Menina pede ajuda a motoqueiro para salvar o sonho do pai sem pernas

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*12 de Março, 2024*

Uma menina aproximou-se da minha mesa no café e implorou que eu ensinasse o pai dela a andar de mota.

“Ele chora todas as noites desde que o acidente lhe levou as pernas,” sussurrou, enquanto virava o mealheiro em cima da mesa — 4,73 euros em moedas de cêntimos espalharam-se pela superfície pegajosa.

“Mas ele corria de mota antes de eu nascer, e eu pensei que talvez…” A voz sumiu-se, as lágrimas escorrendo enquanto o pai, lá fora, ficava na cadeira de rodas, demasiado orgulhoso para entrar e ver a filha a implorar ajuda a um motard que ele não podia pagar.

Pela janela, vi-o curvado na cadeira, a olhar para a minha Harley com um desejo que partia o coração. Uns 35 anos, corte militar, as próteses visíveis por baixo dos calções. A miúda escapou-lhe enquanto ele se perdia na dor.

“Como te chamas, querida?” perguntei, empurrando as moedas de volta para ela.

“Inês. O meu pai é o Ricardo. Ele já não fala de motas. Diz que essa vida acabou.” Aproximou-se mais, baixando a voz. “Mas vi-o a olhar para revistas de motas na loja. Tocou nas fotografias como se fossem tesouros.”

Ela não fazia ideia de que eu tinha uma oficina especializada em motos adaptadas para veteranos feridos.

Levantei-me, deixando uma nota de 20 euros pelo café. “Guarda o teu dinheiro, Inês. Mas preciso que faças algo por mim.”

Os olhos dela brilharam. “O que for!”

“Vai dizer ao teu pai que o João Silva, da Silva Motos Personalizadas, quer falar com ele sobre os tempos de corrida. Diz-lhe que conheci o Daniel Santos.”

Daniel fora o melhor amigo de Ricardo, morto na mesma explosão que lhe tirou as pernas. Eu construíra a mota em memória dele para a viúva.

Inês saiu a correr, as moedas apertadas na mão. Vi-a puxar a manga do Ricardo, apontando para mim. O rosto dele passou de irritação para choque, depois algo próximo do medo.

Entrou devagar, a Inês a empurrar a cadeira, apesar de ser elétrica. De perto, vi aquele olhar vazio que tantos veteranos carregam — o olhar de quem desistiu.

“Conhecias o Daniel?” A voz falhou-lhe.

“Construí a mota em memória dele. A mulher dele, a Carla, pediu-me.” Mostrei-lhe fotos no telemóvel — uma bela Softail, insígnia da unidade, número de identificação, o nome dele gravado no cromado.

Ricardo tocou no ecrã da mesma forma que a Inês descrevera. “Ele sempre prometeu ensinar-me a conduzir uma cruiser quando voltássemos. Eu era mais de sport bikes, mas o Daniel adorava Harleys.”

“A Inês diz que costumavas correr.”

O maxilar apertou-se. “Isso foi antes.”

“Antes de perderes as pernas? Ou antes de perderes a esperança?”

As mãos dele agarraram os apoios da cadeira. “Que raio sabes tu disso?”

“Sei que acordas às 3 da manhã a pensar na estrada. Sei que ainda sonhas em inclinar nas curvas, o motor debaixo de ti. Sei porque já construí motas para trinta e sete veteranos que achavam que os dias na estrada tinham acabado.”

Mostrei-lhe vídeos — veteranos com próteses, paralisia, membros ausentes — todos a conduzir motos adaptadas. Os rostos deles vivos de alegria.

“Isto é treta para inspirar coitadinhos,” resmungou Ricardo, mas os olhos não saíram do ecrã.

“Pai!” Inês repreendeu. “Isso é feio!”

“Este é o Sargento-chefe Tiago Martins,” continuei. “Triplo amputado. Conduz um trike personalizado. Fez a ‘Corrida pela Memória’ no ano passado.”

