Leonor estava à janela, observando as gotas de chuva escorrerem pelo vidro, formando padrões caprichosos. Dezassete anos — era muito ou pouco? Ela lembrava-se de cada dia do seu casamento, cada aniversário, cada presente. E agora tudo desmoronava.
“Precisamos conversar,” disse Alexandre.
“Vou embora, Leonor. Com a Sara.”
Silêncio. Apenas o tique-taque do antigo relógio de parede, um presente da mãe dela, quebrava a calma do quarto.
“Com aquela aluna da tua faculdade?” A voz dela saiu surpreendentemente serena.
“Sim. Compreende, os meus sentimentos mudaram. Quero novas emoções, novas experiências. Tu és uma mulher inteligente, devias entender.”
Leonor sorriu.
“Tens a certeza?” perguntou.
“Claro,” respondeu Alexandre. “Já arrumei as minhas coisas.”
Foi então até ao armário e pegou naquela garrafa especial que tinham guardado para uma ocasião.
“Bem, suponho que este é um momento muito especial,” disse, destapando a garrafa. “Sabes? Sugiro que façamos um jantar de despedida. Convida os teus amigos, a tua família. Afinal, dezassete anos não são brincadeira.”
Alexandre olhou para ela, surpreso:
“Tu queres… queres fazer uma festa para o nosso divórcio?”
“Por que não?” Leonor sorriu. “Vamos acabar a nossa vida a dois com estilo. Afinal, sou uma mulher inteligente, lembras-te?”
Começou a enviar mensagens aos familiares e amigos.
“Amanhã às sete da noite. Vou preparar os teus pratos favoritos. Considera isto a minha despedida.”
Alexandre ficou parado, sem saber o que dizer. Esperava lágrimas, gritos, recriminações — tudo menos esta aceitação tranquila.
“Ah, e diz à Sara que ela também está convidada. Quero conhecer a rapariga que conseguiu o que eu não consegui nestes anos todos: despertar algo novo em ti.”
O dia seguinte começou cedo demais para Leonor.
Ligou cuidadosamente aos bancos, reuniu-se com um advogado e preparou a papelada. Tudo estava pronto.
Ao final da tarde, o apartamento espaçoso encheu-se do aroma de pratos requintados. Leonor pôs a mesa, arrumando a melhor cerâmica — um presente de casamento da sua sogra.
“Tem que estar tudo perfeito,” murmurou.
A sogra, Dona Margarida, abraçou-a com desconforto:
“Leonorzinha, talvez ainda haja uma chance de mudar as coisas?”
“Não, Mãe. Às vezes temos que tomar a decisão certa e deixar ir.”
Lentamente, os amigos começaram a chegar.
“Entrem, sentem-se,” Leonor indicou-lhes os lugares à mesa. “Hoje, vocês são os protagonistas da noite.”
Quando todos se sentaram, Leonor levantou-se, segurando uma taça:
“Queridos amigos! Hoje é um dia especial. Reunimo-nos aqui para celebrar o fim de uma história e o início de outra.”
Virou-se para o Alexandre:
“Alexandre, quero agradecer-te pelos dezassete anos que passámos juntos. Pelos altos e baixos, pelas alegrias e tristezas que partilhámos. Ensinaste-me muitas coisas. Por exemplo, que o amor pode ter muitas formas.”
Um murmúrio desconfortável espalhou-se pela sala. Sara torcia um guardanapo, evitando o olhar de todos.
“E também me ensinaste a prestar atenção aos detalhes,” Leonor continuou. “Principalmente aos financeiros.”
Começou a exibir os documentos:
“Aqui está o empréstimo do teu carro, feito em conta conjunta. Aqui estão os impostos em atraso da tua empresa. E isto — e isto é particularmente interessante — são os recibos de restaurantes e joalharias do último ano. Suponho que querias impressionar a Sara.”
