**Diário Pessoal**
A menina com o curativo branco envolto na cabeça olhou para mim e disse as palavras que me destruíram: “Não quero um passeio de mota. Quero que sejas o meu pai por um dia inteiro.”
Tenho cinquenta e três anos, ando com o meu grupo de motociclistas há vinte e sete, e nunca tive filhos. Nunca casei, nunca me fixei, sempre achei que essa parte da vida não era para mim.
Mas ali, naquela sala, a olhar para a Leonor de seis anos agarrada ao seu ursinho, senti algo rachar-me no peito.
A mãe dela, a Sofia, ligara ao nosso clube três dias antes. A voz tremia no telefone: “A minha filha tem um tumor no cérebro. Talvez lhe restem dois meses. Adora motas e pediu para um motociclista a levar num passeio antes de… antes de não poder mais.”
O presidente do clube pedira voluntários. Todos levantámos a mão. Mas a Sofia escolheu-me das fotos que viu. “A Leonor disse que ele parece dar bons abraços”, explicou.
Lá estava eu, entrando naquela casa pequena, pensando que faria um passeio rápido com a menina. Já tinha participado em ações de caridade, visitado crianças doentes em hospitais. Achava que sabia o que esperar.
Tinha a minha Harley limpa e brilhante, colete novo, e até trouxe um capacete cor-de-rosa com borboletas para ela.
Mas quando me sentei ao lado dela no sofá e perguntei se estava pronta para o passeio, a Leonor abanou a cabeça. “Podemos fingir?”, sussurrou.
“A minha cabeça dói muito hoje. O médico disse que o tumor me deixa tonta. Mas a mamã disse que vinhas e eu não queria que perdesses o teu tempo, por isso…” A vozzinha sumiu.
“Podemos fingir que és o meu pai? Só por hoje? Nunca tive um.”
A Sofia chorava em silêncio à porta. Olhei para ela e murmurou: “Desculpa. Devia ter-te avisado.”
Mas o que eu ia fazer? Dizer não a uma menina à beira da morte? Ir-me embora porque não era o que esperava? Sou muitas coisas, mas não sou esse tipo de homem.
“Claro, minha querida”, disse, a voz mais rouca do que pretendia. “O que é que pais e filhas fazem juntos?”
O rosto da Leonor iluminou-se, apesar da dor. “Podes ler-me uma história? E depois ver um filme? E dizer que sou bonita e inteligente como os pais fazem?”
Foi aí que chorei. Ali mesmo, ao lado daquela menina que conhecia há cinco minutos.
Que tipo de mundo é este em que uma criança morre sem nunca ter tido alguém para lhe ler uma história ou dizer que é bonita?
Passei as oito horas seguintes a ser o pai da Leonor. Li todos os livros da estante dela—duas vezes. Vimos o filme preferido dela, sobre uma princesa que se salva sozinha.
Fiz-lhe o almoço, cortei a sanduíche em triângulos porque ela disse que os pais faziam assim. Ajudei-a a desenhar e, quando cansou, levei-a ao sofá e deixei-a adormecer no meu ombro.
A Sofia contou a história enquanto a Leonor dormia. Engravidara aos dezanove. O pai fugira no dia em que soube. Criara a filha sozinha, com dois empregos, mal tendo para as despesas.
Tiveram bons anos, apesar de tudo. Mas, há seis meses, a Leonor começou com dores de cabeça. Quando descobriram o tumor, já era inoperável. Profundo, agressivo, a crescer rápido.
“Ela perguntou-me há um mês porque nunca teve um pai”, a Sofia enxugou as lágrimas. “Todas as amigas têm. Queria saber o que tinha de errado nela para o pai não a querer.”
“Não soube o que dizer. Como explicas a uma criança de seis anos que algumas pessoas são cruéis?”
Quando a Leonor acordou, olhou para mim com aqueles olhos grandes e perguntou: “Podes voltar amanhã?”
O meu coração partiu-se outra vez. “Sim, minha princesa. Posso voltar amanhã.”
Isso foi há quatro meses. Os dois que os médicos deram passaram. Eu apareci todos os dias.
Fizemos coisas grandes—levava-a para fora, sentá-la na minha mota parada, deixá-la fingir que conduzia. Coisas pequenas—desenhos, bonecas, filmes.
E todos os dias dizia-lhe que era a menina mais bonita, inteligente e corajosa do mundo.
Os meus companheiros do clube acharam que eu tinha enlouquecido. Até a conhecerem. Depois, não era só eu que a visitava.
Vários deles iam vê-la, traziam presentes, ficavam com ela para a Sofia descansar. Tornámo-nos a família da Leonor. Os tios, como ela dizia.
A Make-A-Wish concedeu-lhe um desejo—conhecer uma princesa num parque de diversões. Mas ela recusou.
“Já tive o meu desejo”, disse. “Ganhei um pai e muitos tios. Não preciso de mais nada.”
Na semana passada, piorou. O tumor avançou. Já não andava. Dormia quase o dia todo.
A enfermeira disse que faltavam dias, talvez uma semana. Tirei dias do meu trabalho na construção. Não ia sair do lado dela.
Ontem de manhã, a Leonor pediu à mãe para a vestir com a camisa azul preferida. Depois pediu-me.
Quando cheguei, estava no sofá, agarrada ao ursinho, quase sem forças para abrir os olhos. Mas sorriu quando me viu.
“Olá, Pai”, sussurrou. Era assim que me chamava há um mês. “Pai”, sem fingir.
E eu chamava-lhe filha. Porque era o que ela era.
“Olá, princesa.” Sentei-me ao lado dela com cuidado, com medo de a magoar. Estava tão frágil.
Ela encostou-se a mim e eu envolvi-a com o braço.
“Fiz-te uma coisa”, disse. A Sofia entregou-lhe um desenho a lápis de cera—um homem numa mota com uma menina atrás.
No topo, na letra trémula da Leonor, lia-se: “O Meu Pai. Amo-te.”
Segurei o desenho e chorei. Não lágrimas silenciosas. Soluços que me sacudiam.
A Leonor tocou no meu colete com a mão pequena. “Não fiques triste, Pai. Fizeste-me tão feliz. Sabes como é ter um pai. Foi a melhor coisa que me aconteceu.”
“Tu também foste a melhor coisa da minha vida”, respondi, e senti cada palavra.
Aquela menina mudou-me em quatro meses. Mostrou-me o que me faltava. Fez-me pai.
A Leonor adormeceu nos meus braços. Não acordou mais.
Morreu às três da manhã, comigo de um lado e a Sofia do outro, as duas mãos nas nossas.
As últimas palavras, quase sem som, foram: “Amo-te, Pai.”
O funeral é na próxima semana. Darei o discurso. O clube fará um passeio em sua honra.
Vou usar o meu colete com um novo símbolo—um que a Sofia fez para mim. Uma borboleta cor-de-rosa com o nome dela. O nome da minha filha.
Perguntam-me como estou. Dizem que deve ser difícil, ter estado tanto tempo com uma criança doente. Não entendem.
Sim, o meu coração está em pedaços. Choro quando penso nela. Mas faria tudo outra vez.
Porque durante quatro meses fui pai. Fiz uma menina sentir-se amada e especial. E ela completou-me de uma forma que nunca imaginei.
Nunca demos aquele passeio de mota. O tumor não a deixou. Mas não importa.
Porque o que tivemos foi melhor—festas deE agora, todas as manhãs, quando acordo, olho para o desenho da Leonor na minha mesa e sussurro: “Bom dia, princesa.”