Outro vídeo. “A Cabo Ana Ferreira. Paralisada da cintura para baixo. Concluiu a Estrada Nacional 2 na sua Spyder.”

“Pára,” Ricardo pediu em voz baixa. “Por favor.”

Inês agarrou o telemóvel. “Pai, olha! Estão todos a conduzir! Tu também podias!”

“Com que dinheiro, Inês?” respondeu ele, abrupto. “Achas que o Estado paga motas personalizadas? A reforma cobre sonhos? Essa vida acabou.”

O lábio da Inês tremia. Empurrou os 4,73 euros para a frente. “Então eu vou poupar mais. Deixo de almoçar. Eu—”

“Tens faltado ao almoço?” A voz dele ficou perigosamente baixa. Olhou para ela, reparando pela primeira vez na magreza, nas roupas gastas.

“Não preciso de almoçar,” insistiu, teimosa. “Tu precisas mais da tua mota.”

Ricardo quebrou. Aquele fuzileiro que sobrevivera a uma mina, cirurgias, próteses, desfez-se à nossa frente. Puxou-a para o colo. “Oh, minha filha. O que é que eu te fiz? O que é que eu te fiz?”

Dei-lhes espaço antes de tossir. “Ricardo, ouve-me.”

Ele encarou-me com olhos cheios de lágrimas.

“Todas as motas que construí para veteranos foram de graça. Financiadas por corridas, doações, velhos motards que sabem o que é precisar do vento. A tua mota — o irmão do Daniel — está à espera na minha oficina há seis meses.”

Ele fitou-me. “O quê?”

“A Carla encomendou duas. Uma para a memória do Daniel, outra para o irmão que sobreviveu. Ela chama-te assim. Pagou tudo.”

“Já não sei conduzir.”

“Não como antes,” admiti. “Mas podes conduzir. Controlos manuais, estabilizadores, banco adaptado. Está pronta.”

Inês saltou no colo dele. “Pai, por favor!”

“Já lá vão três anos,” sussurrou Ricardo. “Já nem me lembro—”

“Que disparate,” interrompi. “Cada mudança, cada curva, cada linha perfeita numa estrada. Está na tua alma.”

Deixei o meu cartão em cima da mesa. “A oficina abre no sábado. Traz a Inês. Deixa que te veja tocar numa mota outra vez.”

E, para a Inês: “O teu pai precisa de aulas. Achas que podes ajudar? Pago 20 euros às minhas assistentes.”

Os olhos dela arregalaram-se. “Podia ajudar o pai e ganhar dinheiro?”

“Se ele for corajoso o suficiente.”

*Sábado, 10 da manhã em ponto*, Ricardo entrou na oficina com a Inês a usar um capacete cheio de autocolantes brilhantes.

O local fervilhava de veteranos e motores. Ricardo congelou, mas os outros acenaram — todos tinham estado parados naquela porta um dia.

Inês correu para trás. “Pai, olha!”

Ricardo seguiu-a e parou, sem fôlego.

Uma Harley Street Glide, preto fosco, insígnia discreta dos Fuzileiros. Controlos manuais, banco adaptado, estabilizadores.

“Isto é… minha?”

“Se quiseres. A Carla já pagou tudo.”

Ricardo esticou a mão, trémulo, tocando no depósito. O rosto transformou-se — algo despertava lá dentro.

“É linda.”

“Pai, senta-te nela!” suplicou Inês.

“Não consigo—”

“Claro que consegues,” disse o Sargento-chefe Martins, aproximando-se. “A primeira vez é a mais difícil.”

Na hora seguinte, os veteranos rodearam-no, ajudando-o a subir para a mota,Dois anos depois, Ricardo trabalha na minha oficina, ensinando outros veteranos a reconquistar a estrada, e a Inês, agora com dez anos, enquadrou os seus 4,73 euros numa moldura por cima da qual pendurou um cartaz: “O Melhor Investimento de Sempre”.

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