O milionário chegou mais cedo a casa e quase desmaiou com o que viu. Eduardo Mendes nunca se sentira tão perdido como nos últimos meses. O empresário de sucesso, que dirigia uma das maiores construtoras de Lisboa, descobriu que todo o seu dinheiro não valia de nada quando se tratava de curar o coração partido de uma menina de 3 anos.
Foi então que decidiu sair mais cedo da reunião com os investidores japoneses. Algo dentro dele o puxava para casa, uma sensação estranha que não conseguia explicar. Ao abrir a porta da cozinha da sua mansão em Cascais, Eduardo teve de se segurar na ombreira para não cair.
A sua filha Leonor estava nos ombros da empregada, as duas a cantar uma canção infantil enquanto lavavam a loiça juntas. A menina ria de um modo que ele não via há meses. “Agora esfrega bem aqui em baixo, princesa”, dizia Carminho, a empregada, guiando as mãozinhas pequenas da menina. “Vês? Que menina tão esperta tu és!” “Tia Carminho, posso fazer bolhas com o detergente?”, perguntou Leonor com uma voz cristalina que Eduardo julgara ter perdido para sempre.
O empresário sentiu as pernas tremerem. Desde que Sofia partira, vítima de um acidente de carro, Leonor não dizia uma única palavra. Os melhores psicólogos infantis do país garantiam que era normal, que a menina precisava de tempo para processar a perda. Mas ali, naquela cozinha, ela conversava naturalmente como se nada tivesse acontecido.
Carminho reparou na sua presença e quase deixou a menina escorregar dos ombros. “Sr. Eduardo, não esperava por si!”, começou a explicar, visivelmente nervosa. “Papá!”, gritou Leonor, mas imediatamente encolheu-se como se tivesse feito algo errado. Eduardo saiu a correr para o escritório, batendo com a porta atrás de si. As mãos tremiam-lhe enquanto servia um copo de whisky.
A cena que acabara de presenciar perturbava-o de uma maneira que não entendia—como é que aquela jovem, em poucos meses, conseguira o que ele não conseguira? Como era possível que a sua própria filha falasse com a empregada de um modo que já não falava com ele?
Na manhã seguinte, Eduardo fingiu sair para o trabalho como sempre, mas estacionou o carro a algumas ruas de distância e voltou a pé. Precisava de perceber o que se passava na sua própria casa. Entrou pelos fundos e subiu direto ao escritório, onde instalou rapidamente umas pequenas câmaras que comprara pelo caminho.
Durante a semana seguinte, saía mais cedo do trabalho para ver as gravações. O que descobriu deixou-o ainda mais perturbado. Carminho Rodrigues, de apenas 24 anos, transformava cada tarefa doméstica num jogo educativo. Conversava com Leonor sobre tudo—desde as cores das roupas que dobava até aos ingredientes da comida que preparava.
“Olha, princesa, quantas cenouras temos aqui?”, perguntava Carminho, cortando os legumes. “Uma, duas, três, cinco!”, respondia Leonor, batendo palmas. “Isso mesmo, és muito esperta. E sabes por que é que a cenoura é laranja?” “Não sei, tia Carminho.” “Porque tem uma vitamina especial que faz os nossos olhos ficarem fortes para vermos tudo de bonito neste mundo.”
Eduardo observava essas cenas com uma mistura de gratidão e ciúmes. Gratidão porque a filha claramente se estava a recuperar. Ciúmes porque ele não sabia como criar aquela ligação que parecia tão natural entre as duas.
As gravações também revelaram algo que o inquietou. Dona Margarida Silva, a governanta que trabalhava na casa havia 20 anos, observava Carminho com desconfiança constante. A mulher de 62 anos, que ajudara a criá-lo quando era criança, claramente desaprovava os métodos da empregada mais jovem.
“Carminho, estás a passar dos limites”, ouviu Eduardo dizer a Margarida numa das gravações. “Não é o teu papel educar a menina. Contrataram-te para limpar a casa.”
“Dona Margarida, só estou a tentar ajudar”, respondeu Carminho, com voz suave mas firme. “A Leonor é uma menina muito especial.” “Especial ou não, não é da tua conta. Faz o teu trabalho e pronto.”
A tensão era palpável, mesmo através do ecrã do computador. Eduardo percebeu que havia dois mundos a chocar na sua casa—e ele estava no meio de uma guerra silenciosa que nem sequer sabia existir.
Na quinta-feira dessa semana, recebeu uma chamada que mudaria tudo. Era da diretora da creche onde Leonor começara a ir recentemente. “Sr. Eduardo, tenho uma notícia maravilhosa”, disse a educadora Luísa Fernandes. “A Leonor finalmente começou a interagir com as outras crianças. Hoje brincou na casinha com mais três meninas e contou histórias sobre como ajuda a tia Carminho em casa.”
Eduardo deixou cair os papéis que tinha na mão. “Como assim, educadora?” “Ela disse que aprende a cozinhar, a arrumar as coisas, que a tia Carminho conta histórias sobre princesas que ajudam em casa. É impressionante como a menina mudou. Fizeram algum tratamento novo?”
“Não, não exatamente…”, gaguejou Eduardo.