A esposa, Leonor Mendes, grávida de seis meses, ficou parada no acostamento. As mãos tremiam sobre a barriga, os olhos arregalados de incredulidade.
Era para ser uma noite feliz. O Afonso tinha acabado de buscar o carro de luxo da concessionária no centro de Lisboa. Leonor sorrira o dia todo, animada para o primeiro passeio com o marido. Imaginava os dois rindo, escolhendo nomes para o bebê, sonhando com a futura família.
Mas o sonho desfez-se no momento em que o Afonso parou o carro bruscamente numa rua tranquila do subúrbio.
— Sai já! — rosnou.
Leonor piscou os olhos, achando que era brincadeira. — Afonso… o que estás a dizer? Está escuro, eu não vou…
— É a sério! — cortou ele, o tom cortante. — Vais estragar a sorte do meu carro novo. Não devias ter vindo.
Desapertou o cinto dela e praticamente a empurrou para fora do carro. Leonor tropeçou, mal conseguindo manter-se em pé. A porta bateu com força, e o Afonso acelerou, as luzes traseiras sumindo na noite.
Por alguns segundos, ela ficou imóvel sob o poste de luz. Depois, a realidade caiu como um balde de água fria. Ele realmente a abandonara. O marido — o homem que um dia ajoelhara para beijar sua barriga e prometera eternidade — deixara-a na rua por causa de uma superstição.
O vento estava frio. Enrolou os braços em si mesma, sentindo vergonha e dor. Uma cólica aguda atingiu sua barriga, e o pânico subiu-lhe à garganta. — Por favor, não agora — sussurrou. — Fica calminho, meu amor.
Um carro parou ao lado. A janela abriu-se, revelando uma senhora de meia-idade com olhos bondosos. — Querida, está tudo bem? Precisa de ajuda?
Leonor hesitou, mas a preocupação na voz da mulher derrubou seu orgulho. — Sim… por favor — murmurou.
A mulher, Margarida Silva, ajudou-a a entrar no carro e ofereceu-lhe água. Durante o caminho, o telemóvel de Leonor vibrou. Era o Afonso.
“Para de chorar. Vais superar.”
“Já te disse, não quero estragares o meu carro.”
“Não sejas dramática.”
Cada mensagem era como uma facada no coração.
Margarida reparou nas lágrimas silenciosas e disse, suave: — Querida, um homem que te trata assim não merece ser pai. Tu e o teu bebê merecem paz.
Naquela noite, Leonor sentou-se no sofá do apartamento, olhando para a parede. Percebeu a verdade que ignorara por muito tempo: a arrogância do Afonso não era novidade — apenas mostrava sua verdadeira face.
E, com a mão sobre a barriga, sussurrou: — Não vou deixar-te crescer neste meio.
Na manhã seguinte, o Afonso agiu como se nada tivesse acontecido. Assobiava na cozinha enquanto via avaliações de carros no telemóvel. — Devias ter visto as caras na concessionária — gabou-se. — Todos olharam quando saí. Este carro é um monstro.
Leonor, pálida e calada, mexia o chá. Os olhos inchados de chorar, mas o Afonso nem notou — ou não quis notar.
— Porque estás assim? — perguntou. — Já te disse para não exagerares. Andas muito emotiva. Sê grata por eu te sustentar.
Leonor não respondeu. Mas, por dentro, o coração endurecera. Não havia bondade naquele homem. Apenas ego.
Naquela tarde, quando o Afonso saiu, ligou para o irmão, Ricardo Mendes. Ele sempre detestara o Afonso; desde o início percebera a sua arrogância. Quando Leonor contou o que acontecera, o silêncio do outro lado da linha foi pesado.
Finalmente, Ricardo disse: — Faz as malas. Vens para cá. Não vou permitir que ele te trate assim.
As mãos tremiam enquanto arrumava as roupas. Cada pontapé do bebê lembrava-lhe porque precisava ser forte. Olhou em volta — cada foto, cada recordação — e percebeu que já não pertencia àquele lugar.
Antes de sair, deixou um bilhete na cozinha:
“Escolheste o carro em vez da família. Não vou deixar que escolhas pelo meu filho também. — Leonor.”
Quando o Afonso chegou e viu o roupeiro vazio, explodiu. Ligou, deixou mensagens furiosas, até andou pela cidade à procura dela. Mas Leonor não atendeu.
Na casa do irmão, cercada de amor, finalmente sentiu-se segura. Dormiu em paz pela primeira vez em meses.
Os dias viraram semanas. Concentrou-se na gravidez, entrou em aulas pré-natais online, falou com um advogado. O Afonso, entretanto, desmoronava. Os colegas ficaram a saber — o Ricardo tratou disso. Os murmúrios seguiam-no por todo lado.
O homem que só se importava com aparências agora sentia-se humilhado. E, pela primeira vez, arrependeu-se.
Dois meses depois, numa manhã fresca de primavera, Leonor entrou em trabalho de parto. O irmão levou-a ao hospital, segurando sua mão. Horas depois, o pranto deu lugar ao riso quando a enfermeira lhe entregou uma menina pequenina.
— Bem-vinda ao mundo, Beatriz — sussurrou, com lágrimas nos olhos.
O Afonso soube do nascimento por um amigo. Foi direto ao hospital. O traje, antes impecável, estava amarrotado; os olhos, cansados. O homem orgulhoso parecia pequeno.
Ao entrar no quarto, congelou. Leonor estava sentada, sorrindo para a Beatriz, com o Ricardo ao lado. As enfermeiras ignoraram-no.
— Vim… ver a minha filha — disse baixinho.
Leonor ergueu o olhar, serena mas distante. — A nossa filha não precisa de um pai que põe a mãe na rua — afirmou. — Perdeste esse direito quando escolheste o teu ego em vez da família.
A voz do Afonso quebrou. — Leonor, por favor. Errei. Vou mudar.
Ela balançou a cabeça. — A Beatriz merece melhor. Pensa no homem que queres ser — mas eu já não vou esperar.
O Afonso saiu em silêncio. Sentou-se no seu Mercedes, os bancos de couro frios e mortos. Pela primeira vez, só sentiu vazio. O carro que simbolizava sucesso agora era um monumento ao seu fracasso.
Leonor, entretanto, floresceu. Mudou-se para uma casa acolhedora, arranjou trabalho remoto, cercou-se de quem realmente importava. A Beatriz cresceu saudável e feliz, o riso enchendo a casa de luz.
O Afonso às vezes via-as de longe — Leonor a levar a Beatriz ao parque, rindo sob o sol. Sentia então o peso do que perdera.
Trocar o amor pela vaidade, a família pelo orgulho — e agora, não tinha nenhum dos dois.
E a Leonor? Nunca olhou para trás.