Garoto de sete anos pagou motoqueiros para atacarem o namorado da mãe

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O motociclista olhou para os sete euros em moedas que o menino moribundo empurrou pela cama do hospital, implorando: “Machuquem o homem que fez isto.”

Ele chamava-se Tiago. Sete anos. Hemorragia interna. Costelas partidas. Inchaço no cérebro. As máquinas que o mantinham vivo soavam como se já chorassem por ele.

A mãozinha dele agarrou o meu colete de couro com a pouca força que lhe restava, e sussurrou com os dentes partidos:

“O dinheiro da fada dos dentes,” disse, sangue a borbulhar nos lábios. “Juntei tudo. Sete euros. É o suficiente para contratar motociclistas, certo? Para magoar pessoas más? Por favor. Antes que ele mate a minha irmãzinha também.”

A enfermeira tentou puxá-lo para trás, pedindo que descansasse, mas Tiago não soltou o meu colete. Os olhos dele, um inchado, o outro verde-claro e desesperado, perfuraram-me.

“Ele disse à Mãe que ia fazer parecer um acidente. Que eu tinha caído. Mas eu não caí. Ele empurrou-me pelas escadas catorze vezes até algo dentro de mim partir.”

Foi aí que percebi que isto não era sobre vingança. Era o testemunho de uma criança a morrer. E nós éramos as suas únicas testemunhas.

Ando na estrada há quarenta e dois anos. Carlos “Touro” Mendes. Sessenta e seis anos. Já vi guerra. Já vi morte. Pensei que já tinha visto tudo.

Mas não tinha visto nada até aquela terça-feira no Hospital D. Estefânia.

Estávamos lá para a nossa visita mensal. A ler para as crianças. A levar peluches. Cinco de nós dos Cavaleiros – eu, Zé Grande, Fumega, Viana, e Lata. Fazíamos isto há anos. As crianças adoravam o couro, as motas no parque de estacionamento que viam da janela.

O quarto 318 não estava na nossa lista. Ouvimos choro lá dentro. Não era de criança. Era de adulto. O tipo de choro que vem de uma alma a ser dilacerada.

Uma enfermeira saiu, o rosto branco.

“Está tudo bem?” perguntou Zé Grande.

“Não,” murmurou, olhando em volta. “Nada está bem. Aquele menino… o que lhe fizeram…” Parou. “Não devia dizer nada.”

“Que menino?” perguntei.

Ela olhou para os nossos coletes. Para os nossos emblemas. Tomou uma decisão.

“Tiago Silva. Sete anos. Chegou há duas horas. Caiu das escadas, diz a mãe. Mas sou enfermeira pediátrica há vinte anos. Crianças não ficam com feridas defensivas de quedas.”

“Feridas defensivas?”

“As mãos. Cortadas. Como se tivesse tentado proteger-se de algo. Ou de alguém.”

O choro do quarto intensificou-se. Uma voz de mulher: “Por favor, meu amor, acorda. A mãe pede desculpa. A mãe pede tanta desculpa.”

“Podemos visitá-lo?” perguntei.

“Só família. Mas…” Olhou para o quarto, depois para nós. “A mãe foi à casa de banho. Se por acaso entrassem por trinta segundos…”

Entrámos.

Tiago era tão pequeno naquela cama. Máquinas por todo o lado. Tubos. Fios. O rosto dele estava tão inchado que mal se reconhecia. Ambos os braços engessados. Ligaduras no torso.

Mas os olhos estavam abertos. Um mal se via, de tão inchado. Mas aberto.

Ele viu-nos e não pareceu assustado. A maioria das crianças, ao ver cinco motociclistas grandes entrar, entraria em pânico. Mas não o Tiago.

“Anjos?” sussurrou. “Já morri?”

“Não, miúdo,” disse baixinho. “Somos só motociclistas. Visitamos crianças.”

“Motociclistas?” O olho bom dele abriu-se um pouco mais. “A verdade? Como na TV? Os que protegem as pessoas?”

“Sim, miúdo. A verdade.”

Foi então que tentou sentar-se. Não conseguiu. As máquinas começaram a apitar. Mas ele esticou a mão por baixo da almofada, puxou um saquinho de pano. Moedas tilintaram lá dentro.

“Tenho dinheiro,” disse. “Sete euros. Em moedas. Da fada dos dentes.”

“Isso é ótimo, miúdo—”

“Não!” Agarrou o meu colete com a mão enfaixada. “Ouçam. Por favor. Preciso de vos contratar.”

“Contratar-nos?”

“Para magoarem ele. O Ricardo. O namorado da Mãe. Antes que ele magoe a Leonor.”

“Quem é a Leonor?”

“A minha irmãzinha. Tem dois anos. Ele disse que ela é a próxima. Disse que se eu contasse a alguém o que ele faz, a Leonor também cai das escadas.”

Zé Grande ajoelhou-se ao lado da cama. “Tiago, o que é que o Ricardo faz?”

“Empurra. Bate. Queima.” Levantou um pouco o roupão do hospital. Cicatrizes velhas. Queimaduras de cigarro. Marcas de cinto. Camadas de abuso. “Mas eu nunca contei. Nunca. Nem quando a professora perguntou. Nem quando o médico perguntou. Por causa da Leonor.”

“Porque é que estás a contar-nos?” perguntou Viana.

“Porque estou a morrer,” disse Tiago, simplesmente. “Sinto. Algo partiu-se dentro de mim. A sério. E quando eu morrer, ninguém vai proteger a Leonor.”

“A tua mãe—”

“A Mãe tem medo. O Ricardo também bate nela. Mas em sítios que não se veem. Ela tenta parar às vezes, mas ele é mais forte.”

A porta abriu-se. Uma mulher entrou – magra, exausta, com hematomas mal escondidos sob a maquilhagem.

Ela viu-nos e entrou em pânico. “Quem são vocês? Sa”Passados três anos, ainda carrego uma das moedas do Tiago no bolso, lembrando-me que a coragem de uma criança, por mais pequena que seja, pode mudar o mundo.”

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