A estrada estendia-se sem fim, o asfalto negro reluzindo sob o sol do fim do verão. Augusto Monteiro apertou o volante da sua camioneta, as mãos firmes apesar das três horas de viagem desde a Costa da Caparica.
Aos cinquenta e quatro anos, o corpo trazia as marcas de duas décadas no exército e mais dez a construir a sua empresa de construção do zero. Os cabelos grisalhos nas têmporas e as rugas no rosto curtido pelo tempo não abafavam o olhar verde, tão afiado como nos tempos em que servira em missões no estrangeiro.
Há três semanas que não ouvira a filha, Carlota, a sério. As chamadas iam para o correio de voz. As mensagens eram curtas, cautelosas, distantes: *Estou ocupada com coisas da casa, pai. O Alexandre está sempre em viagem por causa do trabalho.* Carlota nunca fora tão contida—era uma rapariga que falava sem medo, refletia, ria-se das suas piadas más. Aquelas palavras pareciam de uma estranha.
Sob o monte, apareceu Azeitão, uma vila de quintas senhoriais que falavam de dinheiro antigo. Augusto lá fora duas vezes desde o casamento de Carlota. Em ambas, a família Teixeira deixara claro que ele não era bem-vindo.
Encontrou a Rua das Oliveiras e, no fim, a mansão dos Teixeira, um império de cinco quartos herdado por gerações. Estacionou a velha Ford ao lado de um Mercedes brilhante e saiu.
Dona Margarida Teixeira abriu a porta, o cabelo prateado impecável, o vestido creme sem uma ruga.
“Augusto,” disse com frieza, bloqueando a entrada. “Que vento o traz aqui?”
“Vim ver a minha filha,” respondeu sem rodeios. “Uma visita surpresa.”
O sorriso dela era de vidro. “Que surpresa. Ela está lá atrás, no seu projecto.”
Augusto passou por ela. O ar condicionado atingiu-o como uma onda gelada. As fotos do casamento onde ele aparecia tinham desaparecido—só restavam imagens de Alexandre e dos pais dela.
“Ela está no alpendre,” disse Dona Margarida, com um tom cortante. “Pode passar pela cozinha.”
A cozinha brilhava com granito e aço inoxidável. Lá fora, o pátio e a piscina reluziam, mas os olhos de Augusto fixaram-se no pequeno alpendre de madeira ao sol.
Atravessou o jardim, o calor a colar-lhe a camisa ao corpo, enquanto um frio lhe subia pelo estômago. Bateu à porta.
“Carlota?”
“Pai?” A voz dela vacilou.
A porta abriu-se. O cabelo escuro de Carlota estava molhado de suor, o rosto corado. Dentro, uma cama estreita, um baú com roupas e um pequeno ventilador que mal mexía o ar abafado. Um termómetro na parede marcava 40 graus.
“Pai, não pode estar aqui,” murmurou, espreitando em direção à casa. “A Dona Margarida não permite—”
“Não permite o quê?” Augusto falou baixo, mas perigosamente. “Há quanto tempo estás assim?”
“Desde que o Alexandre partiu para o trabalho. Há três meses.”
Carlota explicou as regras da Dona Margarida: ninguém de fora em casa durante a ausência do marido, acesso limitado à cozinha, portas trancadas à noite. Augusto observou-a—olheiras profundas, lábios gretados. Aquilo não era negligência; era crueldade calculada.
“Junta as tuas coisas,” disse, voz de aço.
“Mas pai, o Alexandre—”
“Carlota,” falou suavemente, “o que é que eu te ensinei sobre valentões?”
“Enfrentamo-los,” respondeu, com um vislumbre da sua antiga coragem.
“E se magoarem a tua família?”
“Pagam por isso,” disse.
Exatamente. Augusto agarrou o saco dela. “Eles declararam guerra à minha filha. Agora vão ver o que custa.”
Dentro da mansão, enfrentou Dona Margarida e o senhor Teixeira, expondo o que Carlota sofrera: meses num alpendre a abafar, comida racionada, manipulação. As máscaras de civilidade da riqueza antiga racharam sob as provas—fotografias, declarações, relatórios médicos. O agente Lopes confirmou que os abusos poderiam ser criminosos.
Carlota falou perante a Junta de Azeitão, contando o seu calvário. O pedido de subsídio que Dona Margarida apresentara foi suspenso, e a reputação da família desmoronou-se em minutos.
Alexandre voltou, horrorizado, e cortou relações com os pais. Ele e Carlota mudaram-se para um apartamento modesto. Ele começou a trabalhar para Augusto, aprendendo o valor do trabalho honesto, enquanto Carlota se dedicava a ajudar vítimas de abuso.
Augusto transformou o seu alpendre numa casa segura e acolhedora, “O Refúgio dos Monteiro,” para quem estivesse em perigo. A justiça, ele sabia, não se ganhava numa batalha—conquistava-se com paciência, força e determinação. E, no seu ver, os bons tinham finalmente vencido.