Sou o Rui, 61 anos este ano. A minha mulher faleceu há oito anos, e desde então, a minha vida tinha sido apenas corredores intermináveis de silêncio. Os meus filhos eram bondosos e visitavam-me de vez em quando, mas as vidas deles giravam demasiado depressa para eu conseguir acompanhar. Vinham com envelopes de dinheiro, deixavam os remédios e partiam outra vez.
Achava que tinha feito as pazes com a solidão até que, numa noite, a passear pelo Facebook, vi um nome que nunca pensei voltar a ler: Ana Matos.
Ana, o meu primeiro amor. A rapariga a quem prometi casamento um dia. Tinha cabelo da cor das folhas no outono, e o seu riso era uma melodia que ainda lembrava passados quarenta anos. Mas a vida separou-nos—a família dela mudou-se de repente, e casou-se antes que eu pudesse sequer dizer adeus.
Quando vi a sua foto outra vez—riscas grisalhas no cabelo, mas com o mesmo sorriso doce—pareceu que o tempo dobrou sobre si mesmo. Começámos a falar. Histórias antigas, longas chamadas, depois encontros para café. O calor foi imediato, como se as décadas entre nós nunca tivessem existido.
E assim, aos 61 anos, casei-me novamente com o meu primeiro amor.
O nosso casamento foi simples. Eu vesti um fato azul-marinho, ela um vestido de seda cor marfim. Os amigos sussurravam que parecíamos adolescentes outra vez. Pela primeira vez em anos, o meu peito sentiu-se vivo.
Naquela noite, depois dos convidados partirem, servi duas taças de vinho e levei-a para o quarto. A nossa noite de núpcias. Um presente que pensei que a idade me tivesse roubado.
Quando a ajudei a tirar o vestido, reparei em algo estranho. Uma cicatriz perto da clavícula. Depois outra, no pulso. Franzi a testa—não pelas cicatrizes, mas pela forma como ela se encolheu quando as toquei.
“Ana,” disse suavemente, “ele magoou-te?”
Ela paralisou. Depois, os olhos cintilaram—medo, culpa, hesitação. E então, sussurrou algo que me gelou o sangue:
“Rui… o meu nome não é Ana.”
O quarto ficou em silêncio. O meu coração batia forte.
“O quê… o que queres dizer?”
Ela baixou o olhar, trémula.
“A Ana era minha irmã.”
Recuei, atordoado. A minha mente acelerou. A rapariga que recordava, aquela cujo sorriso carreguei durante quarenta anos—desaparecida?
“Ela morreu,” a mulher sussurrou, com lágrimas a correr. “Morreu nova. Os nossos pais enterraram-na em segredo. Mas todos diziam que eu me parecia com ela… falava como ela… eu era a sua sombra. Quando me encontraste no Facebook, eu… não consegui resistir. Pensaste que eu era ela. E, pela primeira vez na vida, alguém olhou para mim como olhava para a Ana. Não queria perder isso.”
Senti o chão inclinar-se debaixo de mim. O meu “primeiro amor” estava morto. A mulher à minha frente não era ela—era um espelho, um fantasma a usar as memórias da Ana.
Queria gritar, amaldiçoar, exigir saber porque me enganara. Mas, ao olhar para ela, frágil e a tremer, percebi que não era apenas uma mentirosa—era uma mulher que tinha vivido toda a vida à sombra de outra, invisível, não amada.
As lágrimas queimavam-me os olhos. O peito doía de tristeza—pela Ana, pelos anos roubados, pela crueldade do destino.
Sussurrei, com a voz rouca:
“Então quem és tu, realmente?”
Ela ergueu o rosto, desfeito.
“Chamo-me Leonor. E tudo o que queria era… saber como era ser escolhida. Só uma vez.”
Naquela noite, deitei-me ao seu lado, incapaz de fechar os olhos. O meu coração partia-se em dois—entre o fantasma da rapariga que amei e a mulher solitária que roubara o seu rosto.
E percebi: o amor na velhice nem sempre é um presente. Por vezes, é uma prova. Uma prova cruel.