Meu nome é António, tenho 50 anos, e há quase vinte anos que crio a minha filha sozinho. A minha mulher faleceu quando a Beatriz tinha apenas três anos, e desde aquele dia ficámos só os dois — pai e filha, a enfrentar a vida lado a lado.
Agora ela tem 22, acabou de se formar em Design Gráfico e está a trabalhar numa startup criativa no centro de Lisboa. A Beatriz sempre foi reservada com a vida pessoal. Eu nunca pressionei; o meu único conselho foi: “Escolhe alguém que te respeite.”
**Uma revelação inesperada**
Num fim de tarde quente, enquanto eu estava na garagem a arranjar uma dobradiça a chiar, a Beatriz entrou. Parecia feliz, mas havia uma tensão estranha no seu olhar.
“Pai,” começou ela, “vou trazer o meu namorado para jantar hoje. Há tempos que queria que o conhecesses.”
Parei a meio, não por ela ter um namorado, mas pela mistura de excitação e inquietação na sua voz.
“Há quanto tempo estão juntos?” perguntei.
“Cinco meses,” respondeu rapidamente. “O trabalho dele obriga-o a viajar muito, por isso… não sabia quando era a altura certa para te contar.”
Nessa noite, preparei a mesa e fiz um jantar simples mas reconfortante: frango assado, puré de batata, salada algarvia e um bolo de laranja a arrefecer no balcão.
**O primeiro encontro**
Às sete em ponto, o interfone tocou. A Beatriz estava ao lado de um homem alto, de camisa branca impecável. Apresentou-se como Rodrigo, disse que trabalha em cibersegurança e apertou a minha mão com um cumprimento firme, mas estranhamente gelado. O sorriso dele nunca chegou aos olhos.
Tentei manter a conversa leve, mas algo não batia certo.
A Beatriz parecia nervosa. Deixou cair o garfo, depois o guardanapo e, por fim, virou o copo de água. Cada vez que se baixava, as mãos tremiam-lhe.
Quando me inclinei para a ajudar a apanhar o copo, parei de repente. A perna dela tremia, e um hematoma escuro estendia-se do tornozelo à canela. Ela olhou para mim por um segundo — olhos arregalados, a suplicar em silêncio.
**O instinto de um pai**
Fiz um esforço para manter a calma.
“Ah, acho que deixei o bolo no forno. Melhor ver antes que queime.”
Na cozinha, fechei a porta e liguei para o 112.
“É o António, da Rua das Amendoeiras, número 18,” sussurrei. “A minha filha pode estar em perigo por causa do homem que trouxe. Por favor, mandem ajuda. Vou ganhar tempo.”
A operadora garantiu-me que a polícia estava a caminho.
Voltei para a mesa, controlando a respiração.
“Rodrigo, gostas de gelado com bolo?” perguntei, como se nada fosse.
A Beatriz foi buscar o gelado ao congelador. Quando passou por mim, murmurei: “Fica calma. Eu trato disto.”
**A verdade vem ao de cima**
Minutos depois, luzes azuis apareceram lá fora. Dois agentes entraram, explicando que estavam a fazer uma ronda de rotina no bairro.
Rodrigo ficou logo tenso.
“O que se passa?” exigiu ele.
“Sr., pode mostrar-nos o seu documento?” perguntou um dos agentes.
Rodrigo hesitou, a revirar a carteira. Um frasco de comprimidos laranja caiu-lhe da mão e rolou pelo chão.
O agente apanhou-o, trocou um olhar com o colega e disse calmamente: “Sr., por favor, afaste-se.”
A expressão de Rodrigo mudou. Por um instante, pareceu pronto a discutir — mas depois suspirou, deixando os ombros cair em derrota. Os agentes levaram-no para fora, explicando que ele teria de responder a algumas perguntas sobre o seu comportamento.
A Beatriz ficou parada, os olhos cheios de lágrimas.
Quando finalmente se mexeu, desmoronou-se nos meus braços, a tremer.
“Estás segura agora,” sussurrei. “Acabou.”
Mais tarde, ela abriu-se comigo. No início, Rodrigo parecia atencioso, protetor — até bom demais para ser verdade. Mas, com o tempo, essa proteção transformou-se em controlo. Revistava o telemóvel dela, questionava as amizades e ficava furioso quando ela pedia espaço.
Sempre que tentava dizer algo, ele fazia-a sentir culpada — dizia que ela estava a exagerar ou que ninguém mais se importava com ela. O hematoma que eu tinha visto não fora de um acidente, como ela alegara. E aquele jantar — o garfo que caiu, o copo derE aquela noite ensinou-me que, por vezes, o amor mais forte é aquele que fica em silêncio, mas sempre atento, pronto a agir quando as palavras já não bastam.