Aconselhada pela mãe, o marido levou a esposa, doente, para uma floresta abandonada… Um ano depois, regressou a casa.
Quando Teresa casou com Manuel, tinha apenas vinte e dois anos. Jovem, radiante, com olhos grandes e o sonho de uma casa que cheirasse a bolos acabados de sair do forno, onde se ouvisse o riso das crianças e se sentisse calor humano. Acreditava que era o seu destino. Ele era mais velho, contido, um pouco desleixado e severo, mas no seu silêncio ela encontrou uma âncora. Pelo menos foi o que pensou na altura.
A sogra recebeu-a com frieza desde o primeiro dia. Nos seus olhos lia-se tudo: “Não és digna do meu filho.” Teresa esforçou-se ao máximo: limpou, cozinhou, adaptou-se. Mas nunca foi suficiente. A sopa estava sempre muito salgada, a roupa mal passada, olhava para o marido com demasiada ternura. Tudo a irritava.
Manuel manteve-se em silêncio. Crescera numa família onde a palavra da mãe era lei. Não queria ir, mas calou-se e sofreu. Mesmo quando começou a sentir fraqueza, quando perdeu o apetite e mal conseguia levantar-se da cama, atribuiu tudo ao cansaço. Nunca imaginou que dentro dela crescia uma doença sem cura.
O diagnóstico chegou de repente. Fase terminal. Inoperável. Os médicos abanavam a cabeça. Naquela noite, Teresa chorou no travesseiro, escondendo a dor do marido. De manhã, voltou a sorrir, passou as camisas dele, preparou a sopa, ouviu as críticas da sogra. Manuel tornou-se cada vez mais distante. Os olhos já não a procuravm, a voz era fria.
Um dia, a sogra aproximou-se dela e sussurrou:
“És jovem, tens que viver. E isto… é só um fardo. Para quê? Leva-a, leva-a para a tia Rosa, para a aldeia. É calmo lá, ninguém vai julgar. Descansarás. Depois, começas uma vida nova.”
Ele não disse nada. Mas no dia seguinte, em silêncio, fez as malas, ajudou-a a entrar no carro e conduziu até à vila, onde as estradas terminam e o tempo parece parar.
Ela não perguntou, não chorou. Sabia a verdade: não era a doença que a matava, mas a traição. O fim da família, do amor, da esperança—tudo desapareceu no momento em que ele ligou o motor.
“Aqui estarás segura”, disse, tirando a mala do carro. “Vais sentir-te melhor.”
“Voltas?”, sussurrou ela.
Ele não respondeu. Apenas acenou com a cabeça e partiu.
Os aldeões traziam comida, a tia Rosa aparecia de vez em quando para ver se ainda estava viva. Teresa ficou ali semanas. Meses. Olhava para o teto, ouvia a chuva bater no telhado, via os pinheiros balançarem ao vento pela janela.
Mas a morte demorava.
Passaram-se três meses. Depois seis. Até que um dia, um jovem enfermeiro chegou à aldeia. Com um olhar gentil, bondoso. Começou a visitá-la, a aplicar-lhe soros, a preparar os medicamentos. Teresa não pedira ajuda, mas já não queria morrer.
E aconteceu um milagre. Primeiro, levantou-se da cama. Depois, foi até ao alpendre. Mais tarde, até ao banco da praça. Os aldeões espantavam-se:
“Estás melhor, menina?”
“Não sei”, respondia ela. “Só quero viver. Achas isso interessante?”
O enfermeiro tornou-se uma presença constante na vida de Teresa. Falava pouco, mas o seu olhar tranquilo dava-lhe confiança. Todas as manhãs, ela esperava ouvir os seus passos na estrada de terra da aldeia. Aos poucos, o corpo recuperava, mas mais importante, o espírito renascia.
