Na mansão de Sousa não se ouviam risos de meninas, só gritos de babás pedindo demissão. Era o que diziam entre os empregados e vizinhos da luxuosa residência de Eduardo Sousa, um dos empresários mais poderosos do país. Em apenas um mês, dez babás tinham passado por suas portas – todas fugindo assustadas. O problema não era o salário.
Só o salário era uma fortuna – e as regalias – mas sim as três pequenas criaturas que habitavam a ala norte. Beatriz, Carolina e Daniela, as filhas do milionário. Tinham 7 anos, eram trigêmeas idênticas na aparência, mas muito diferentes no caráter. Beatriz, a mais velha por minutos, mantinha o cenho francido como se estivesse em guerra com o mundo.
Carolina, a do meio, era a mais travessa, especialista em pegadinhas cruéis. Daniela, a mais nova, era silenciosa, com olhos enormes que pareciam guardar segredos grandes demais para uma criança. Juntas, transformaram a mansão num campo de batalha. Derramavam água nas babás, escondiam seus sapatos, enchiam as camas de farinha, gritavam em coro até testar a paciência de qualquer um.
Mas a verdade que ninguém via era outra. Essas meninas não eram monstros, eram órfãs de mãe, e cada travessura era um grito disfarçado de dor. Naquela manhã, uma nova cena de caos se desenrolava no corredor principal. A última babá, com os cabelos tingidos de tinta verde, corria chorando enquanto arrastava sua mala.
“São endemoniadas, ninguém aguenta”, gritou, empurrando a porta de saída. As trigêmeas, escondidas atrás de uma coluna, riam sem parar. Carolina batia palmas orgulhosa. Onze minutos. Durou menos que a anterior. Beatriz, porém, não ria tanto. “O pai vai achar que somos um problema”, murmurou. Daniela baixou a voz quase num sussurro: “O pai já acha que somos.” As três ficaram em silêncio.
No fundo, sabiam que ela tinha razão.
No escritório, Eduardo Sousa observava pela janela com expressão duríssima. Alto, cabelo engomado, terno impecável, parecia uma estátua de aço. O mordomo António entrou cautelosamente. “Senhor, a senhorita Ferreira desistiu.” Eduardo cerrou os dentes. A décima num mês.
“E então? Arranjem outra.” António engoliu seco. “Com todo respeito, senhor, nenhuma aguenta. Dizem que as meninas são impossíveis.” Os olhos de Eduardo endureceram ainda mais. “Não são elas, são as babás, fracas, incapazes.”
Deixou-se cair na poltrona de couro e murmurou, mais para si que para o mordomo: “Se a Leonor estivesse aqui, nada disso aconteceria.” O nome da falecida esposa pairou no ar como um fantasma. Ela morrera três anos antes, e desde então, Eduardo enterrara a memória sob toneladas de trabalho e silêncio.
Na ala norte, as trigêmeas se escondiam no quarto, abraçadas. Mesmo tendo se divertido com a travessura, um peso as esmagava por dentro.
“A mamãe não deixaria que trocássemos de babá o tempo todo”, sussurrou Daniela.
“A mamãe já não está”, replicou Beatriz com dureza, embora a voz tremesse.
Carolina escondeu o rosto nas mãos. “Eu só quero que o pai olhe para nós de novo.”
Ninguém respondeu. O silêncio tornou-se insuportável.
Enquanto isso, no portão da mansão, um táxi parava. Dele descia uma mulher jovem com uma mala pequena e roupas simples. Chamava-se Mariana. Não vinha de agências luxuosas nem trazia cartas de recomendação – apenas respondera a um anúncio desesperado.
Ao ver a grandeza da mansão, engoliu em seco. Não parecia o tipo de lugar onde alguém como ela se encaixasse. O segurança zombou ao vê-la. “Você, a nova babá? Não dura três dias.”
Mariana olhou-o direto nos olhos e, com uma calma que surpreendeu o homem, respondeu: “Não vim para durar. Vim para ficar.”
O que ninguém sabia ainda era que aquela mulher humilde iria romper o muro de gelo que nem o dinheiro, nem as babás anteriores, nem mesmo Eduardo haviam conseguido atravessar. E que, graças a ela, três pequenas invisíveis seriam vistas de novo.
O portão de ferro fechou-se com um baque atrás do táxi. Mariana respirou fundo e olhou para a mansão diante dela – um edifício imponente com janelões altos e jardins tão perfeitos que pareciam pintados. Apertou a mala contra o corpo como se fosse um escudo. Não era a primeira vez que trabalhava com crianças, mas era a primeira numa casa daquelas. Sabia que não era bem-vinda antes mesmo de pisar dentro.
Foi recebida pelo mordomo António na escadaria. Olhou-a de cima a baixo com expressão cética – roupa simples, sapatos gastos, cabelo preso com um laço de pano. Nada nela combinava com a luxuosa perfeição da mansão.
“Senhorita Mariana, não é?” perguntou com tom seco.
“Sim, senhor”, respondeu ela com um sorriso tímido.
“Já aviso desde agora: aqui ninguém dura. As meninas… Bom, logo verá.”
Mariana apertou os lábios. “Não se preocupe, eu sei lidar com crianças.”
O homem soltou uma risada breve, carregada de ironia. “Todas dizem isso antes de saírem correndo.”
Dentro da casa, o ambiente era ainda mais frio que o mármore que revestia o chão. Os empregados iam e vinham sem olhar para ela, como se fosse invisível. Só dona Margarida, a cozinheira, lhe lançou um breve “Boa sorte, filha”, sussurrado quase em segredo. “Aqui falta mais coração e menos dinheiro.”
Mariana agradeceu com um aceno. Não entendia completamente o aviso, mas logo descobriria.
Foi conduzida à ala norte. Ao abrir a porta, Mariana deparou-se com três pares de olhos fixos nela. Beatriz, Carolina e Daniela estavam sentadas em fila, idênticas com seus vestidos impecáveis e tranças escuras, como bonecas de porcelana. Nenhuma sorriu. Nenhuma falou.
Mariana sentiu o peso daquele olhar triplo, penetrante. Respirou fundo e apresentou-se:
“Olá, meninas. Sou a Mariana. Vim para acompanhá-las.”
Carolina, a do meio, cortou-a com voz zombeteira: “Você não vai durar três dias como todas.”
As outras duas riram com cumplicidade.
Mariana não se intimidou. Ajoelhou-se até ficar na altura delas.
“Bom, então esses três dias terão que ser os melhores da vida de vocês.”
As trigêmeas trocaram olhares desconcertadas. Não esperavam aquela resposta. A maioria das babás se escandalizava ou ameaçava na hora.
“Não tem medo da gente?”, perguntou Beatriz, a mais velha, franzindo a testa.
Mariana sorriu com calma. “Medo? Só teria medo se fossem três tigres famintos. Mas o que eu vejo são três meninas lindas.”
Daniela, a mais quieta, piscou surpresa. Uma leve centelha de curiosidade brilhou em seus olhos.
A primeira prova veio minutos depois. Carolina derramou de propósito um copo de suco no tapete, fingindo descuido. “Ops, caiu”, disse com malícia.
Mariana, em vez de ralhar, sentou-se no chão e começou a limpar com um guardanapo.E, quando Eduardo Sousa finalmente ouviu as risadas de suas filhas ecoando pelos corredores da mansão, percebeu que Mariana não trouxera apenas ordem ao caos – trouxera de volta o amor que há muito ele pensara perdido.