos. O senhor Manuel não pareceu incomodado. Pelo contrário, levou-o para conhecer as instalações com calma. O lugar era simples, com corredores estreitos, paredes descascadas e um cheiro forte de remédios e café requentado.
Havia quartos com três ou quatro camas, alguns ventiladores velhos pendurados no teto e cadeiras de rodas encostadas nos cantos. Apesar de tudo, havia certa organização. Dava para ver que quem trabalhava ali se esforçava para manter o lugar digno. Enquanto caminhavam, Eduardo ouvia as histórias que o senhor Manuel contava. A maioria dos idosos ali não tinha família.
Alguns haviam sido abandonados, outros simplesmente esquecidos. Eduardo ia anotando mentalmente o que faltava: colchões novos, ventiladores, remédios. Quando chegaram ao fim de um corredor, ele parou de repente. A poucos metros, perto de uma janela, havia uma mulher sentada numa cadeira de rodas.
Não fazia nada, só olhava a chuva. Tinha os cabelos completamente brancos, presos numa trança grossa que caía sobre o ombro. Estava magra, com um casaco azul tricotado à mão e um cobertor sobre as pernas. Mas não foi isso que chamou a atenção de Eduardo, foi o rosto dela.
Havia algo estranhamente familiar naquela mulher, algo que não conseguia explicar. Ao vê-la, sentiu um peso no peito. Aproximou-se devagar, sem dizer nada. Ela não se mexeu. Parecia estar em outro mundo. Eduardo inclinou-se um pouco, tentando ver melhor o rosto dela. Então, ela virou a cabeça para ele, olhou-o nos olhos e, embora os olhos estivessem um pouco turvos e a expressão fosse cansada, os lábios tremularam e soltaram uma palavra suave, mas clara.
“Eduardinho.” O coração de Eduardo disparou. Ele deu um passo para trás. Não sabia o que acabara de acontecer. Ouvira direito? Ela dissera aquilo? Ninguém o chamava assim desde criança. Era o apelido que só a mãe e a senhora que o cuidava usavam. Engoliu em seco e aproximou-se novamente. Agachou-se para ficar à altura dela. “Desculpe, o que a senhora disse?”
A mulher apenas o olhava. Não respondeu. Piscava lentamente, como se estivesse entre o sono e a vigília. “A senhora me conhece?”, perguntou ele, sem conseguir disfarçar o nervosismo. Ela ergueu levemente a mão trêmula e tocou o rosto dele. Os dedos dela mal roçaram a bochecha, como se não tivesse certeza se ele era real.
“Eduardinho”, repetiu ela, com uma voz mais baixa, mas igualmente clara. Eduardo ficou paralisado. Olhou para o senhor Manuel, que estava atrás dele, também surpreso. “Quem é ela?”, perguntou Eduardo, sem tirar os olhos da mulher. O senhor Manuel coçou a cabeça. “Ela chegou há uns trinta anos. Ninguém sabia o nome. Foi um caso estranho.
Encontraram-na na rua, desorientada, sem documentos, sem falar muito. Desde então, está aqui. Nunca recebeu visitas, nunca disse como se chamava.” Eduardo agachou-se diante dela. A mente dele girava a mil por hora. Queria falar com ela, fazer perguntas, sacudi-la, mas não podia. Era óbvio que algo não estava bem.
“Como ela se chama? Tem algum nome aqui?” “Aqui a chamamos de dona Amélia, mas nunca soubemos se era o nome real. Foi assim que a registraram quando a trouxeram.” Eduardo olhou novamente para a mulher. A respiração estava acelerada, mas não por cansaço, e sim por uma confusão de emoções que não entendia. Algo dentro dele gritava que não era coincidência.
Aquele rosto, aqueles olhos, aquele gesto de tocar seu rosto. Era como ver alguém que sonhara mil vezes, mas isso não fazia sentido. A mãe desaparecera quando ele era criança. Se aquela mulher estava ali há trinta anos, coincidia, mas era absurdo. Como podia ser ela? Como chegara ali? Por que ninguém a encontrara antes?
“Posso falar com o médico daqui?” “Claro, senhor Mendes. Vou chamá-lo agora.” Eduardo ficou ali, em pé, olhando para dona Amélia sem saber se devia chorar, fugir ou abraçá-la. Ela já não dizia nada. Voltou a olhar para a janela, como se a chuva lhe contasse um segredo.
Ele ficou com os olhos fixos naquele rosto e, pela primeira vez em anos, sentiu medo—não por ela, mas pelo que aquilo tudo podia significar. Porque, se ele estivesse certo, a história da sua família estava prestes a mudar para sempre. Eduardo não se movera. Continuava parado junto à janela, encarando a mulher.
O som da chuva batendo nos vidros preenchia o silêncio desconfortável que se instalara depois que ela dissera seu nome. Bem, não exatamente seu nome, mas o apelido da infância. Ninguém o chamava assim desde os doze anos. Ninguém na escola, na família, nas empresas.
Aquele nome estava guardado numa parte da vida que ele quase não tocava. E, no entanto, ali estava aquela senhora, uma mulher que supostamente não o conhecia, que nem sequer lembrava o próprio nome, olhando-o com aqueles olhos apagados, mas ao mesmo tempo cheios de algo que não conseguia explicar.
Era como se ela o reconhecesse, como se visse algo que os outros não viam. Eduardo sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha. A boca secou. Não entendia o que acontecia, mas seu corpo entendia. Havia algo naquele olhar que o paralisava. Não era medo, não exatamente.
Era mais uma mistura de confusão, tristeza e um fio de esperança. Agachou-se novamente para ficar à altura dela. Ela não olhava diretamente para ele como antes, mas os olhos ainda estavam fixElela envolveu suas mãos trêmulas em torno das dele e sussurrou, com voz tão frágil quanto a luz do entardecer, “Eu sempre soube que você voltaria, meu filho.”