O relógio de parede na entrada de mármore batia duas e meia quando o Mercedes preto de Marco Almeida subiu silenciosamente a longa entrada circular da sua mansão no bairro do Chiado, em Lisboa.
Ele não deveria estar em casa ainda. A reunião de diretoria tinha terminado mais cedo e, num impulso, decidiu surpreender sua filha, Inês. Ela tinha apenas seis anos, inteligente e sensível, com um par de muletas rosas decoradas com adesivos de borboletas que orgulhosamente chamava de “asas mágicas”.
Normalmente, quando ele chegava sem avisar, ela vinha pulando em sua direção com aquele sorriso radiante que derretia seu coração. Mas naquele dia — nenhum riso, nenhum passo, nenhuma voz alegre gritando: “Papá!”
Em vez disso, ouviu algo que o gelou por completo.
O choro de uma criança.
Não um resmungo fraco ou uma reclamação banal. Não — era algo mais profundo, mais cru. O choro de medo.
E então veio outro som — afiado, frio e implacável. A voz de uma mulher.
“Seu aleijado desastrado! Olha o que você fez! Esse tapete persa vale mais do que a sua existência miserável!”
Marco parou de repente, a mão ainda na maçaneta.
A voz pertencia a Vitória — sua esposa.
Ele se casara com ela dois anos antes, esperando que ela trouxesse calor de volta ao seu lar destruído depois que sua primeira esposa, Beatriz, morrera de câncer. Beatriz fora o amor da sua vida, e quando ela partiu, Inês tinha apenas quatro anos — frágil, arrasada e precisando profundamente do amor de uma mãe.
Vitória parecera perfeita — elegante, educada, inteligente. Disse todas as palavras certas. Interpretou o papel.
Até aquele dia.
De dentro veio a voz trêmula da sua filha:
“Por favor, mãe Vitória, eu não fiz de propósito! Só queria água… as muletas escorregaram…”
Então — um baque.
Um suspiro.
E silêncio.
Algo dentro de Marco estalou.
Ele arrombou a porta.
A cena que o aguardava era algo que ele jamais esqueceria.
A sala de estar — normalmente impecável — estava em desordem. Um copo quebrado no tapete, água se espalhando como uma mancha de culpa. E no meio de tudo, a pequena Inês sentada no chão, abraçando seu ursinho, os ombros tremendo de choro. As muletas rosas estavam jogadas de lado.
De pé sobre ela, Vitória — radiante e perfeita como sempre, seu vestido de grife intocado pelo caos.
Só o rosto dela traía a farsa — distorcido em desprezo.
“Vitória!” A voz de Marco ecoou pela casa, tão forte que os copos de cristal no bar tremeram.
“Que raios está acontecendo aqui?!”
Ela se virou, surpresa. Por uma fração de segundo, Marco viu algo brilhar nos olhos dela — não medo, não culpa, mas algo muito mais sombrio. Ódio.
Então, como se nada tivesse acontecido, alisou o cabelo e respondeu com aquela calma falsa e melada que um dia o enganara.
“Ah, querido, você chegou cedo! Não é nada. Inês teve um pequeno acidente com o copo, só isso. Eu só estava tentando ensiná-la a ter mais cuidado com coisas caras.”
Marco não disse nada. Olhou para a filha — o cabelo loiro desarrumado, as bochechas marcadas pelas lágrimas. Seus olhos azuis — os olhos de Beatriz — estavam arregalados de confusão e dor.
Ele se ajoelhou ao lado dela, pegando suas mãozinhas trêmulas com cuidado.
E foi então que viu — marcas vermelhas fracas em seus pulsos delicados.
Alguém a tinha agarrado. Com força.
“Quem fez isso com você?” ele sussurrou.
Os lábios de Inês tremeram. “Papá… não fica bravo. Eu só… eu só queria água…”
Ele sentiu o peito apertar. “Ela te machucou?”
O silêncio dela foi resposta suficiente.
Quando Marco se virou para Vitória, sua voz não estava mais alta — mas tão fria que poderia congelar o ar.
“Arrume suas coisas. Você tem uma hora.”
O rosto dela empalideceu. “O quê? Você não pode estar falando sério! Por causa desse teatrinho? Marco, ela está te manipulando! Ela vive chorando, sempre fingindo ser a vítima. Você não pode deixar uma criança mimada virar você contra sua esposa.”
Ele se levantou devagar, erguendo Inês nos braços. “Minha filha não é mimada. E você… você nunca mais vai botar a mão nela.”
Enquanto ele subia as escadas, o tom de Vitória mudou — de indignado para venenoso.
“Você vai se arrepender, Marco Almeida. Não faz ideia do que está perdendo. Essa garota vai arruinar sua vida — assim como a mãe dela quase arruinou a sua.”
As palavras dela ecoaram atrás dele como uma maldição.
Lá em cima, Inês enterrou o rosto no ombro dele. “Papá”, ela sussurrou, “por que a mãe Vitória me odeia? Fiz ela ficar brava porque eu sou… diferente?”
A garganta de Marco apertou. “Não, minha flor. Você não fez nada de errado. Você é perfeita — do jeito que é.”
Ela acenou fracamente e o abraçou mais forte.
E naquele momento, ele fez um juramento silencioso.
Quaisquer segredos que Vitória estivesse escondendo — qualquer escuridão por trás daquela máscara polida — ele iria descobrir. E faria com que ninguém jamais machucasse sua filha de novo.
Três horas depois, a mansão estava em silêncio.
Vitória se fora — pelo menos por enquanto.
Marco estava sozinho em seu escritório, a luz do lareira criando sombras nas paredes. Sobre a mesa, havia uma única foto emoldurada: Beatriz, sorrindo suavemente, segurando a pequena Inês no colo.
Por anos, ele construíra impérios, conquistara mercados, ganhara milhões. Mas nada — nada — se comparava ao peso daquele momento, quando percebeu que falhara em proteger a única pessoa que realmente importava.
Ele pegou o telefone e ligou para o chefe de segurança.
“Carlos”, ele disse baixinho. “Preciso de tudo sobre Vitória Almeida. Seu passado, finanças, contatos — cada passo que deu desde o dia em que nos conhecemos. Não importa o custo.”
Houve uma pausa, então a voz firme de Carlos respondeu:
“Entendido, senhor. Começaremos imediatamente.”
Marco desligou e recostou-se na cadeira, encarando o fogo. As chamas dançavam como memórias vivas — o riso de Beatriz, os primeiros passos de Inês, a frágil esperança que ele uma vez depositara em Vitória.
Agora, só restava determinação.
Ele descobriria a verdade.
E quando o fizesse, garantiria que ninguém ameaçasse sua família novamente.
Na manhã seguinte, a luz do sol entrava pelas janelas. Inês estava acordada, sentada na cama com uma caixa de lápis de cor.
Quando Marco entrou, ela sorriu timidamente e mostrou o desenho: uma casa, um sol grande e amarelo e duas figuras de palito de mãos dadas.
“Somos nós?” ele perguntou.
Ela acenou. “Só nós. Mais ninguém.”
Isso partiu seu coração, mas ele sorriu. “Está perfeito.”
“Papá”, ela disse baixinho, “agora estamos seguros?”
Ele se ajoelhou ao lado dela, afastando umEle abraçou Inês com força, sabendo que, não importasse o que o futuro reservasse, sua maior vitória já estava ali, nos braços dele, segura e amada.