Rui Mendes percorria o corredor da sua mansão em Lisboa como se caminhasse por um palácio deserto. Mármore imaculado, lustres de cristal, quadros de artistas renomados pendurados em paredes tão frias quanto ele. Tudo reluzia, mas nada possuía alma. Sua fortuna lhe trouxera tudo: investimentos, propriedades, viagens, luxos. Mas o que nunca conseguira comprar era o que mais desejava: a visão de seus filhos. João e Pedro, gémeos de 8 anos, haviam nascido cegos. No início, os médicos disseram que era uma cegueira temporária, algo que poderia melhorar com terapias, cirurgias experimentais, tratamentos caros no estrangeiro. Rui gastara milhões de euros em cada tentativa. Assinara papéis desesperados, voara com eles de país em país atrás de uma solução.
O resultado era sempre o mesmo: esperança, deceção, silêncio. A mansão transformara-se num lugar sem vida. Os gémeos passavam os dias entre tutores particulares que lhes ensinavam braille, exercícios motores e jogos adaptados, mas o que predominava era uma sensação de prisão. As crianças não riam como as outras. Não corriam pelos corredores, não se maravilhavam com as cores dos brinquedos, nem apontavam para nada. A casa não tinha gargalhadas infantis, nem perguntas inocentes, nem cores. Rui, diante das janelas, observava o jardim banhado pelo sol da manhã. Tudo estava coberto de verde vivo, mas o que o atingia era o contraste cruel: os seus filhos nunca veriam aquilo. Foi então que ouviu os passos da sua assistente, Beatriz, aproximando-se.
—Senhor Mendes —disse, com um respeito treinado—, a nova ama chegou.
Rui virou a cabeça levemente. Já tinham passado quatro em menos de dois anos. Todas saíam exaustas ou frustradas. “Não sabemos como lidar com eles”, diziam. “É demasiado difícil.” E, de certa forma, ele não as culpava.
—Deixe-a entrar.
A porta abriu-se, e lá estava ela: Carolina, uma jovem de rosto sereno, cabelo castanho preso num rabo de cavalo e olhos que pareciam observar tudo com uma tranquilidade fora do comum. Não se vestia como as amas anteriores, sempre impecáveis com roupas caras. Ela usava um vestido simples, sapatos confortáveis e uma mala desgastada no ombro. Rui observou-a de alto a baixo, frio.
—Então você é a recomendada pela instituição.
—Sim, senhor Mendes. Carolina Lopes. Trabalhei com crianças com necessidades especiais —respondeu, com voz firme e sem hesitar.
Rui apertou os olhos.
—Aviso-lhe desde já. Não espero milagres. Os meus filhos não precisam de brincadeiras infantis. Precisam de disciplina, rotina, ordem. Se o que quer é encher-lhes a cabeça de sonhos, pode ir embora agora mesmo.
Carolina manteve o olhar.
—Não estou aqui para dar falsas esperanças, senhor Mendes. Mas acredito que os seus filhos podem aprender a ver de outra forma.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Beatriz arregalou os olhos, surpresa. Ninguém costumava contrariar o milionário em sua própria casa. Rui, endurecido, soltou uma risada curta e seca.
No fim, compreendeu que a verdadeira riqueza não estava no que os olhos podiam ver, mas no que o coração era capaz de sentir. E, por vezes, eram as mãos mais simples que ensinavam as lições mais profundas.