As luzes neon do centro de Lisboa tremeluziam contra o céu da meia-noite, enquanto os arranha-céus de vidro se erguiam como monumentos de ambição. Dentro de um deles, sentava-se Henrique Lourenço, um homem de quarenta e dois anos que tinha tudo—dinheiro, poder, influência. Mas, ao olhar pela janela para a cidade que parecia nunca dormir, Henrique percebeu que faltava algo: um herdeiro. Um legado de sangue e nome que nem os seus milhões podiam comprar.
Tentara o casamento—duas vezes. Ambos desmoronaram sob o peso das expectativas e traições. Henrique concluíra que o amor não passava de uma ilusão frágil, um jogo que sempre terminava em perda. Mas um filho—isso era diferente. Um filho era investimento, continuidade. E, ao contrário do amor, isso podia ser controlado, planeado, executado como qualquer outro negócio.
Na manhã seguinte, Henrique entrou no seu carro desportivo, os bancos de couro rangendo sob o seu peso, e dirigiu-se pelas ruas movimentadas de Lisboa. A sua mente não estava nas palmeiras que ladeavam as avenidas ou nos anúncios luminosos de marcas de luxo. Estava no problema de encontrar alguém disposto a carregar um filho por ele. Alguém sem envolvimento emocional, sem complicações. Apenas um contrato.
Parado num semáforo perto do centro, algo chamou a sua atenção. No canto do passeio, uma jovem mulher estava sentada no chão, desenhando num pedaço de papel rasgado. O cabelo castanho desalinhado caiu sobre o seu rosto, e os olhos azuis pareciam brilhar através da sujidade do cansaço. Ela parecia invisível para todos os que passavam apressados, mas Henrique reparou nela. Contra os seus instintos, hesitou. *Quem desenha num passeio como se o resto do mundo não existisse?*, pensou com amargura. Quando o sinal ficou verde, obrigou-se a avançar, mas, após algumas quadras, a imagem dela inclinada sobre o esboço recusava-se a sair da sua mente. Com um rosnado de frustração, Henrique girou o volante, fez o carro voltar e regressou.
Ela ainda estava lá, agora encostando o papel à parede. Henrique estacionou no passeio e baixou o vidro escurecido. “Ó rapariga. Vem cá.”
A jovem levantou a cabeça, o olhar desconfiado ao estudar o homem de fato bem-cortado ao volante. Hesitou.
“Não estou a pedir,” Henrique disse com firmeza. “Não tenho o dia todo.”
Lentamente, com relutância, ela aproximou-se. De perto, a sua magreza era chocante, as roupas gastas, mas a postura transbordava uma dignidade silenciosa. “O que é que quer?” perguntou, a voz baixa mas firme.
“Entra. Vamos falar noutro lugar.”
Ela soltou uma risada seca. “Não sou dessas. Se é isso que está a pensar.”
Henrique apertou o maxilar. “Não sejas absurda. Não tenho tempo para isso. Só quero falar. Agora entra ou volta para o passeio.”
A hesitação permaneceu, mas a autoridade no seu tom deixava pouco espaço para recusa. Ela entrou.
O silêncio no carro era pesado enquanto Henrique conduzia até um café tranquilo, longe do barulho da cidade. Sentaram-se num canto, o murmúrio das conversas ao redor. Ele estudou o rosto dela à luz ténue.
“Como te chamas?” perguntou.
“Leonor Pereira,” respondeu secamente. “Mas porque é que isso importa?”
“Porque preciso saber com quem estou a lidar. Diz-me, Leonor—porque é que te sentas nos passeios a desenhar como se nada mais existisse?”
Ela encolheu os ombros, desviando o olhar. “Que mais há para fazer? Não tenho para onde ir. Perdi tudo. Mas isso não é da sua conta.”
Henrique inclinou-se para a frente. “Então vou direto ao assunto. Quero fazer-te uma proposta. Algo que pode mudar a tua vida.”
