Na Noite do Nosso Casamento, Descobri o Verdadeiro Motivo Por Trás do Presente de Casamento

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Chamo-me Leonor, tenho vinte e seis anos, nasci numa família humilde na zona costeira de Setúbal. O meu pai faleceu cedo, a minha mãe estava sempre doente, e tive de deixar a escola depois do nono ano para trabalhar como ajudante de limpezas. Depois de muitos anos de luta, consegui finalmente um emprego como empregada doméstica numa das famílias mais ricas de Lisboa: a família Silva.

O meu marido —Diogo Silva— é o filho único dessa família. Bonito, bem-educado e de temperamento calmo, mas parecia sempre envolto numa distância invisível. Trabalhei ali quase três anos, sempre em silêncio, de cabeça baixa, sem nunca ousar imaginar que poderia fazer parte do seu mundo. Até que um dia, a senhora Margarida Silva chamou-me à sala, colocou à minha frente uma certidão de casamento e prometeu:

—Leonor, se aceitares casar com o Diogo, a quinta junto ao Lago Azul, na Serra da Arrábida, ficará em teu nome. É o nosso presente de casamento.

Fiquei perplexa. Como poderia uma empregada como eu sequer comparar-se ao seu filho amado? Pensei que era uma brincadeira, mas o olhar dela era sério. Não percebia porque me tinham escolhido; só sabia que a minha mãe estava gravemente doente e o custo do tratamento era uma carga impossível. O meu coração pedia-me para recusar, mas o meu espírito fraco e a preocupação com a minha mãe fizeram-me concordar.

O casamento foi muito mais grandioso do que alguma vez imaginei. Vestia um vestido vermelho bordado a ouro, sentada ao lado do Diogo, trajando um fato de linho branco, e ainda me parecia um sonho. Mas os seus olhos olhavam-me frios e distantes, como se escondessem um segredo que eu ainda não compreendia.

Na noite de núpcias, o quarto estava cheio de cravos. O Diogo, com uma camisa branca, o rosto parecia esculpido em mármore, mas os seus olhos estavam tristes e silenciosos. Quando se aproximou, o meu corpo inteiro tremeu. Foi nesse instante que a dura verdade veio à tona.

O Diogo não era como os outros homens… tinha uma condição de nascença que o impedia de desempenhar plenamente o papel de marido. Naquele momento, tudo fez sentido: a razão pela qual me deram a quinta, por que permitiram que uma rapariga pobre entrasse numa família rica. Não era porque eu fosse especial, mas porque precisavam de uma “esposa de fachada” para o Diogo.

As lágrimas rolaram-me pelo rosto —não sabia se por pena de mim mesma ou por ele. O Diogo sentou-se ao meu lado e, com voz baixa, disse:
—Perdoa-me, Leonor. Não mereces isto. Sei que fizeste muitos sacrifícios, mas a minha mãe… ela precisa de segurança na família. Não posso ir contra a vontade dela.

À luz amarelada do candeeiro, vi que os seus olhos também estavam húmidos. Percebi então que aquele homem frio também sentia uma dor profunda. Não era diferente de mim: ambos éramos vítimas do destino.

Nos dias seguintes, a nossa vida tornou-se estranha. Não havia doçura de casal, apenas respeito e companheirismo. O Diogo era gentil: de manhã perguntava-me como tinha dormir, ao meio-dia levava-me a passear pelo Lago Azul para admirar as nuvens sobre a serra, à noite jantávamos e conversávamos. Ele já não me via como uma empregada, mas como uma companheira. Isso comovia-me, embora a minha mente me lembrasse que este casamento nunca seria “completo” no sentido tradicional.

Certa vez, ouvi por acaso a senhora Margarida a falar com o seu médico: ela sofria de um problema cardíaco e não lhe restava muito tempo. Temia que, se morresse, o Diogo ficasse para sempre sozinho. Escolheu-me porque me via humilde, trabalhadeira e sem ambições; confiava que eu não o abandonaria por causa da sua condição.

Ao saber a verdade, o meu coração agitou-se. Pensava que me tinham usado como “troféu” em troca da quinta, mas descobri que me tinham escolhido por amor e confiança. Naquele dia, prometi a mim mesma: custasse o que custasse, não abandonaria o Diogo.

Numa noite chuvosa em Lisboa, o Diogo teve uma crise forte. Assustada, levei-o ao Hospital de Santa Maria. Inconsciente, ele apertou-me a mão e sussurrou:
—Se um dia te cansares, vai embora. Fica com a quinta como compensação. Não quero que sofras por minha causa…

Chorei sem parar. Quando é que ele tinha conquistado o meu coração? Apertei-lhe a mão com força:
—Aconteça o que acontecer, não te deixarei. Tu és o meu marido, a minha família.

Depois daquela crise, o Diogo acordou. Ao ver-me ainda ali, os seus olhos encheram-se de lágrimas, mas também de calor. Não precisávamos de um casamento “perfeito”. Tínhamos compreensão, partilha e um amor tranquilo e duradouro.

A quinta junto ao Lago Azul já não era um “prémio”, mas um verdadeiro lar. Eu planto flores na varanda; o Diogo põe o seu cavalete na sala. Todas as noites, sentamo-nos juntos a ouvir a chuva na serra e a falar dos nossos pequenos sonhos.

Talvez a felicidade não seja perfeição, mas sim encontrar alguém que, apesar das suas faltas, queira amar e ficar ao teu lado. E eu encontrei essa felicidade… desde aquela noite de casamento em que tudo tremeu.

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