A sala do sétimo andar de um hospital privado em Lisboa estava estranhamente silenciosa. O monitor cardíaco emitia um bip constante, e a luz branca iluminava o rosto pálido de Leonor, uma mulher que acabara de sair de uma cirurgia para remover um nódulo na tireoide.
Antes mesmo de despertar por completo da anestesia, Leonor viu o marido, Ricardo, parado ao pé da cama, segurando uma pilha de papéis.
—Estás acordada? Ótimo, assina aqui.
A voz dele era fria, sem um pingo de compaixão.
Leonor, ainda confusa, perguntou:
—O que é isto? Que papéis são estes?
Ricardo empurrou os documentos para ela com impaciência:
—Os papéis do divórcio. Já estão prontos. Basta assinares e está tudo resolvido.
Leonor ficou pasmada. Os lábios tremiam, a garganta ainda doía da operação, e as palavras pareciam presas. Os olhos encheram-se de dor e perplexidade.
—Isto é uma brincadeira?
—Não estou a brincar. Já te disse que não quero passar a vida com uma mulher frágil e doente. Estou farto de carregar este fardo sozinho. Deves deixar-me viver os meus verdadeiros sentimentos.
Falava com uma tranquilidade absurda, como se estivesse a trocar de telemóvel, e não a abandonar a mulher com quem passara quase dez anos.
Leonor sorriu, fraco, enquanto lágrimas lhe escorriam pelo rosto.
—Então… esperaste o momento em que não me podia mexer, em que não conseguia reagir… para me obrigares a assinar?
Ricardo calou-se por um instante, depois confirmou:
—Não me culpes. Isto já tinha de acontecer, mais tarde ou mais cedo. Tenho outra pessoa. Ela não quer viver nas sombras.
Leonor cerrou os lábios. A dor na garganta não era nada comparada ao que sentia no coração. Mas não gritou, nem chorou. Apenas perguntou, suavemente:
—Onde está a caneta?
Ricardo surpreendeu-se.
—Vais mesmo assinar?
—Não disseste que isto já tinha de acontecer?
Ele colocou a caneta na sua mão. Leonor pegou nela, com os dedos trémulos, e assinou devagar.
—Pronto. Desejo-te felicidade.
—Obrigado. Vou devolver a propriedade, como combinámos. Adeus.
Ricardo virou-se e saiu. A porta fechou-se, assustadoramente suave. Mas nem três minutos se passaram quando voltou a abrir.
Entrou um homem. Era o médico Tomás, o melhor amigo de Leonor desde os tempos da faculdade, que tinha realizado a sua cirurgia. Trazia nas mãos o prontuário e um ramo de rosas brancas.
—A enfermeira disse que o Ricardo chegou agora?
Leonor anuiu, com um sorriso pequeno:
—Sim, veio divorciar-se.
—Estás bem?
—Melhor do que nunca.
Tomás sentou-se ao seu lado, pousou as flores na mesa e entregou-lhe, em silêncio, um envelope.
—É uma cópia dos papéis do divórcio que o teu advogado me enviou. Na outra semana disseste: se o Ricardo entregar os papéis primeiro, então dá-mos para assinar.
Leonor abriu-o e assinou, sem hesitar. Virou-se para Tomás, com os olhos mais vivos do que nunca:
—A partir de agora, não vou viver para mais ninguém. Não tenho de me obrigar a ser uma esposa “suficientemente boa”, nem a fingir que estou bem quando estou exausta.
—Estou aqui. Não para substituir ninguém, mas para estar contigo, se precisares.
Leonor concordou, com um aceno leve. Uma lágrima caiu, mas não de dor—de alívio.
Uma semana depois, Ricardo recebeu um pacote por correio urgente. Era o decreto de divórcio, devidamente assinado. Junto, uma pequena nota escrita à mão:
*”Obrigada por escolheres ir embora, para que eu já não tenha de tentar agarrar-me a alguém que já se foi.
A que ficou para trás não fui eu.
Foste tu—a perder, para sempre, alguém que um dia te amou com tudo o que tinha.”*
Naquele momento, Ricardo percebeu: quem pensava ter tomado a iniciativa, afinal, tinha sido abandonado sem piedade.