O menino de sete anos, preso à cadeira de rodas, engolia as lágrimas enquanto a madrastra o humilhava sem piedade. Antes que ela pudesse soltar algo pior, a empregada surgiu na porta e gritou: “Pare com isso agora!” A voz ecoou pela sala como um trovão. O milionário, que acabara de chegar, ficou petrificado diante da cena.
Há dois anos, a casa nos arredores de Sintra permanecia em silêncio. Não por falta de gente, nem porque ninguém falasse, mas porque tudo ali parecia ter perdido a vida. O silêncio não era comum—era sufocante, como um peso pairando sobre cada canto.
João, dono daquela mansão com janelões e um jardim digno de capa de revista, já não se espantava ao acordar com aquele vazio. A esposa, Beatriz, morrera num acidente de carro numa noite de chuva, quando voltava de buscar um presente para o quinto aniversário do filho, Miguel. Desde então, até o ar parecia mais pesado.
Miguel ficara preso à cadeira de rodas—o impacto danificara sua coluna, e ele nunca mais voltou a andar. Mas isso não era o pior. O pior era que ele também nunca mais sorriu. Nem quando lhe trouxeram um cachorrinho, nem quando encheram a sala com uma piscina de bolas. Nada. Apenas observava, com o rosto sério e os olhos cheios de tristeza.
Agora, com sete anos, parecia carregar o mundo nos ombros. João fazia o que podia. Tinha dinheiro—isso nunca fora problema. Pagava médicos, terapias, babás, brinquedos. Mas não podia comprar ao filho o que mais lhe doía: a mãe. Ele também estava destruído, só que disfarçava melhor.
Levantava-se cedo, enfiava-se no trabalho no seu escritório em casa e, à tarde, sentava-se ao lado de Miguel em silêncio. Às vezes lia para ele, outras viam desenhos animados juntos. Era como se estivessem presos num filme que ninguém queria ver. Várias empregadas e babás passaram pela casa, mas nenhuma ficava. Algumas não aguentavam a tristeza no ar.
Outras simplesmente não sabiam como lidar com o menino. Uma desistiu após três dias, chorando. Outra nem voltou após a primeira semana. João não as culpava. Ele mesmo já pensara em fugir muitas vezes.
Naquela manhã, enquanto vasculhava e-mails na sala de jantar, ouviu a campainha tocar. Era a nova empregada. Pedira à sua assistente, Daniela, que contratasse alguém experiente, mas que também fosse gentil—não apenas eficiente.
Daniela garantira que encontrara a pessoa certa: uma mulher trabalhadora, mãe solteira, tranquila—do tipo que não dá problemas. Chamava-se Catarina.
Quando entrou, João observou-a de relance. Vestia uma blusa simples e calça de ganga. Nem jovem, nem velha. Tinha um olhar que não se finge—quente, como se já o conhecesse. Sorriu-lhe, um pouco nervosa, e ele retribuiu com um aceno rápido. Não estava para conversas. Pediu a Manuel, o mordomo, que a orientasse e seguiu com seus afazeres.
Catarina foi direto para a cozinha. Apresentou-se aos outros empregados e começou a trabalhar como se já conhecesse a casa. Limpava em silêncio, falava baixo e sempre com respeito.
Em poucos dias, inexplicavelmente, o ambiente mudou. Não que todos ficassem felizes de repente, mas algo era diferente. Talvez fosse a música suave que punha enquanto varria, ou o modo como chamava cada um pelo nome, ou o fato de não olhar para Miguel com pena, como os outros.
A primeira vez que o viu foi no jardim. Ele estava sob a árvore, na cadeira de rodas, olhando para o chão. Catarina aproximou-se com um prato de bolachas que fizera e sentou-se ao seu lado, sem pressa. Pegou uma e ofereceu. Miguel olhou de relance, mas não recusou. Ficaram ali, em silêncio, mas juntos.
No dia seguinte, ela voltou ao mesmo lugar, à mesma hora, com mais bolachas. Desta vez, sentou-se mais perto. Miguel não as comeu, mas perguntou se ela sabia jogar sueca. Catarina admitiu que sim, mesmo não sendo muito boa.
No dia seguinte, já tinham as cartas sobre a mesa. Jogaram uma partida. Miguel não sorriu, mas também não desistiu quando perdeu.
João começou a notar as pequenas mudanças. Miguel não queria mais ficar sozinho. Perguntava quando Catarina chegaria. Seguia-a com os olhos pela casa. Certa tarde, até pediu que o ajudasse a pintar. Ela sentou-se ao seu lado, passando-lhe os pincéis sem pressa.
Fazia tempo que Miguel não se interessava por nada. O quarto dele também mudou—Catarina pendurou desenhos nas paredes, ajudou a organizar os brinquedos favoritos numa prateleira baixa, ensinou-o a fazer o próprio lanche. Coisas simples, mas que importavam.
João sentia gratidão, mas também confusão. Não sabia se era sorte ou se Catarina tinha mesmo algo especial. Às vezes, parava à porta, observando como ela falava com Miguel, como tocava seu ombro, como sorria. Não era extravagante, nem charmosa—mas tinha uma presença que era impossível ignorar.