A estrada estendia-se interminavelmente, o asfalto negro reluzindo sob o sol do fim do verão. Afonso Monteiro apertou o volante da sua carrinha, as mãos firmes apesar das três horas de viagem desde Aveiro.
Aos cinquenta e quatro, seu corpo carregava duas décadas de serviço militar e mais dez anos construindo sua empresa de obras do zero. Cabelos grisalhos marcavam suas têmporas, e rugas sulcavam seu rosto marcado pelo tempo, mas seus olhos verdes mantinham a mesma intensidade que o mantivera vivo em duas missões no estrangeiro.
Há três semanas, não tinha notícias verdadeiras de sua filha Leonor. As chamadas iam para o correio de voz. As mensagens eram curtas, cuidadosas, distantes: *Só ocupada com coisas da casa, Pai. O trabalho do Ricardo está a levá-lo muito para fora.* Leonor nunca fora tão cautelosa com as palavras—ela debatia, refletia, ria das suas piadas sem graça. Aquelas mensagens soavam estranhas, frias, como se viessem de um desconhecido.
Sintra surgiu no alto de uma colina, uma vila de mansões estilo antigo que gritavam dinheiro herdado. Afonso visitara apenas duas vezes desde o casamento da filha. Em ambas, a família Mendes deixara claro que ele não pertencia àquele mundo.
Encontrou a Rua das Acácias e a mansão dos Mendes no final da rua, um monumento de cinco quartos ao luxo herdado. Estacionou sua carrinha empoeirada ao lado de um Mercedes reluzente e saiu.
Margarida Mendes abriu a porta, cabelo prateado impecável, vestido creme sem uma ruga.
—Afonso — cumprimentou, bloqueando a entrada. — Que te traz por aqui?
—Vim ver a minha filha — respondeu, seco. — Visita surpresa.
O sorriso dela era frágil como vidro. — Que pensativo. Ela está no fundo, no seu projeto.
Afonso passou por ela, entrando na casa. O ar-condicionado atingiu-o como uma onda gelada. As fotos do casamento que o incluíam sumiram—só restavam imagens de Ricardo e dos pais dela.
—Ela está no abrigo do jardim — disse Margarida, com desdém. — Podes passar pela cozinha.
A cozinha brilhava com granito e aço inoxidável. Lá fora, o pátio e a piscina reluziam, mas os olhos de Afonso fixaram-se no pequeno abrigo de madeira ao sol.
Atravessando o jardim, o calor colando-se à sua camisa, um frio pesado instalou-se no seu estômago. Bateu com força.
—Leonor?
—Pai? — A voz dela hesitou.
A porta abriu-se. O cabelo escuro de Leonor estava encharcado de suor, o rosto vermelho. Dentro, uma cama improvisada, um baú de roupas e um pequeno ventilador a circular ar abafado. Um termómetro na parede marcava 40 graus.
—Pai, não podes estar aqui — sussurrou, olhando para a casa. — A Margarida não permite…
—Não permite o quê? — a voz de Afonso era perigosamente baixa. — Há quanto tempo estás a viver assim?
—Desde que o Ricardo foi para o trabalho dele. Três meses.
Leonor explicou as regras de Margarida: sem visitas em casa na ausência do marido, acesso limitado à cozinha, portas trancadas à noite. Afonso observou-a—olheiras profundas, lábios gretados. Aquilo não era negligência; era crueldade calculada.
—Faz as malas — ordenou, voz de aço.
—Mas pai, o Ricardo…
—Leonor — disse com suavidade —, o que é que eu te ensinei sobre valentões?
—Enfrentamo-los — respondeu, com um lampejo da sua antiga chama.
—E se magoarem a tua família?
—Fazemos que paguem — disse ela.
Exatamente. Afonso pegou na mochila dela. —Eles declararam guerra à minha filha. Agora vão aprender o que isso custa.
Dentro da mansão dos Mendes, enfrentou Margarida e Silas, expondo as condições de Leonor: meses num abrigo sufocante, acesso controlado, manipulação emocional. As máscaras polidas de civilidade racharam sob o peso das provas—fotografias, declarações, registos médicos. O agente Lourenço confirmou que os abusos podiam ser considerados crime.
Leonor falou perante o Conselho de Sintra, relatando o seu calvário. O pedido de subsídio de Margarida foi arquivado, e a reputação da família desfez-se em minutos.
Ricardo regressou, horrorizado, e processou os pais. Ele e Leonor mudaram-se para um apartamento modesto; ele começou a trabalhar para Afonso, aprendendo o valor do trabalho honesto, enquanto Leonor se dedicava a ajudar outras vítimas de abuso e má gestão financeira.
Afonso transformou o abrigo do seu quintal num espaço seguro e acolhedor, “Casa Monteiro: Porto Seguro”, para quem estivesse em perigo. Justiça, ele sabia, não se conquistava numa só batalha—exigia paciência, determinação e coragem. E na sua opinião, os bons tinham finalmente vencido.