Alexandre empalideceu. Sara ergueu a cabeça bruscamente.
“Mas o mais importante,” Leonor disse, tirando o último documento, “é o nosso acordo pré-nupcial. Lembras-te de o assinar sem ler? Há uma cláusula interessante sobre a divisão de bens em caso de infidelidade.”
O silêncio na sala tornou-se ensurdecedor.
“O apartamento está em meu nome,” continuou Leonor. “Já congelei as contas. E o pedido de divórcio foi entregue ontem à noite.”
Virou-se para a Sara:
“Querida, tens a certeza de que queres ligar a tua vida a um homem sem casa, sem poupanças, mas com muitas dívidas?”
“Com licença, tenho que ir,” Sara disse baixinho.
Dona Margarida abanou a cabeça:
“Alexandre, como pudeste? Não te criámos assim.”
“Mãe, tu não entendes…” Alexandre começou, mas o pai interrompeu-o:
“Não, filho, tu é que não entendes. Dezassete anos não são brincadeira. E tu estragaste tudo — por uma aventura com uma aluna?”
Os amigos à mesa permaneceram em silêncio, evitando os olhares uns dos outros. Apenas o Rui, melhor amigo de Alexandre desde a escola, murmurou:
“Alexandre, fizeste mesmo asneira.”
Leonor continuou de pé, segurando a taça.
“Sabes o que é mais engraçado? Todos estes anos pensei que o nosso amor era único. Que éramos como aqueles casais de contos de fadas que ficam juntos até ao fim. Ignorei as tuas noites no trabalho, as tuas chamadas estranhas, as tuas gravatas e camisas novas.”
Bebeu um gole.
“E depois comecei a reparar nos recibos. Joias, o restaurante ‘O Cisne’, o spa… Engraçado, não é? Levaste-a aos mesmos sítios onde me levaste.”
Sara voltou, mas não se sentou. Ficou à porta, agarrada à mala.
“Alexandre, acho que precisamos de conversar. A sós.”
“Claro, amor,” ele levantou-se, mas Leonor deteve-o com um gesto.
“Espera. Ainda não acabei. Lembras-te do nosso primeiro apartamento? Aquele T0 na periferia? Éramos felizes lá. Disseste que só precisávamos um do outro.”
Sorriu.
“E agora olha para ti. Fatos caros, um carro de luxo, uma amante jovem… Mas a piada é: tudo isto foi construído sobre mentiras e dívidas.”
A voz de Sara tremia: “Disseste-me que já estavas divorciado. Que vivias separado. Que ias comprar um apartamento para nós.”
“Sarinha, eu explico tudo.”
Um silêncio pesado encheu a sala. Sem dizer mais nada, Sara virou-se e saiu a correr.
“Leonor,” Alexandre disse, segurando a cabeça. “Porque é que estás a fazer isto?”
“Porquê?” ela riu-se. “O que esperavas? Que eu chorasse e te implorasse para ficares? Que me arrastasse a teus pés?”
Olhou à volta.
“Sabes o que é mais giro? Eu amava-te mesmo. Cada ruga, cada cabelo grisalho. Até o teu ressonar à noite me parecia encantador. Estava pronta para envelhecer contigo, para criar netos.”
“Filha,” sussurrou Dona Margarida, “talvez não valha a pena.”
“Não, Mãe, vale,” Leonor ergueu a voz pela primeira vez naquela noite. “Que todos saibam. Que saibam como o teu filho contraiu empréstimos para comprar prendas às amantes. Como usou o dinheiro da casa. Como mentiu a mim, a ti, a todos.”
Espalhou mais um documento:
“E isto é especialmente interessante. Lembras-te, Alexandre, há três meses, pediste-me para assinar uns papéis? Disseste que eram paraLeonor fechou a porta do apartamento pela última vez, respirou fundo o ar fresco da noite lisboeta e sorriu, sentindo pela primeira vez em anos a leveza da liberdade.