O tilintar dos talheres e o suave murmúrio do fado enchiam o restaurante O Tasco do Fidalgo, o mais exclusivo do Chiado, em Lisboa.
Num canto, sentava-se Margarida Albuquerque, uma magnata imobiliária de 52 anos, com uma fortuna de milhões. Jantava sozinha — um bife de alcatra meio comido, o telemóvel a brilhar com notícias da bolsa.
Já nem reparava no mundo. O sucesso tornara-a eficiente, não compassiva.
Mas naquela noite, algo inusitado aconteceu.
“Minha senhora?”
A voz era suave, hesitante. Margarida olhou para cima, irritada — e gelou.
Dois garotos estavam junto à sua mesa, talvez com 9 e 11 anos. Roupas esfarrapadas, rostos sujos de terra e olhos — grandes e cansados demais — que contavam histórias que nenhuma criança deveria viver.
“Podemos ficar com… o que sobrou?” perguntou o mais velho.
O restaurante ficou em silêncio. Os clientes fitavam-nos, ofendidos por crianças de rua terem invadido aquele templo sagrado da riqueza. Um empregado aproximou-se.
“Minha senhora, eu trato disto—”
Margarida ergueu a mão. “Não. Está tudo bem.”
O coração batia-lhe forte. Porque, ao olhar melhor para os garotos, algo dentro dela partiu-se.
Aquela pinta no nariz do mais novo. O cabelo do mais velho, encaracolado nas pontas.
Pareciam os seus filhos. Ou melhor, pareciam os filhos que um dia teve — antes de os perder.
Quinze anos antes, o marido levara os gémeos, Tomás e Diogo, e desaparecera após o divórcio conflituoso. Ela enterrara-se no trabalho, fingindo que o dinheiro preenchia o vazio. Nunca os reencontrara.
A voz tremeu-lhe. “O… o que é que disseram?”
“A comida,” repetiu o mais velho, os olhos nervosos. “Já não quer, pois não?”
Margarida empurrou o prato. “Claro, queridos. Aqui.”
Eles devoraram-na rapidamente, evitando olhar para o gerente, que se aproximava furioso.
Mas Margarida mal o ouviu. O coração martelava-lhe nos ouvidos quando sussurrou: “Meninos… como se chamam?”
“Eu sou o Tomás,” disse o mais velho. “E este é o meu irmão, Diogo.”
O garfo caiu-lhe da mão.
A visão desfocou.
Não podia ser.
Mas o medalhão no pescoço do mais velho — um coração partido — combinava com o que ela guardara na joalheira durante mais de dez anos.
A respiração de Margarida falhou.
“Esperem,” sussurrou, levantando-se tão rápido que a cadeira tombou. “Onde está o vosso pai?”
Os irmãos trocaram um olhar.
Então, Tomás disse baixinho: “Ele morreu no inverno passado. Agora vivemos no abrigo.”
Parte 2
O mundo de Margarida desmoronou. Os lustres do restaurante desfocaram-se enquanto as memórias regressavam — a batalha pela custódia, a raiva do ex-marido, a promessa de que ela nunca mais veria os filhos.
E agora, o destino trouxera-os até ela — a pedir-lhe sobras.
Acenou ao empregado para trazer comida — verdadeira comida. Mas os garotos hesitaram.
“Está tudo bem,” disse ela, suave. “Estão seguros comigo.”
Pela primeira vez, Tomás sorriu — cauteloso, cansado. “Fala como a minha mãe falava.”
Lágrimas queimavam-lhe os olhos. “Como era a tua mãe?”
“Tinha cabelo castanho,” disse Diogo. “E uma voz doce.” Ergueu os olhos. “Parecida com a sua.”
Margarida quase caiu.
No fim do jantar, chamou o motorista. “Vamos para casa.”
Os miúdos protestaram — “Não podemos! O abrigo fecha às nove!” — mas ela insistiu.
Na sua mansão com vista para o Tejo, eles ficaram paralisados de espanto. Mármore, lustres de cristal, o cheiro a alfazema e dinheiro por todo o lado.
“Você vive aqui?” sussurrou Diogo.
“Vivo,” disse ela, suave. “E em breve, vocês também.”
Mas primeiro, Margarida precisava de certezas. No dia seguinte, encomendou um teste de ADN. Enquanto esperava, foi ao abrigo para saber o que acontecera após a morte do pai.
A diretora, Dona Carmo, entregou-lhe um envelope velho. “O seu marido deixou isto. Não sabíamos para onde enviar.”
Dentro, estava uma carta — a letra trémula do ex-marido.
“Se estás a ler isto, é porque já não estou aqui. Tinhas razão, Margarida. Fui orgulhoso demais. Não queria que os miúdos te vissem a ter sucesso enquanto eu falhava. MentE, enquanto abraçava os filhos naquela noite, sob o céu estrelado de Lisboa, Margarida percebeu que a maior fortuna da vida não estava nos seus milhões, mas no calor daqueles dois corações batendo junto ao seu.