Hoje, enquanto escrevo no meu diário, lembro-me daquela maratona. No meio da prova, um rapaz pobre e negro dava tudo de si, correndo por um futuro melhor. A vitória estava ao seu alcance. Mas, quando se aproximava da líder, ela desmaiou. Sem hesitar, ele parou. Levantou-a nos braços e ajudou o único médico a salvar-lhe a vida. Desistiu da corrida. Não houve aplausos, nem holofotes, apenas silêncio. Dois dias depois, quando menos esperava, o pai dela apareceu à sua porta—e o que aconteceu a seguir mudou a sua vida para sempre. Antes de continuar, qual é o teu desporto favorito?
Diogo não parecia um corredor. Não daqueles que treinam com equipamentos caros ou bebem isotónicos. Tinha catorze anos, era magro, pele escura e olhar sereno. Todos os dias, antes do sol nascer sobre as casas do bairro social onde vivia, Diogo já estava de pé—o seu sopro visível no ar frio enquanto entregava jornais na bicicleta velha, depois corria parte do caminho para a escola para poupar tempo.
Os seus ténis—se ainda se podiam chamar disso—estavam a desfazer-se. As solas eram finas como cartão. Um atacador tinha sido substituído por um fio descarnado, e o tecido estava tão rasgado que as meias, também rotas, apareciam a cada passo. Mesmo assim, quando corria, movia-se com uma elegância e força que fazia as pessoas pararem para olhar, mesmo sem perceberem porquê.
Diogo vivia com a mãe, o pai e dois irmãos mais novos num apartamento minúsculo. O pai trabalhava de noite numa bomba de gasolina, e a mãe limpava casas quando conseguia horas. Diogo sabia como as coisas estavam apertadas. Sabia quais as contas em atraso, quais os interruptores que não funcionavam, e quando não havia comida suficiente, dizia que não estava com fome para o irmão mais novo poder comer mais. Era a vida—dura, silenciosa, sem muitas escolhas. Mas Diogo tinha uma coisa: sabia correr.
Não sabia porquê, mas era rápido. E mesmo que ninguém reparasse, correr fazia-o sentir-se forte como nada mais. Isso mudou no dia em que o Sr. Mendes o viu correr.
Foi na aula de educação física. A escola não tinha equipamento decente, por isso a maioria dos alunos caminhava na pista. Diogo não. Partiu quando o professor deu o sinal e deixou toda a turma para trás, os ténis rotos a bater no chão a cada passo. O Sr. Mendes—cabelo grisalho, magro e de olhar afiado—já tinha visto muitos jovens. Mas algo em Diogo chamou-lhe a atenção. Ex-corredor, o Sr. Mendes percebia de técnica, e a forma de Diogo—o ritmo, a cadência natural—era inconfundível.
Depois da aula, o Sr. Mendes aproximou-se. “Já pensaste em treinar a sério?”
Diogo encolheu os ombros. “Não tenho tempo. Trabalho depois das aulas.”
O Sr. Mendes não insistiu, mas observou. Na semana seguinte, esperou à porta da escola. Quando Diogo saía do supermercado onde trabalhava, levava água, um cronómetro e, mais tarde, um par de ténis antigos mas resistentes do seu próprio armário.
“Não são nada de especial,” disse, entregando-os. “Mas duram mais do que os que tens.”
Diogo hesitou. “Os meus pais não vão gostar,” murmurou. “Eles acham que correr é perder tempo.”
E achavam. A mãe foi clara. “Diogo, correr não paga contas. Não compra os remédios da tua irmã. Tu trabalhas, estudas e um dia arranjas um emprego decente. É assim que sobrevivemos.” O pai pouco falava, mas o olhar dele—cansado—dizia o mesmo. Não eram maus. Estavam assustados. Já tinham visto demasiados sonhos levarem a lado nenhum.
Mas Diogo decidiu. Não discutiu, não implorou. Apenas começou a acordar mais cedo. Continuou a correr depois do trabalho, do jantar, à noite. Corria sob os candeeiros da rua, por becos e através de pátios de escola vazios—o seu sopro cortando o ar frio. Manteve as notas altas, fez os trabalhos de casa e encaixou o treino no meio de tudo, porque, lá no fundo, queria mais—não só para si, mas para a família.
O Sr. Mendes viu tudo. Nunca pressionou. Ficava à beira da pista com o cronómetro e um olhar de confiança. E quando abriram as inscrições para a maior maratona do distrito, o Sr. Mendes pagou a taxa do seu bolso e inscreveu Diogo.
“Não tens de ganhar,” disse. “Mas acho que deves correr com quem acredita que consegue.”
Diogo olhou para o papel—o seu nome abaixo de miúdos de colégios privados e treinos de elite—e acenou. “Vou.” Não sabia o que vinha a seguir. Apenas sabia que, acontecesse o que acontecesse, não ia parar de correr.
Nos dias que se seguiram, Diogo correu como se o mundo estivesse a ver—mesmo que, no início, ninguém estivesse. Todas as noites, depois de arrumar caixas no supermercado, encontrava-se com o Sr. Mendes na pista velha atrás da escola. Não havia luzes, nem multidões—apenas o som dos ténis na gravilha, a respiração de Diogo e o Sr. Mendes a marcar os tempos com o mesmo cronómetro gasto.
“Estás mais rápido,” dizia o velho. “Mas não é só velocidade; é coração. É isso que faz grandes corredores.”
Na escola, nem todos viam assim. Alguns colegas notaram os treinos de Diogo e não se calaram.
“Olha quem quer ser herói,” troçou um, olhando para os ténis remendados. “Vai para as Olimpíadas?”
Outro riu-se. “Espero que o prémio chegue para atacadores novos.”
O pior foi Rúben Sousa, um aluno do lado rico da cidade—alto, presunçoso e cheio de sorrisos afiados. O pai era presidente da câmara municipal, e Rúben nunca deixava ninguém esquecer. Já tinha aparecido no jornal local como o futuro do atletismo escolar. Quando soube que Diogo ia correr a maratona, riu-se alto.
“Espero que não tropeces nesses sapatos de pobre,” disse. “Isto não é uma corrida de caridade.”
Diogo não respondeu. Não tinha tempo a perder com barulho, mas doía. Até o Sr. Mendes ouvia sussurros na sala dos professores.
“Estás a dar falsas esperanças a esse miúdo,” disse um treinador. “Fazê-lo achar que pode competir com atletas de academia. Isso não é incentivo; é crueldade.”
Mas o Sr. Mendes não cedeu. “A diferença entre esperança e crueldade,” respondeu, “é saber se alguém está disposto a lutar por ela.”
Em casa, as coisas não eram fáceis. A maratona aproximava-se, e os turnos de Diogo aumentavam. A mãe arranjara um segundo emprego a limpar um hotel à beira da autoestrada, e o pai adormecia em pé. Uma noite, quando Diogo chegou a casa tarde do treino, encontrou a irmã mais nova a respirar com dificuldade. A asma dela tinha piorado, e os remédios acabaram naquela manhã. A mãe segurava-a no sofá, com os olhos cheios de lágrimas.
“Devia ter feito horas extra,” murmurou Diogo, sentindo o peso no peito.
“Não,” a mãe respondeu, voz suave. “Já fazes tudo o que podes. É só… estamos cansados, filho.Diogo pegou nos ténis velhos do Sr. Mendes, colocou-os cuidadosamente numa caixa debaixo da cama e sorriu, sabendo que, mesmo sem troféus, já tinha ganho mais do que jamais imaginara.