Começou a caminhar pela floresta, sentindo a terra húmida sob os pés, o aroma a resina e a folhas caídas. As lágrimas, antes de tristeza, misturavam-se agora com gratidão por estar viva. Cada dia, a vida parecia mais clara, mais preciosa.
Os aldeões habituaram-se a vê-la sentada no banco da praça, a conversar com o enfermeiro ou simplesmente a olhar para o céu. Começou a ajudar no que podia: cozinhava para os vizinhos, cuidava da horta, ouvia quem precisava de palavras amigas. Cada gesto a fazia sentir mais humana, mais forte.
Um dia, enquanto caminhava por um trilho coberto de folhas douradas, Teresa encontrou uma carta escondida nos ramos de um velho carvalho. Reconheceu-a de imediato: era da sua mãe, escrita anos antes, cheia de amor e conselhos que nunca lera. As mãos tremeram, e lágrimas quentes escorreram-lhe pelo rosto. A carta dizia-lhe que a vida, por difícil que fosse, merecia sempre ser vivida com dignidade e esperança.
O enfermeiro, chamado Luís, estava lá quando ela leu a carta. Não disse nada, apenas olhou-a com respeito. Teresa sentiu um calor no peito que há anos não sentia. Percebeu que, embora o passado estivesse marcado por traição e solidão, ainda podia construir um futuro.
Com o tempo, Teresa começou a ensinar as crianças da aldeia a ler e escrever. O riso voltou aos seus lábios, um riso que há tanto tempo não ouvia. Cada criança que sorria diante dela era a prova de que a vida podia florescer mesmo depois da dor mais profunda.
Numa tarde de outono, enquanto o sol se punha atrás das serras, Luís e Teresa caminharam juntos até à margem do rio. A água refletia os tons dourados e rubros das árvores. Ela pegou na mão dele e, sem palavras, soube que encontrara algo que julgara impossível: confiança e amor verdadeiro.
“Nunca pensei que poderia sentir-me viva outra vez”, disse baixinho.
“E eu nunca pensei que encontraria alguém que me ensinasse a cuidar como tu”, respondeu Luís, sorrindo.
Os anos passaram. Teresa nunca voltou à cidade nem ao casamento que a traíra. Não guardou rancor, pois entendeu que a verdadeira força não estava em vingar-se, mas em perdoar e seguir em frente.
Com a saúde recuperada, decidiu construir uma pequena biblioteca na aldeia. Era a sua dádiva à vida e à comunidade que a acolhera. Cada livro nas estantes simbolizava resistência, esperança, um recomeço.
A tia Rosa continuava a visitá-la, agora com orgulho. “Vê o que alcançaste, Teresa”, dizia. “Sobreviveste à tempestade e floresceste no jardim que plantaste.”
Teresa entendeu que a sua vida não se definia pelo que perdera, mas pelo que escolhera construir. A traição, a doença, o abandono—foram apenas capítulos de dor que a tornaram mais forte, mais sábia, mais capaz de amar.
Numa tarde de primavera, enquanto as flores cobriam os campos, Teresa e Luís organizaram uma pequena festa na aldeia. Os vizinhos trouxeram comida, música e risos. As crianças corriam pelo prado, cheias de alegria. Teresa parou por um instante, respirou fundo e sentiu o ar fresco no rosto.
“Vê o quão longe chegámos”, disse Luís. “Não sobreviveste apenas, Teresa. Viveste.”
“Sim”, respondeu ela, sorrindo. “E ainda há tanto por viver.”
Naquela noite, sob um céu estrelado, Teresa compreendeu que a vida não se media em anos, mas na intensidade com que se vivia. Que cada gesto de bondade, cada sorriso partilhado, cada pequena vitória sobre a tristeza, era um milagre.
No silêncio da floresta, sentiu-seE, enquanto as estrelas brilhavam sobre a pequena aldeia, Teresa fechou os olhos e sorriu, pois finalmente entendera que a vida, mesmo nas suas dores mais escuras, sempre guardava um pouco de luz para quem soubesse esperar.