Motociclista Prometeu um Último Passeio, Mas Ela Pediu Oposto

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A menina com o curativo branco em volta da cabeça olhou para mim e disse as palavras que me destruíram: “Não quero um passeio de moto. Quero que você seja meu pai por um dia inteiro.”

Tenho cinquenta e três anos, ando com o meu grupo de motociclistas há vinte e sete, e nunca tive filhos. Nunca casei, nunca me estabeleci, sempre achei que essa parte da vida não era para mim.

Mas ali, naquela sala, olhando para a Madalena de seis anos abraçando o seu ursinho de pelúcia, senti algo rachar dentro do meu peito.

A mãe dela, a Joana, tinha ligado para o nosso grupo três dias antes. A voz tremia: “A minha filha tem um tumor no cérebro. Tem talvez dois meses de vida. Ela adora motos e pediu se um motociclista de verdade podia levá-la a passear antes de… antes de não conseguir mais.”

O líder do grupo pediu voluntários. Todos levantaram as mãos. Mas a Joana escolheu-me pelas fotos que viu. “A Madalena disse que ele parece dar bons abraços”, explicou.

Lá estava eu, entrando naquela casa pequena, pronto para levar a menina a uma volta rápida pelo bairro. Já tinha participado em ações de caridade, visitado crianças doentes em hospitais. Pensava que sabia o que esperar.

Tinha a minha Harley lavada e polida, o meu colete bem cuidado, e até trouxe um capacete cor-de-rosa com borboletas para ela.

Mas quando me sentei ao seu lado no sofá e perguntei se estava pronta para o passeio, a Madalena abanou a cabeça. “Podemos só fingir?”, sussurrou.

“A minha cabeça dói muito hoje. O médico disse que o tumor me dá tonturas. Mas a mamã disse que vinha e eu não queria que perdesse tempo, por isso…” A vozzinha desvaneceu-se.

“Podemos fingir que és o meu pai? Só hoje? Nunca tive um.”

A Joana chorava silenciosamente à porta. Olhei para ela e murmurou: “Desculpa, devia ter-te avisado.”

Mas o que ia eu fazer? Negar a essa menina que estava a morrer? Ir-me embora porque não era o que eu esperava? Tenho muitos defeitos, mas não sou esse tipo de homem.

“Claro, princesa”, respondi, a voz mais rouca do que pretendia. “O que é que os pais e as filhas fazem juntos?”

O rosto da Madalena iluminou-se, apesar da dor. “Podes ler-me uma história? E depois ver um filme? E dizer que sou bonita e inteligente, como os pais fazem?”

Foi aí que chorei. Ali mesmo, no sofá, ao lado de uma menina que conhecia há cinco minutos.

Que mundo é este que deixa uma criança viver sem nunca ter ouvido uma história ao deitar ou sem que alguém lhe diga que é bonita e esperta?

Passei as oito horas seguintes a ser o pai da Madalena. Li-lhe todos os livros da prateleira—duas vezes. Vimos o filme preferido dela, sobre uma princesa que se salva sozinha.

Fiz-lhe o almoço, cortando-lhe a sanduíche em triângulos porque ela disse que era assim que os pais faziam. Ajudei-a a desenhar, e quando ficou cansada, levei-a ao colo para o sofá, deixando-a adormecer no meu ombro.

Enquanto ela dormia, a Joana contou-me a história. Engravidou aos dezanove anos. O pai foi-se embora no dia em que soube. Criou a Madalena sozinha, com dois empregos, mal conseguindo sobreviver.

Tiveram bons anos, apesar das dificuldades. Até que, há seis meses, a Madalena começou com dores de cabeça. Quando descobriram o tumor, já era inoperável. Muito profundo, muito agressivo.

“Há um mês, ela perguntou-me porque é que nunca teve um pai”, disse a Joana, enxugando as lágrimas. “Todos os amigos têm. Queria saber o que tinha de errado com ela para o pai não a quiser.”