Os olhos dela estreitaram-se. “E o que seria isso?”
“Quero que tenhas um filho para mim.”
Leonor pestanejou, convencida de que ouvira mal. “Está a brincar, não está?”
“Estou completamente sério. Vou cobrir todas as tuas despesas, dar-te todo o apoio durante a gravidez e, quando terminar, receberás dinheiro suficiente para nunca mais teres de te preocupar em sobreviver nas ruas.”
Leonor soltou uma risada amarga, cruzando os braços. “Está louco. Que tipo de homem faz uma proposta destas a uma estranha?”
“O tipo de homem que sabe exatamente o que quer. Não quero amor, Leonor. Não quero drama. Apenas um filho. Simples assim.”
Ela olhou para ele, as palavras ecoando na sua mente. A audácia da proposta deixou-a perturbada. Porém, por trás do olhar gelado, havia uma determinação que não podia ignorar. Isto não era uma piada.
“Isto é loucura,” sussurrou. “Nenhuma mulher em sã consciência aceitaria.”
Henrique não vacilou. “Nenhuma mulher na tua posição recusaria.”
As palavras atingiram-na como um golpe. Por mais que quisesse detestá-lo, a verdade latejava nela. Ele oferecia conforto, estabilidade, uma fuga da fome e do frio. Mas a que custo?
“E depois?” perguntou, finalmente. “O que acontece quando o bebé nascer?”
“Receberás uma quantia generosa. Suficiente para começares de novo. Sem amarras. Serás livre.”
Ela riu-se com amargura. “E como é que eu sei que não vai mudar de ideias e arrastar-me para tribunal?”
“Sou um homem de negócios. Não fecho acordos sem garantir que todas as partes beneficiam. Terás um contrato vinculativo. Nenhum de nós pode alterar os termos depois.”
O silêncio prolongou-se entre eles enquanto Leonor absorvia as suas palavras. A voz da mãe ecoava na sua cabeça: *As oportunidades só batem uma vez à porta*. Mas que tipo de oportunidade era esta?
Quando finalmente falou, a voz estava firme. “Preciso de tempo para pensar.”
Henrique levantou-se, abotoando o casaco. “Tens vinte e quatro horas. Depois disso, a oferta desaparece.”
Ele saiu, deixando-a dividida entre o desespero e a dignidade.
Naquela noite, enquanto o ar de Lisboa ficava mais frio, Leonor encolheu-se num banco de jardim, olhando para o céu nublado. O amanhã traria a mesma fome, a mesma invisibilidade, a menos que ela aceitasse. No entanto, no seu íntimo, a ideia de entregar uma criança—o seu filho—arranhava-lhe a alma.
Entretanto, Henrique sentava-se no seu escritório com vista para a cidade. O contrato estava à sua frente, redigido pelos seus advogados com precisão. Odiava esperar, mas estava certo. Se Leonor recusasse, outra aceitaria. Mas havia algo nela—a artista com fogo nos olhos—que ficara cravado na sua mente.
Na noite seguinte, o intercomunicador tocou. “Sr. Lourenço, a Leonor Pereira está aqui.”
O pulso de Henrique acelerou mais do que esperava. “Manda-a subir.”
Minutos depois, ela estava à sua porta. Os olhos estavam cansados, mas a voz firme.
“Aceito.”
Henrique estudou-a, à procura de hesitação, mas não havia nenhuma. Indicou a mesa. “Então vamos tornar isto oficial.”
O contrato era claro. Henrique providenciaria alojamento, comida, cuidados médicos e compensação. Em troca, ela renunciaria a todos os direitos sobre a criança. Leonor assinou o nome com um traço rápido,E assim, no meio de contratos rasgados e promessas refeitas, encontraram no imprevisto da vida a única herança verdadeira: o amor que nasce quando deixamos de planejar e simplesmente vivemos.