Na assinatura do divórcio, riram do meu vestido de brechó. ‘Você vive no passado’, ele zombou. Mas o telefone tocou… e minha vida mudou para sempre.

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O tribunal cheirava levemente a lixívia e esperança perdida.
Estava ali, vestida com um vestido de segunda mão, segurando uma bolsa desbotada que um dia pertenceu à minha mãe. Do outro lado da mesa, o meu ex-marido, Ricardo, assinava os papéis do divórcio, um sorriso satisfeito cortando-lhe o rosto como uma lâmina. Ao lado dele, a sua noiva—jovem, elegante e reluzente em seda de marca—inclinou-se e sussurrou algo que o fez rir.

“Não conseguiste sequer vestir-te decentemente, Inês?” perguntou ela, com um tom que misturava veneno e charme.

Ricardo nem sequer olhou para mim. “Ela sempre ficou presa no passado,” respondeu friamente, atirando a caneta para o lado. “Acho que vai ficar lá.”

O advogado empurrou os últimos documentos na minha direção. As minhas mãos tremiam enquanto rabiscava o meu nome, pondo fim a doze anos de um casamento que se tornara uma lenta queima de desilusões. A indemnização: dez mil euros e um silêncio pesado o suficiente para me esmagar.

Quando saíram, as suas risadas ficaram no ar, leves e cruéis, como um perfume que não se dissipa. Permaneci sentada por um longo tempo, observando a tinta secar ao lado da minha assinatura, percebendo que o meu mundo havia desabado naquele ambiente estéril.

Então, o meu telemóvel vibrou.

Um número desconhecido.
Por um instante, pensei em ignorá-lo. Mas algo dentro de mim—talvez instinto, talvez desespero—fez-me atender.

“Senhora Inês Teixeira?” disse uma voz masculina e calma. “Falo do Dr. David Santos, do escritório Santos & Oliveira. Lamento incomodá-la, mas tenho notícias urgentes sobre o seu tio-avô, o Sr. Carlos Monteiro.”

O nome deixou-me estupefacta. Carlos Monteiro? Não o via desde a adolescência. Ele fora o pária da família—ou talvez eu fosse. Depois da morte dos meus pais, os Monteiro desapareceram da minha vida por completo.

“Infelizmente, ele faleceu na semana passada,” continuou o homem. “Mas nomeou-a como sua única herdeira.”

Pisquei, incrédula. “Deve haver engano.”

A voz do Dr. Santos manteve-se serena. “Nenhum erro, Senhora Teixeira. O Sr. Monteiro deixou-lhe todo o seu património—incluindo a posse da Monteiro Energia.”

Congelei. “Quer dizer… a Monteiro Energia? A empresa do ramo energético?”

“Exatamente,” confirmou. “Agora é a acionista maioritária e beneficiária de uma empresa avaliada em milhares de milhões. Contudo… há uma condição.”

As suas palavras pairaram no ar como um trovão prestes a rebentar.

Ao olhar para o meu reflexo na janela do tribunal—o meu vestido de loja de caridade, o cansaço nos meus olhos, o espectro de uma mulher que todos haviam desprezado—percebi que a minha história não estava a terminar. Estava a ser reescrita.

Dois dias depois, encontrei-me numa sala de reuniões cinquenta andares acima do centro de Lisboa. A cidade brilhava lá em baixo, o Tejo cintilando ao longe. Tudo parecia demasiado grande, demasiado polido, demasiado irreal.

À minha frente, o Dr. Santos folheava um dossiê tão espesso que poderia servir de âncora. “Antes de avançarmos,” disse, “precisa de compreender a exigência do testamento do seu tio.”

Anuí devagar, preparando-me para o senão.

“O Sr. Monteiro estipulou que terá de assumir o cargo de CEO da Monteiro Energia durante pelo menos um ano,” explicou. “Não poderá vender ou delegar as suas ações nesse período. Apenas após doze meses consecutivos sem escândalos ou colapso financeiro—é que a herança será inteiramente sua.”

