**Diário de Mariana**
Na mansão dos Sousa, não se ouviam risos de meninas, apenas o eco das últimas babás a fugirem a correr. Era o que se murmurava entre os empregados e vizinhos da luxuosa residência de Eduardo Sousa, um dos empresários mais poderosos do país. Em apenas um mês, dez babás haviam passado pelaquelas portas, e todas saíram apavoradas. O problema não era o salário.
Sousa pagava fortunas—não eram as condições, mas as três pequenas criaturas que habitavam a ala norte: Sofia, Beatriz e Inês, as filhas gémeas do milionário. Tinham sete anos, eram idênticas na aparência, mas muito diferentes no temperamento. Sofia, a mais velha por minutos, carregava um olhar carregado, como se estivesse em guerra com o mundo.
Beatriz, a do meio, era a mais traquina, especialista em brincadeiras pesadas. Inês, a mais nova, era silenciosa, com olhos enormes que pareciam guardar segredos grandes demais para uma criança. Juntas, transformaram a mansão num campo de batalha: derrubavam jarros de água, escondiam sapatos, enchiam as camas com farinha e gritavam em coro até testarem a paciência de qualquer um.
Mas a verdade que ninguém via era outra. Aquelas meninas não eram monstros—eram órfãs de mãe, e cada travessura era um grito disfarçado de dor.
Naquela manhã, o caos se instalou novamente no corredor principal. A última babá, com o cabelo tingido de verde, corria chorando, arrastando a mala.
—São endemoninhadas! Ninguém as aguenta! —gritou, batendo a porta atrás de si.
As gémeas, escondidas atrás de uma coluna, riam às gargalhadas. Beatriz batia palmas, orgulhosa. “Onze minutos. Durou menos que a anterior.” Sofia, porém, não ria tanto.
—O pai vai dizer que somos um problema —murmurou.
Inês baixou a voz. —Ele já acha que somos.
As três ficaram em silêncio. No fundo, sabiam que era verdade.
No escritório, Eduardo Sousa observava a cena pela janela com expressão dura. Alto, cabelo impecavelmente alinhado, traje perfeito—parecia uma estátua de pedra. O mordomo, António, entrou com cautela.
—Senhor, a senhora Gomes desistiu.
Eduardo apertou a mandíbula. —A décima num mês.
—Sim, senhor.
O milionário virou-se bruscamente. —E o que estão à espera? Arranjem outra.
António engoliu em seco. —Com respeito, senhor, nenhuma aguenta. Dizem que as meninas são impossíveis.
Os olhos de Eduardo tornaram-se ainda mais frios. —Não são elas. São as babás que são fracas, incapazes.
Deixou-se cair na poltrona de couro e murmurou, mais para si: —Se a Carolina estivesse aqui, nada disto acontecia.
O nome da esposa falecida pairou no ar como um fantasma. Ela morrera três anos antes, e desde então, Eduardo enterrara as memórias sob toneladas de trabalho e silêncio.
Na ala norte, as gémeas esconderam-se no quarto, abraçadas. Apesar da risada, um peso as esmagava.
—A mãe não deixaria que trocássemos de babá toda hora —sussurrou Inês.
—A mãe já não está —respondeu Sofia com dureza, embora a voz tremesse.
Beatriz escondeu o rosto nas mãos. —Só quero que o pai nos olhe outra vez.
Nenhuma respondeu. O silêncio tornou-se insuportável.
Enquanto isso, no portão da mansão, um táxi parou. Dele desceu uma jovem com uma mala pequena e roupa simples. Chamava-se Mariana. Não vinha de agências de luxo nem trazia cartas de recomendação—apenas respondera a um anúncio desesperado.
Ao ver a grandiosidade da casa, engoliu em seco. Não parecia o tipo de lugar para alguém como ela. O segurança riu ao vê-la.
—Você, a nova babá? Não dura três dias.
Mariana olhou-o nos olhos e respondeu com uma calma que o surpreendeu:
—Não vim para durar. Vim para ficar.
Ninguém sabia ainda, mas aquela mulher humilde quebraria o muro de gelo que nem o dinheiro, nem as babás anteriores, nem mesmo Eduardo haviam conseguido atravessar.
O portão de ferro fechou-se com um baque atrás do táxi. Mariana respirou fundo e observou a mansão diante de si—um edifício imponente, com janelões altos e jardins tão perfeitos que pareciam pintados. Apertou a mala contra o peito, como se fosse um escudo.
Não era a primeira vez que cuidava de crianças, mas era a primeira numa casa daquelas. Sabia que não era bem-vinda antes mesmo de pisar lá dentro.
António, o mordomo, recebeu-a na escadaria. Olhou-a de cima a baixo, cético. Roupa modesta, sapatos gastos, cabelo preso com um laço de pano. Nada nela combinava com a perfeição luxuosa da mansão.
—Senhorita Mariana, não é? —perguntou, seco.
—Sim, senhor.
—Aviso desde já: aqui ninguém dura. As meninas… Bem, logo verá.
Mariana sorriu timidamente. —Não se preocupe. Sei lidar com crianças.
O homem soltou uma risada irônica. —Todas dizem isso antes de fugirem.
Dentro da casa, o ar era ainda mais frio que o mármore do chão. Os empregados evitavam olhá-la, como se fosse invisível. Só Dona Fernanda, a cozinheira, lhe deu um aceno rápido enquanto limpava as mãos no avental.
—Boa sorte, menina —sussurrou. —Aqui falta mais coração e menos dinheiro.
Mariana agradeceu com um aceno de cabeça. Não entendia bem o aviso, mas em breve descobriria.
Foi conduzida à ala norte. Ao abrir a porta, Mariana encontrou três pares de olhos fixos nela. Sofia, Beatriz e Inês estavam sentadas em fila, idênticas, com vestidos impecáveis, como bonecas de porcelana. Nenhuma sorriu. Nenhuma falou.
Mariana sentiu o peso daquele olhar triplo. Respirou fundo e apresentou-se:
—Olá, meninas. Sou a Mariana. Vim para ficar com vocês.
Beatriz, a do meio, interrompeu com voz provocadora:
—Você não vai durar três dias, como todas.
As outras riram em cumplicidade.
Mariana não se intimidou. Agachou-se à altura delas.
—Então esses três dias terão de ser os melhores das vossas vidas.
As gémeas trocaram olhares confusas. Não esperavam aquela resposta. A maioria das babás logo se exasperava ou ameaçava.
—Não tens medo de nós? —perguntou Sofia, franzindo a testa.
Mariana sorriu. —Só teria medo se fossem tigres famintos. Mas eu vejo três meninas lindas.
Inês, a mais calada, piscou surpresa. Um lampejo de curiosidade brilhou nos seus olhos.
A primeira prova veio minutos depois. Beatriz derrubou de propósito um copo de sumo no tapete.
—Opa, caiu —disse, maliciosa.
Mariana, em vez de ralhar, sentou-se no chão e limpou com uma toalha.
—Não faz mal. Os tapetes têm sorte quando se sujam—significa que alguém vive aqui.
As três ficaram mudas. Estavam acostumadas a gritos, castigos, não a alguém que encE naquela noite, quando Eduardo Sousa passou pelo corredor e ouviu, pela primeira vez em anos, as risadas das filhas ecoando pela mansão, sentiu algo que há muito pensara perdido – a esperança de que, talvez, ainda fosse possível curar o coração daquela família.