O céu noturno sobre Lisboa brilhava alaranjado enquanto as chamas devoravam os andares superiores de um prédio nobre na Avenida da Liberdade.
As sirenes tocavam, a polícia segurava a multidão, e os bombeiros gritavam nos rádios. Mas todos os olhos estavam fixos na janela do décimo segundo andar, onde um menino ficara preso.
O nome dele era Tomás Mendes — filho único do bilionário Ricardo Mendes. O rosto pálido do menino encostava-se ao vidro, tossindo enquanto o clarão do fogo tremeluzia atrás dele.
O pai acabara de chegar num SUV preto, ainda de terno, gritando com os bombeiros e oferecendo cheques em branco. Mas nenhum dinheiro do mundo conseguiria conter o avanço das chamas.
**O Desespero de um Pai**
Os bombeiros tentaram escadas, mas o calor os obrigou a recuar. Ventos fortes alimentavam o fogo, tornando qualquer tentativa perigosa.
“Precisamos de mais tempo!” gritou o chefe dos bombeiros. Mas todos sabiam que Tomás não tinha dez minutos.
Ricardo Mendes berrava por um helicóptero, exigindo que alguém salvasse seu filho. Ninguém se mexeu. O medo paralisou a multidão.
**Uma Mãe no Meio da Multidão**
Entre os espectadores estava Ana Pereira, uma jovem de 22 anos, de calças gastas e um casaco desbotado.
Ela acabara de sair do turno noturno numa pastelaria e caminhava para casa. Nos braços, envolta num cobertor cor-de-rosa, dormia sua filha de nove meses, Leonor.
Ana não tinha ligação alguma com o menino no prédio — nenhuma razão para arriscar a vida. Mas, ao ver as mãozinhas dele batendo no vidro, o peito apertou. Ela conhecia aquele desespero.
**A Decisão de Agir**
Quando parte do décimo segundo andar desabou, Tomás gritou. A segurança de Ricardo tentou de tudo, sem sucesso.
A multidão continuou imóvel.
Exceto Ana.
Apertando a bebê no colo, ela ultrapassou a barreira. Um polícia tentou detê-la, mas ela gritou: “Eu consigo entrar pela escada! Deixem-me passar!”
O homem hesitou, olhando para ela incrédulo. A porta estava aberta, fumo a escapar — mas ninguém ousara entrar.
“Ela está maluca,” alguém murmurou.
Mas Ana não parou. Cobriu o rosto de Leonor com o casaco e desapareceu no prédio em chamas.
**Dentro do Inferno**
A escada era sufocante. O calor queimava-lhe o rosto, a fumaça arranhava-lhe a garganta. Sussurrou para a filha: “Está tudo bem, a mamã está aqui,” e subiu, os ténis martelando os degraus de cimento.
No nono andar, os pulmões ardiam. Agachou-se, segurando Leonor no quadril. A bebê resmungou, mas ficou quieta.
Ana lembrou-se do seu antigo apartamento no Bairro Alto, onde o risco de incêndio sempre a preocupara. Agora, corria direto para o pesadelo que sempre temera.
**Encontrando Tomás**
No décimo segundo andar, a fumaça envolveu-a como um véu. Arrancou um pedaço da manga, tapou o nariz e tropeçou pelo corredor.
As labaredas rastejavam pelo teto. O tapete queimava sob seus sapatos.
Na névoa, avistou uma pequena figura encolhida contra a parede.
“Tomás!” gritou.
O menino levantou o rosto, o rosto sujo de fuligem cheio de terror.
Ela ajoelhou-se. “Estou aqui, peguei-te,” murmurou, puxando-o para perto.
“Quem és tu?” ele tossiu.
“Não importa. Vamos sair daqui.”
**A Fuga**
Atrás deles, parte do teto desabou, lançando faíscas. A escada que usara podia estar bloqueada.
Olhou freneticamente até avistar outra saída de emergência ao fundo.
Equilibrando a filha num braço e Tomás no outro, avançou. O peito pedia ar, a tontura ameaçava, mas ela recusou-se a parar.
Quando chegou à outra escada, o ar fresco acariciou-lhe o rosto como um milagre.
A voz de Tomás tremia: “Pensei que ninguém viria.”
Ana beijou a testa de Leonor. “Não podia deixar-te sozinho.”
**Fora da Fumaça**
Finalmente, a porta do rés-do-chão abriu-se.
A multidãoRicardo abraçou o filho com lágrimas nos olhos e, ao olhar para Ana, percebeu que a verdadeira riqueza não estava nos milhões que tinha no banco, mas na coragem de quem nada tinha a perder.