Olhei para ele. “Mas eu… sou professora de artes. Nunca gerei uma empresa.”

“O seu tio sabia,” disse o Dr. Santos. “Ele acreditava que a sua integridade—não contaminada pela ganância—poderia devolver a alma à empresa.”

Deixei escapar uma risada amarga. “Ou queria testar-me do além-túmulo.”

O Dr. Santos sorriu ligeiramente. “Ele também lhe deixou um recado.” Entregou-me uma única página escrita à mão, com a letra elegante e deliberada do meu tio.

*Inês,*
*Construí um império, mas perdi a consciência a fazê-lo.*
*Tu ainda a tens.*
*Lidera com coração, e talvez salves o que eu não consegui.*

A sala desfocou-se. Senti-me aterrorizada e, estranhamente, viva.

“Eu aceito,” disse baixinho, surpreendendo-me a mim mesma.

Naquela noite, sentei-me no meu pequeno apartamento, rodeada de montanhas de documentos. O meu gato, Gaspar, ronronava no meu colo enquanto os meus pensamentos corriam. Como poderia alguém como eu liderar uma empresa com vinte mil pessoas?

Então, a voz de Ricardo ecoou na minha mente: *Tu pertences ao passado.*

Não mais.

Na manhã seguinte, entrei na Monteiro Energia como a nova CEO. A sala de reuniões ficou em silêncio quando entrei—sussurros, olhares trocados, até uns sorrisinhos dos executivos.

“Bom dia,” disse, forçando um sorriso calmo. “Vamos começar.”

E assim, começou a minha transformação de ex-mulher descartada para uma mulher à beira da reinvenção.

Mas entre aqueles rostos polidos, havia um que se tornaria o meu maior adversário.

Nuno Ferreira.

O Diretor de Operações da empresa. Carismático, calculista, com olhos que não revelavam nada. Desde o início, deixou claro que não acreditava em mim.

“Está completamente fora da sua liga, Senhora Teixeira,” disse-me depois da primeira reunião. “A Monteiro Energia não funciona com sentimentalismos. Construímos redes elétricas, não sonhos de aguarela.”

“Vou aprender,” respondi com firmeza.

Ele sorriu. “Vou garantir que aprenda.”

Daí em diante, Nuno sabotou-me a cada passo—questionando as minhas decisões em reuniões, desviando comunicações, vazando informações internas para a imprensa. Os acionistas começaram a perder a confiança. A imprensa apelidou-me de *A Herdeira Acidental*.

Ainda assim, recusei-me a desmoronar.

Todas as noites, mergulhava em estudo—relatórios financeiros, modelos de engenharia, tendências de mercado—até a linguagem corporativa se tornar natural. Encontrei-me com todos, desde membros do conselho a funcionários da limpeza, fazendo perguntas que ninguém mais fazia. Lentamente, a empresa começou a ver-me de forma diferente.

Depois, uma manhã, tudo mudou.

Uma contabilista discreta, a Maria, entrou no meu gabinete, nervosa. “Deveria ver isto,” murmurou, deixando uma pasta em cima da mesa.

Dentro estavam registos—transações para contas offshore, auditorias falsificadas. A assinatura do Nuno aparecia em todo o lado.

O meu coração acelerou. Ele não estava só a minar-me—estava a roubar a empresa.

No dia seguinte, convoquei uma reunião de emergência. Nuno entrou tarde, com a confiança inabalável.

“O que se passa?” perguntou, descontraído.

Empurrei a pasta na sua direcção. “Porque não explicas tu?”

A sala ficou em silêncio. O seu rosto perdeu a cor ao percorrer as provas.

Em poucas horas, foi escoltado para fora pela segurança. As manE, enquanto caminhava para fora do tribunal pela última vez, senti não apenas o peso da justiça feita, mas a leveza de um novo começo.

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