*Diário Pessoal*
Era uma noite chuvosa em Sintra. Ana estava sentada no chão gelado, abraçando o ventre que já começava a arredondar-se. Na sala, Eduardo conversava em voz baixa com uma mulher cuja identidade não exigia explicações. Já não tinha forças para questionar: tudo estava claro.
Tinha sacrificado tudo: voltara a trabalhar, ajudara Eduardo a montar o restaurante dele em Sintra e humilhara-se. Mas quando o negócio prosperou, as primeiras palavras que ouviu foram: «Agora amo-te.»
A princípio, pensou que suportaria. Pela criança. Mas quando Eduardo atirou a ecografia ao chão e disse, friamente: «Faz o que tens a fazer, eu pago tudo», percebeu que não havia mais nada a recuperar.
Em silêncio, arrumou na mochila umas roupas e as economias que juntara. Antes de sair, olhou para a foto de casamento na parede e sussurrou: «Não vou chorar mais.»
Pegou o autocarro para o Porto: uma cidade grande o suficiente para se esconder, suficientemente longe para não ser encontrada, suficientemente nova para recomeçar.
Chegando lá, já estava no quinto mês de gravidez. Sem casa, sem família, sem trabalho… apenas o desejo ardente de viver pelo filho.
Conseguiu emprego como empregada de mesa num pequeno tasco perto da Ribeira. A dona, dona Lurdes, compadeceu-se dela e ofereceu-lhe um quartinho atrás da cozinha. «A vida de mulher é assim. Às vezes, tens de ser mais corajosa do que pensas», dizia-lhe.
Em outubro, nasceram no hospital distrital duas meninas gémeas. Chamou-as Inês e Beatriz, com a esperança de que fossem fortes e inteiras, como os nomes que deixavam antever.
Passaram-se sete anos. Ana tinha agora uma pequena floricultura na Rua da Prata, suficiente para sustentar as três. As gémeas eram brilhantes: Inês, risonha; Beatriz, séria… mas ambas loucas pela mãe.
Numa noite de Natal, ao ver o telejornal, Ana viu Eduardo no ecrã: um empresário bem-sucedido em Sintra, dono de uma cadeia de restaurantes, casado com Carolina, a antiga amante. De mãos dadas, sorriam para a câmara como uma família perfeita.
Mas o sangue de Ana já não ferveu. A raiva apagara-se; ficaram apenas a deceção e um riso amargo.
Olhou para as filhas, lindas e cheias de vida. Meninas que o pai quisera que abortasse, mas que agora eram a sua maior força.
Naquela noite, escreveu no Facebook, onde estava em silêncio há sete anos:
«Voltei. E não sou mais a Ana de antes.»
*O Regresso*
Depois do Natal, Ana voltou a Sintra com as gémeas. Alugou uma casinha perto do centro e adotou o nome de Leonor Santos.
Não queria o reconhecimento de Eduardo. Apenas que ele provasse o mesmo sabor amargo da rejeição e da humilhação.
Candidatou-se como coordenadora de eventos na cadeia de restaurantes dele. Sob a nova identidade, depressa se destacou como Leonor: profissional, firme, afável. Eduardo não a reconheceu—pelo contrário, parecia fascinado pelo carisma daquela funcionária.
—«Pareces-me familiar. Já nos cruzámos antes?» — perguntou ele numa festa da empresa.
Leonor sorriu, com um brilho frio no olhar:
—«Talvez seja um sonho. Mas sou o tipo de mulher que se esquece fácil.»
Um estranho desconforto apertou-lhe o peito.
*A Descoberta*
Semanas depois, Eduardo sentiu-se cada vez mais atraído por Leonor. Ela, por sua vez, foi deixando pistas: a música que ele ouvia sem parar, o prato que costumava fazer*O Desfecho*
E quando ele finalmente caiu de joelhos, pedindo perdão, Leonor simplesmente sorriu e fechou a porta, sabendo que a verdadeira vitória não estava na vingança, mas na liberdade de seguir em frente.