Chamo-me Leonor, tenho vinte e seis anos, nasci numa família humilde na região costeira do Alentejo. O meu pai morreu jovem, a minha mãe estava sempre doente, e tive de deixar os estudos depois do nono ano para trabalhar como jornaleira. Após muitos anos de luta, finalmente consegui emprego como empregada doméstica numa das famílias mais ricas de Lisboa: a família Sousa.
O meu marido — Pedro Sousa — é o único filho dessa família. Bonito, educado e de temperamento calmo, mas parecia sempre envolto por uma distância invisível. Trabalhei lá durante quase três anos, sempre em silêncio, de cabeça baixa, sem nunca ousar imaginar que poderia fazer parte do seu mundo. E, no entanto, um dia, Dona Margarida Sousa chamou-me à sala, colocou à minha frente uma certidão de casamento e prometeu:
— Leonor, se aceitares casar com o Pedro, a quinta junto ao lago Azul, em Sintra, ficará em teu nome. É o nosso presente de casamento.
Fiquei atordoada. Como poderia uma empregada como eu sequer comparar-se ao seu filho amado? Pensei que fosse uma brincadeira, mas o olhar dela era grave. Não entendia porque me tinham escolhido; só sabia que a minha mãe estava muito doente e o custo do tratamento era insuportável. O meu coração pedia-me que recusasse, mas o espírito fraco e a preocupação com a minha mãe fizeram-me aceitar.
O casamento foi mais luxuoso do que jamais sonhara. Vestia um vestido de noiva vermelho bordado a ouro, sentada ao lado do Pedro, de fato marfim, e ainda me parecia um sonho. Mas os olhos dele fitavam-me frios e distantes, como se guardassem um segredo que eu ainda não conhecia.
Na noite de núpcias, o quarto estava cheio de rosas brancas. O Pedro, de camisa branca, o rosto impassível como mármore, mas os olhos tristes e silenciosos. Quando se aproximou, todo o meu corpo tremeu. Foi então que a dura verdade veio à tona.
O Pedro não era como os outros homens… tinha uma condição que o impedia de ser um marido pleno. Naquele momento, tudo fez sentido: a razão pela qual me deram a quinta, porque permitiram que uma rapariga pobre entrasse numa família rica. Não era porque eu fosse especial, mas porque precisavam de uma “esposa de fachada” para o Pedro.
As lágrimas escorreram pelo meu rosto — não sabia se por pena de mim ou dele. O Pedro sentou-se ao meu lado e, com voz baixa, disse:
— Perdoa-me, Leonor. Não mereces isto. Sei que fizeste sacrifícios, mas a minha mãe… ela precisa de segurança para a família. Não posso ir contra a sua vontade.
Na luz amarelada do candeeiro, vi que os olhos dele também estavam húmidos. Percebi que aquele homem frio sentia uma dor profunda. Não era diferente de mim: ambos éramos vítimas do destino.
Nos dias seguintes, a nossa vida tornou-se estranha. Não havia doçura de casal, apenas respeito e companheirismo. O Pedro era gentil: de manhã perguntava como tinha dormido, ao meio-dia levava-me a passear pelo lago Azul para admirar as colinas de Sintra, à noite jantávamos e conversávamos. Já não me via como uma empregada, mas como uma companheira. Isso comovia-me, embora a minha mente me lembrasse que este casamento nunca seria “completo”.
Uma vez, ouvi por acaso a Dona Margarida a falar com o médico: tinha uma doença cardíaca e pouco tempo de vida. Temia que, se morresse, o Pedro ficasse para sempre sozinho. Escolheu-me porque me via submissa, trabalhadora e sem ambições; confiava que eu não o abandonaria pela sua condição.
Ao saber a verdade, o meu coração apertou. Pensara que me usaram como “moeda de troca” pela quinta, mas percebi que me escolheram por amor e confiança. Naquele dia, prometi a mim mesma: acontecesse o que acontecesse, não abandonaria o Pedro.
Numa noite chuvosa em Lisboa, o Pedro teve uma crise forte. Assustada, levei-o ao Hospital de Santa Maria. Inconsciente, apertou a minha mão e sussurrou:
— Se um dia te cansares, vai-te embora. Fica com a quinta. Não quero que sofras por minha causa…
Desfiz-me em lágrimas. Quando é que ele conquistara o meu coração? Apertei-lhe a mão com força:
— Aconteça o que acontecer, não te deixo. És o meu marido, a minha família.
Depois daquela crise, o Pedro acordou. Ao ver-me ainda ao seu lado, os olhos dele encheram-se de lágrimas, mas também de calor. Não precisávamos de um casamento “perfeito”. Tínhamos compreensão, a vontade de partilhar e um amor tranquilo e duradouro.
A quinta junto ao lago Azul já não era um “prémio”, mas um verdadeiro lar. Eu planto flores na varanda, o Pedro coloca o cavalete na sala. Todas as noites, sentamo-nos juntos a ouvir a chuva em Sintra e a falar dos nossos pequenos sonhos.
Talvez a felicidade não seja a perfeição, mas encontrar alguém que, apesar das faltas, queira amar e ficar ao teu lado. E eu encontrei essa felicidade… desde aquela noite de casamento em que tudo tremia.