Era uma manhã de sábado chuvosa quando Tomás Almeida, um jovem empreendedor de tecnologia e pai viúvo, entrou numa pequena pastelaria de bairro com a filha de quatro anos, Leonor.
Há anos que não sorria. Desde a noite do acidente que levara a sua mulher, Catarina, o mundo parecera mais sombrio — mais silencioso, de um modo que nem o sucesso nem a fortuna conseguiam preencher.
A pastelaria cheirava a café torrado e bolinhos quentes. Leonor sentou-se num lugar junto à janela, balançando os pés e cantarolando uma melodia que só ela parecia conhecer.
Tomás olhou para o menu, a mente confusa por mais uma noite mal dormida.
Foi então que Leonor disse algo que lhe cortou a respiração.
“Pai… aquela senhora parece a Mãe.”
Tomás ergueu os olhos.
Do outro lado da sala, uma jovem empregada conversava com um cliente, rindo. Os mesmos olhos castanhos suaves. O mesmo sorriso com covinhas. A mesma inclinação da cabeça que outrora iluminara o seu mundo.
O coração parou.
Catarina?
Impossível.
Sabia todos os detalhes do acidente: o desastre, o funeral, a papelada. Tinha identificado o corpo pessoalmente.
E, no entanto… aquela mulher podia ser a sua gémea.
A empregada virou-se, encontrando o seu olhar. Por um instante, a expressão alegre hesitou, os olhos alargaram-se antes de ela se afastar rapidamente para a cozinha.
O pulso de Tomás acelerou.
Coincidência? Ou algo que nem sequer sabia nomear?
“Fica aqui, querida”, sussurrou a Leonor, saindo do lugar.
No balcão, perguntou baixinho: “A empregada com o cabelo apanhado em rabo-de-cavalo — posso falar com ela?”
A pastelária hesitou, depois desapareceu pela porta basculante.
Os minutos arrastaram-se. Finalmente, a rapariga reapareceu.
De perto, a semelhança era ainda mais nítida — as mesmas sardas, a mesma pequena cicatriz junto à sobrancelha esquerda.
“Posso ajudá-lo?”, perguntou, cautelosa mas calma.
“Parece-me… incrivelmente familiar”, disse Tomás, com cuidado. “Conheceu alguém chamado Catarina Almeida?”
Um ligeiro tremor cruzou-lhe o rosto — desapareceu num instante.
“Não”, respondeu suavemente. “Peço desculpa.”
Ofereceu um cartão de visitas. “Se lhe ocorrer alguma coisa, por favor telefone.”
Ela sorriu educadamente, mas não o aceitou. “Tenha um bom dia, senhor.”
A mão tremia-lhe ao afastar-se.
Naquela noite, Tomás não conseguiu dormir.
Seria possível?
Abriu o portátil e começou a pesquisar registos públicos. A pastelaria não tinha lista de funcionários, mas encontrou um nome num comentário online: Ana.
Ana.
Havia qualquer coisa naquele nome que lhe soava… escolhido.
De manhã, contratou um detetive discreto.
“Descubra tudo o que puder”, instruiu. “Chama-se Ana. Trabalha numa pastelaria na Rua das Camélias. Parece exatamente com a minha falecida mulher.”
Três dias tensos depois, o detetive telefonou.
“Tomás”, disse lentamente, “o relatório do acidente da sua mulher não bate certo. Os registos dentários nunca foram confirmados. A mulher identificada como Catarina Almeida pode não ter sido a sua esposa. E a empregada? O nome legal dela é Ana Martins — mas foi alterado cerca de seis meses após o acidente. O nome original dela… era Catarina.”
Tomás segurou o telefone, atordoado.
Catarina. Viva.
Vivendo sob um novo nome.
Na manhã seguinte, voltou à pastelaria sozinho.
Quando Ana o viu, não fugiu. Tirou o avental e indicou um beco sossegado ao lado do edifício.
“Pensei quanto tempo demoraria”, disse, os olhos brilhando de lágrimas contidas.
A voz de Tomás mal se ouvia. “Porquê? Porque desapareceste?”
“Não foi planeado”, respondeu. “Devia estar naquele carro. Na última hora, fiquei em casa porque a Leonor estava com febre. Horas depois, aconteceu o acidente. A minha carteira e o meu cartão estavam no banco do passageiro. Todos assumiram…”
Soltou um fôlego trémulo. “Quando vi as notícias, congelei. E, por um momento egoísta, pensei que talvez o mundo me estivesse a dar uma saída… uma bênção. As câmaras, a atenção constante, a pressão para ser perfeita — sentia que tinha perdido quem era. Queria recomeçar. Mas depois foi longe demais. Tive demasiado medo para voltar.”
Tomás engoliu em seco. “Este tempo todo… pensei que te tinha enterrado.”
As lágrimas corriam-lhe pelo rosto. “Nunca deixei de vos amar, a ti e à Leonor. Só me esqueci de me amar a mim mesma.”
“Então vem para casa”, disse ele. “Não como um fantasma. Como tu.”
Naquela noite, Tomás levou-a a casa.
Leonor correu para os braços da mãe com um suspiro de reconhecimento.
“Mamã?”, sussurrou.
Catarina apertou a filha, soluçando. “Sim, minha querida. A Mamã já está aqui.”
O reencontro não foi notícia nem espetáculo. Tomás usou os seus recursos em silêncio para resolver os detalhes legais da identidade de Catarina.
Não houve comunicados à imprensa — apenas jantares em família, histórias à hora de dormir, e uma cura lenta.
Semanas depois, depois de deitar Leonor, Tomás perguntou: “Porque ficaste desta vez?”
Catarina sorriu, com lágrimas nos olhos.
“Porque finalmente sei quem sou. Não apenas a mulher que todos queriam que eu fosse. Não apenas um nome nas notícias. Sou uma mãe. Sou eu mesma. E estou pronta para ser encontrada.”
Tomás pegou-lhe na mão e apertou-a com força.
E desta vez, ela não a soltou.