A luz do sol da manhã entrava pela janela, iluminando o lustre de cristal que lançava reflexos dourados sobre o chão de mármore. Inês dançava descalça, com o avental branco esvoaçando no ritmo dos seus passos. Na mão, segurava uma colher de pau como se fosse um microfone, cantando para uma plateia imaginária. O silêncio da mansão dava-lhe uma rara liberdade — sonhar, fingir, esquecer que era apenas uma simples empregada num mundo que não era o seu.
Não ouviu a pesada porta de carvalho fechar-se atrás dela. O ar cortou-se com uma voz firme:
— Está a divertir-se?
Inês parou no meio de um rodopio. O coração pareceu cair-lhe aos pés. Os olhos encontraram a silhueta alta na entrada — Rodrigo Mendes. O próprio Rodrigo Mendes. O bilionário reservado, dono de metade dos imóveis da cidade, conhecido pela sua frieza. Vestia um fato preto feito sob medida, os olhos cinzentos como aço, o maxilar tensionado. Com a sua simples presença, conseguia silenciar qualquer sala.
O rosto de Inês ardeu.
— Eu… só estava… — gaguejou.
— A dançar? — interrompeu ele, sem um traço de sorriso.
Os dedos dela apertaram a colher de pau.
— Desculpe, senhor. Não ouvi o senhor entrar. Volto ao trabalho.
Mas Rodrigo não se moveu. Aproximou-se devagar, como um predador, até ficar a poucos passos dela.
— Não me recordo de a ter contratado para espetáculos… Ou é a sua forma habitual de limpar o pó?
A vergonha deu lugar à irritação.
— Com todo o respeito, senhor, só estava a fazer uma pausa de um minuto. Não voltará a acontecer.
Rodrigo inclinou a cabeça, estudando-a como se fosse um novo projeto para investir. Depois, inesperadamente, tirou o telemóvel. Inês sentiu um nó no estômago. O que ele ia fazer? Despedi-la? Filmar? Chamar a governanta?
Ele pressionou um botão.
A música encheu a sala — um jazz suave, vindu do piano de cauda no canto, que se ligara sozinho.
— O que está a fazer? — sussurrou Inês.
— Dance — respondeu ele, simplesmente.
Ela riu-se, nervosa.
— Senhor, eu não…
— Não é um pedido.
A voz era calma, mas nos olhos brilhava algo que parecia curiosidade… quase um jogo. Inês hesitou. Cada fibra do seu corpo pedia-lhe para recusar. Mas outra parte — a rapariga rebelde que outrora fora — ergueu o queixo.
Deu um passo atrás e começou a dançar, agora ao som da melodia.
Rodrigo permaneceu em silêncio. Observava-a com intensidade, e o seu olhar era indecifrável. Inês rodopiava, o avental a esvoaçar, os pés descalços deslizando sobre o mármore fresco. Quando a música parou, ela deteve-se, ofegante.
— Está satisfeito, senhor Mendes? — perguntou, com um toque de desafio.
Ele não respondeu de imediato. Depois, disse secamente:
— Está contratada.
— Já trabalho aqui — replicou ela, confusa.
— Mas não como a minha empregada pessoal.
Os olhos dela arregalaram-se.
— Pessoal…?
Ele acenou com a cabeça.
— A partir de amanhã. Só os meus aposentos, a minha comida, o meu horário. O salário triplica.
Inês quase perdeu o equilíbrio. Porquê ela?
— Porquê… eu? — murmurou.
Os lábios do bilionário esboçaram um sorriso tão subtil que ela duvidou se o tinha visto.
— Porque não se assusta com facilidade.
E, sem dizer mais nada, saiu, deixando Inês sozinha no meio da sala, com a colher de pau na mão, completamente atordoada.
Os dias seguintes foram tudo menos normais. Ser a empregada pessoal de Rodrigo Mendes era… estranho. Num dia, ele era frio e autoritário; noutro, quase… humano.
No segundo dia, enquanto preparava o pequeno-almoço, ele entrou na cozinha.
— Sempre canta quando cozinha?
Ela congelou.
— Nem reparei.
— Não pare.
E sentou-se no balcão, bebendo café enquanto ela batia os ovos, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
No fim da semana, ela já sabia algumas coisas sobre ele: detestava conversa fiada. Reparava em tudo. Trabalhava até à exaustão e quase não dormia. E, apesar da frieza, nunca lhe levantou a voz. Nunca a humilhou, como fazia com os outros.
E, por vezes — só por vezes — sentia sobre si aquele mesmo olhar enigmático do primeiro dia.
Até que chegou a noite que mudou tudo.
Uma tempestade cobria a cidade. Os candeeiros refletiam-se nas ruas molhadas. Inês arrumava o escritório de Rodrigo quando uma pasta de couro caiu da prateleira. Os papéis espalharam-se pelo chão. Ela abaixou-se para os apanhar, mas um documento fez-lhe parar.
Não era um contrato.
Era uma fotografia.
Uma mulher jovem, sorridente sob o sol de verão, segurava uma colher de pau como se fosse um microfone.
O coração de Inês pareceu parar.
Aquela mulher… era o seu reflexo.