História de mistério sobrenatural em uma pequena cidade, Santa Cora era uma vila esquecida no mapa, perdida entre montes e vinhas. Quem lá vivia dizia que o tempo corria devagar, como se o relógio tivesse preguiça de avançar. As ruas de pedra, as casas caiadas de branco e as varandas cheias de flores davam-lhe um ar pacato. Mas, por trás da aparência tranquila, todos sabiam que havia algo estranho.
Não era apenas superstição. Santa Cora tinha uma história pesada. Muitos diziam que, antigamente, fora construída sobre um antigo cemitério de monges. Outros falavam de rituais misteriosos realizados no bosque atrás da igreja. Seja como for, havia sempre uma sensação de que a vila guardava segredos.
O regresso de Helena
Helena, uma jovem de 26 anos, regressou a Santa Cora depois de dez anos em Lisboa. Tinha crescido ali, mas a família mudara-se quando ela era adolescente. Agora voltava sozinha, em busca de paz, após uma fase difícil.
— Aqui não há trânsito, não há pressas, não há barulho — pensava. — Talvez seja o lugar certo para recomeçar.
Alugou uma casa antiga perto do centro, uma construção de dois andares com janelas grandes. Era bonita, mas tinha um ar estranho. À noite, Helena jurava ouvir passos no andar de cima, mesmo estando sozinha.
O encontro com o vizinho
Certo dia, enquanto arrumava caixas, o vizinho do lado, o senhor Álvaro, aproximou-se. Era um homem idoso, de olhar carregado e voz grave.
— Voltaste para a casa dos Tavares? — perguntou, surpreso.
— Sim, consegui alugar por um preço bom.
— Hum… bom preço, claro… ninguém a quer.
Helena franziu o sobrolho.
— Como assim?
— Não sabias? Essa casa tem fama. Dizem que está amaldiçoada desde a morte da última família que viveu lá.
Helena riu nervosa, tentando disfarçar o arrepio que sentiu.
— São só histórias, senhor Álvaro.
Mas no fundo ficou intrigada.
O diário encontrado
Dias depois, enquanto limpava o sótão, encontrou uma caixa antiga. Dentro havia fotografias amareladas e um diário. O diário pertencia a uma rapariga chamada Laura, que vivera na casa nos anos 70.
Helena começou a ler:
“As noites estão a ficar mais estranhas. Oiço vozes no corredor, mesmo quando todos dormem. A mãe diz que é imaginação, mas eu sei o que ouvi. Ontem, vi uma sombra passar pelo quarto do meu irmão. Ele chorava, dizia que uma mulher de véu preto o observava.”
Helena fechou o diário, com a respiração acelerada. Era coincidência? Ou seria a mesma sensação que agora ela própria sentia?
O primeiro acontecimento
Naquela noite, acordou com o som de uma cadeira a arrastar-se no andar de baixo. Desceu devagar, o coração a bater forte. A sala estava vazia, mas a cadeira da mesa estava afastada, virada para a porta, como se alguém tivesse estado sentado ali, à espera.
De repente, a lâmpada piscou e ouviu um sussurro ao seu ouvido:
— Laura…
Helena congelou. O nome era o da rapariga do diário.
O café da vila
No dia seguinte, decidiu ir ao café central. Sentou-se ao balcão e puxou conversa com a dona, uma senhora simpática chamada Rosa.
— Sabe alguma coisa sobre a família Tavares? — perguntou Helena.
Rosa olhou em volta, baixou a voz e respondeu:
— Melhor não mexer nessas histórias, menina. Mas já que perguntas… a filha mais velha, Laura, desapareceu sem deixar rasto. Uma noite, foi vista pela última vez a sair de casa. Nunca voltou. Alguns dizem que fugiu, outros acreditam que…
Rosa fez uma pausa.
— Que algo a levou.
Helena sentiu um frio percorrer-lhe a espinha.
O bosque
Decidida a saber mais, começou a explorar a vila. Todos os caminhos pareciam levar ao bosque atrás da igreja. O lugar tinha árvores enormes, tão densas que mal deixavam a luz passar.
Enquanto caminhava, ouviu risadas infantis, mas não havia ninguém. As folhas moviam-se como se alguém passasse correndo. Ao fundo, viu uma cruz de pedra partida, coberta de musgo.
No chão, encontrou algo enterrado pela metade: uma pulseira antiga. Quando a apanhou, percebeu que tinha as iniciais “L.T.” gravadas.
— Laura Tavares… — murmurou.
O regresso da sombra
Nessa noite, os fenómenos tornaram-se mais fortes. A porta do quarto bateu sozinha, o espelho embaciou como se alguém tivesse respirado perto dele, e, escrito no vapor, surgiu uma frase:
— “Ajuda-me.”
Helena agarrou o diário de Laura e leu de novo. Havia uma última entrada:
“Se alguém encontrar isto… procure no bosque. É lá que tudo começa e acaba.”
A revelação do padre
No domingo, Helena foi à missa da igreja local. Depois da cerimónia, procurou o padre, um homem idoso de expressão cansada.
— Padre, o que sabe sobre a família Tavares?
Ele suspirou fundo.
— Aquela casa nunca devia ter sido habitada. O pai de Laura era obcecado por rituais antigos. Dizia que queria proteger a família, mas acabou por abrir portas que não devia. Acreditamos que Laura foi vítima disso.
Helena sentiu um nó na garganta.
— Então ela… ainda está lá?
— Talvez. Presa entre este mundo e o outro.
O clímax
Determinada, Helena voltou ao bosque à noite, levando a pulseira e o diário. Chegou à cruz partida e deixou os objetos no chão.
— Laura, eu sei que estás aqui. Quero ajudar-te.
O vento aumentou, as árvores gemeram. De repente, uma figura feminina apareceu à frente dela: cabelos compridos, rosto pálido, olhos cheios de dor.
Era Laura.
— Eles nunca me deixaram sair… — disse a aparição, com voz trémula.
— Quem? — perguntou Helena.
— As sombras. Elas ainda vivem na casa. Alimentam-se do medo.
Laura aproximou-se e segurou a mão de Helena.
— Liberta-me. Queima o diário.
O fogo
No regresso a casa, Helena fez exatamente isso. Colocou o diário na lareira e acendeu o fogo. As chamas iluminaram a sala, e ouviu gritos ecoarem pelas paredes, como se algo estivesse a ser expulso.
A cadeira que sempre se movia caiu no chão. O espelho rachou. Depois, silêncio absoluto.
A sombra que tantas noites a aterrorizara desapareceu.
O desfecho
Na manhã seguinte, Helena voltou ao bosque. Onde antes havia apenas a cruz partida, agora repousava uma flor branca fresca. Era como um sinal de agradecimento.
A partir desse dia, a casa deixou de ter fenómenos estranhos. Os passos, os sussurros e as sombras nunca mais voltaram.
Helena decidiu ficar em Santa Cora. Percebeu que, ao desvendar o mistério, não só ajudara Laura, como também encontrara o seu lugar no mundo.
Epílogo
Os moradores continuam a comentar a coragem dela, mas poucos se atrevem a entrar naquela casa. Para eles, Santa Cora será sempre uma vila cheia de segredos.
E quem passa pelo bosque em noites de luar diz que às vezes vê uma rapariga sorridente entre as árvores, finalmente livre.