“O que podia dizer? Como explicas a uma criança de seis anos que algumas pessoas são egoístas e cruéis?”

Quando a Madalena acordou, olhou para mim com aqueles olhos grandes e perguntou: “Podes voltar amanhã?”

O meu coração partiu-se outra vez. “Sim, minha princesa. Posso voltar amanhã.”

Isso foi há quatro meses. Os dois meses dados pelos médicos passaram. Eu aparecia todos os dias.

Às vezes fazíamos coisas grandes—levava-a para fora, sentava-a na minha moto parada, deixava-a fingir que conduzia. Outras vezes eram coisas pequenas—víamos desenhos animados, coloríamos, brincávamos com as bonecas.

E todos os dias, dizia-lhe que era a menina mais bonita, mais inteligente e mais corajosa do mundo.

Os meus colegas do grupo acharam que eu tinha enlouquecido. Até conhecerem a Madalena. Logo, não era só eu que a visitava.

Vários elementos do grupo apareciam para a ver, traziam presentes, ficavam com ela para a Joana poder descansar. Tornámo-nos a família alargada da Madalena. Os tios, como ela nos chamava.

A Make-A-Wish concedeu-lhe um desejo—uma viagem para conhecer uma princesa num parque temático. Mas a Madalena recusou.

“Já realizei o meu desejo”, disse à coordenadora. “Consegui um pai e uma família de tios. Não preciso de mais nada.”

Na semana passada, o estado dela piorou muito. O tumor crescia rápido. Já não conseguia andar sozinha. Dormia quase o dia todo.

A enfermeira disse que restavam dias, talvez uma semana. Tirei dias do meu emprego na construção civil. Não ia sair do lado dela.

Ontem de manhã, a Madalena acordou e pediu à mãe que a vestisse com a sua camisa azul favorita. Depois, pediu-me.

Quando cheguei, ela estava no sofá, agarrada ao ursinho, mal conseguindo manter os olhos abertos. Mas sorriu quando me viu.

“Olá, pai”, sussurrou. Era assim que me chamava há um mês. Já não era “pai fingido”. Só pai.

E eu começara a chamar-lhe filha. Porque era o que ela era.

“Olá, princesa.” Sentei-me ao lado dela com cuidado, com medo de a magoar. Estava tão frágil, tão pequena.

Ela encostou-se a mim e eu envolvi-a com o meu braço.

“Fiz uma coisa para ti”, disse. A Joana entregou-lhe uma folha com um desenho a lápis de cera—um homem numa mota com uma menina atrás.

No topo, na letra trémula da Madalena, estava escrito: “O meu pai. Amo-te.”

Segurei o desenho e chorei. Não foram lágrimas discretas. Foram lágrimas que me sacudiram todo.

A Madalena deu palmadinhas no meu colete. “Não fiques triste, pai. Fizeste-me tão feliz. Fiquei a saber como é ter um pai. Foi a melhor coisa que me aconteceu.”

“Tu também foste a melhor coisa que me aconteceu, princesa”, respondi, e disse-o com toda a verdade.

Aquela menina mudou a minha vida em quatro meses. Mostrou-me o que me faltava. Fez-me pai.

A Madalena adormeceu nos meus braços. Não voltou a acordar.

Partiu às três da manhã, com a Joana de um lado e eu do outro, ambos a segurar-lhe as mãos.

As últimas palavras, quase inaudíveis, foram: “Amo-te, pai.”

O funeral é na próxima semana. Vou fazer o elogio. O grupo vai fazer uma marcha em sua homenagem.

Vou usar o meu colete com um novo símbolo—um que a Joana fez para mim. É uma borboleta cor-de-rosaE sempre que alguém me pergunta se tenho filhos, seguro o símbolo no meu colete e respondo com um sorriso triste: “Tive uma filha, chamava-se Madalena, e foi o maior presente da minha vida.”

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