“O meu pai trabalha no Estado-Maior-General das Forças Armadas.”
A afirmação do menino negro fez com que a professora e os colegas o ridicularizassem, chamando-o de mentiroso. Dez minutos depois, o seu pai chegou…
“O meu pai trabalha no Estado-Maior-General das Forças Armadas.”
Quando essas palavras saíram da boca do pequeno Diogo Mendes, de dez anos, a sala de aula do quinto ano na Escola Primária de São Vicente encheu-se de gargalhadas. A professora, Dona Isabel Monteiro, interrompeu a lição sobre “Profissões no Governo” e virou-se para ele com um olhar de desdém.
“Diogo,” disse devagar, com voz carregada de dúvida, “estamos a partilhar coisas verdadeiras. Não é educado inventar histórias.”
Os outros miúdos riram-se. O João Silva, o palhaço da turma, fez um megafone com as mãos e sussurrou alto o suficiente para todos ouvirem: “Ah, sim, Diogo. E o meu pai é o Presidente da República!” A sala explodiu em mais risadas.
Diogo sentiu o rosto arder. Não estava a mentir, mas ninguém acreditava nele. Recostou-se na cadeira, apertando a borda da mesa, desejando que o chão o engolisse. O seu melhor amigo, Tomás, lançou-lhe um olhar de pena, mas até ele parecia hesitante.
“Por que é que um miúdo como tu diz uma coisa dessas?” murmurou a Carolina, uma colega. “Toda a gente sabe que a tua mãe trabalha no supermercado. Se o teu pai trabalhasse lá, não vivias no nosso bairro.”
As gargalhadas e murmúrios doíam mais que qualquer murro. Dona Isabel suspirou e continuou a lição, ignorando a afirmação de Diogo como uma mentira infantil. “Muito bem, turma, vamos continuar. Quem mais quer partilhar?”
Diogo não disse mais nada. Baixou a cabeça e rabiscou no canto do caderno. Por dentro, porém, fervia uma tempestade. Não estava a tentar gabar-se—estava a dizer a verdade. O seu pai, o Coronel Afonso Mendes, trabalhava mesmo no Estado-Maior como analista de defesa. Mas por causa da sua aparência, das suas roupas e do sítio onde vivia, todos assumiram que mentia.
O sinal tocou para o recreio, e os alunos correram para o pátio. O João e a Carolina continuaram a gozar com ele, fingindo fazer continência e marchar como soldados. “Sim, senhor! Apresento-me ao filho do homem do Estado-Maior!” troçou o João.
Diogo cerrou os punhos, lutando contra as lágrimas. Pensou em fugir para a casa de banho, mas antes que pudesse, algo aconteceu que calaria todas as bocas daquela sala.
Apenas dez minutos depois, quando os alunos se alinhavam para voltar à aula, um homem alto e de ombros largos, vestido com o uniforme impecável das Forças Armadas, entrou na secretaria da escola. A sua presença parou conversas. Professores calaram-se. Alunos arregalaram os olhos. As medalhas no seu peito brilhavam sob a luz do corredor.
Era o pai de Diogo.
E tinha vindo ver o filho.
O corredor ficou em silêncio enquanto o Coronel Afonso Mendes avançava. As suas botas batiam no chão com passos firmes. As fitas no uniforme contavam histórias de serviço, e a sua postura irradiava autoridade. Mesmo sem saber quem ele era, qualquer um percebia que aquele homem era importante.
Dona Isabel, que acabara de trazer a turma para dentro, parou surpreendida. “Coronel Mendes?” perguntou, hesitante.
“Sim,” respondeu ele, educado, mas com voz de comando. “Vim ver o meu filho, o Diogo.”
Os alunos suspiraram. Todos viraram-se para Diogo, que estava sentado na secretaria, sem saber se devia sentir alívio ou vergonha. Lentamente, levantou-se. “Pai?”
A expressão severa do coronel suavizou assim que viu o filho. Abriu os braços, e Diogo foi para eles. Durante um momento, a sala inteira só podia observar o reencontro em silêncio.
Dona Isabel limpou a garganta. “Coronel Mendes… peço desculpa, eu não esperava—”
O Afonso levantou a mão, gentilmente. “Está tudo bem. O Diogo disse-me que estavam a falar sobre carreiras no governo hoje. Tive uma pausa entre reuniões e pensei em aparecer para o surpreender.”
O João ficou de boca aberta. A Carolina corou. O Tomás sussurrou: “Rapaz… o teu pai é mesmo militar?”
O coronel olhou para a sala, os seus olhos perspicazes captando os olhares nervosos das crianças que tinham gozado com o filho. Não era um homem naturalmente intimidante, mas a sua presença exigia respeito. “O Estado-Maior é o lugar onde trabalho todos os dias,” explicou calmamente. “É onde homens e mulheres se dedicam a proteger este país. Não se trata de ostentar—é sobre servir.”
Dona Isabel, agora aflita, tentou redirecionar o momento. “Talvez queira partilhar um pouco do que faz, Coronel Mendes? Os miúdos adorariam ouvir.”
“Claro.” Endireitou-se, falando com firmeza mas bondade. “Analiso estratégias de defesa, ajudando a garantir que os nossos soldados em campo tenham a informação de que precisam. Não é um trabalho glamoroso. São horas longas, noites em claro e muita responsabilidade. Mas é um trabalho que me orgulha.”
A sala ficou em silêncio absoluto. Ninguém se atrevia a rir agora.
Finalmente, o João murmurou: “Desculpa, Diogo…” e a Carolina anuiu, envergonhada.
O Coronel Mendes pôs a mão no ombro do filho. “Nunca tenhas vergonha de quem és ou do que a tua família faz, filho. A verdade não precisa da aprovação de ninguém. Ela basta-se a si mesma.”
O peito de Diogo encheu-se de orgulho. Pela primeira vez naquele dia, ergueu a cabeça.
A notícia da visita do coronel espalhou-se rapidamente pela escola. À hora do almoço, todos sussurravam sobre como o pai de Diogo entrara com o seu uniforme militar, calando as piadas num instante.
No refeitório, os mesmos alunos que tinham rido agora olhavam para Diogo com um misto de curiosidade e respeito. O João e a Carolina aproximaram-se, hesitantes.
“Olá, Diogo,” disse o João, coçando a nuca. “Eh… não sabia que o teu pai trabalhava mesmo lá. Não devia ter dito que mentias.”
A Carolina acrescentou, baixinho: “Sim. Também peço desculpa. É que… não pensei que alguém do nosso bairro pudesse…” Calou-se, envergonhada.
Diogo olhou para eles por um momento. A dor das gargalhadas ainda latejava, mas as palavras do pai ecoavam na sua mente: A verdade não precisa da aprovação de ninguém. “Está bem,” disse. “Mas… não julguem os outros antes de os conhecerem.”
O Tomás deu-lhe uma palmada nas costas. “Eu disse que ele não estava a mentir,” anunciou, orgulhoso.
Enquanto isso, Dona Isabel refletiu sobre o acontecido. Naquela tarde, dirigiu-se à turma: “Hoje aprendemos uma lição importante. Às vezes, os nossos preconceitos magoam os outros. O Diogo disse-nos a verdade, e nós não acreditámos nele por causa do sítio de onde vem. Isso não foi justo. Espero que todos lembremos que o respeito começa por ouvir.”
Os alunos concordaram em silêncio.
Naquela noite, Diogo caminhou para casa com o pai. As folhasE, enquanto o sol se punha sobre Lisboa, Diogo soube que a verdade, tal como o sangue que corria nas suas veias, era inquebrável e eterna.