A mansão Sousa erguia-se imponente e silenciosa, com seus pisos de mármore a brilhar sob a luz ténue dos lustres. Lá fora, o vento do inverno arranhava as altas janelas de vidro, sacudindo-as com cada rajada gelada. Dentro, porém, o ar era denso e pesado. Um calor que se agarrava mais às paredes do que aos corações daqueles que ali viviam.
Grace ajustou o seu uniforme de empregada azul-petróleo e esfregou o braço por cima das luvas finas de limpeza. O antebraço ainda ardia onde um hematoma, roxo e profundo, começara a surgir mais cedo. Há muito aprendera que os hematomas eram mais fáceis de esconder do que palavras ditas fora de hora. Na casa dos Sousa, o silêncio era sobrevivência.
Durante catorze horas estivera de pé, a esfregar, a lustrar, a tirar o pó, mas o trabalho não terminava ali. Os gémeos choraram até à exaustão no início da noite, e Grace fora a única a consolá-los. Os seus gritos ecoaram pelo ar durante o que pareceu uma eternidade, e mais ninguém apareceu.
Os meninos, com apenas três meses, repousavam agora sobre um cobertor fino estendido no tapete, vestidos com os seus macacões azuis claros idênticos. Os peitinhos subiam e desciam em uníssono, frágeis e serenos. As suas faces coradas tocavam-se suavemente enquanto dormiam, à procura de calor—não do pai ou da família, mas da única mulher que ficara.
Grace ajoelhou-se ao lado deles, o corpo dorido, o espírito esgotado. Quando fora contratada, seis meses atrás, disseram-lhe que o seu papel seria apenas o de limpar a casa, mas a realidade revelara-se rapidamente. As amas iam e vinham, nunca ficando mais do que algumas semanas. Quando partiam, ninguém as substituía. Era mais fácil para os Sousa exigir que Grace assumisse o papel de cuidadora do que procurar ajuda.
A mãe dos meninos partira desde o parto, as suas memórias sussurradas entre a equipa, como se pronunciar o seu nome pudesse perturbar-lhe o descanso. Eduardo Sousa, o pai, era um homem cujo nome comandava respeito nas salas de reuniões e cujas decisões movimentavam mercados. No entanto, dentro da sua própria casa, era um fantasma. Grace observou os gémeos a dormir, o coração pesado de amor e preocupação.
Mais cedo, um deles tivera febre, os punhinhos crispados de dor, enquanto o outro gritara até a garganta lhe falhar. Grace embalara-os, cantarolara e acalmara-os como pôde. Agora, os braços tremiam-lhe de cansaço. Não ousara colocá-los no quarto deles. O aposento era demasiado frio, os berços demasiado rígidos.
Por isso ficara ali, onde o tapete retinha o calor da luz dourada do candeeiro. A exaustão arrastava-a. Deitou-se ao lado dos meninos, a face repousando no braço, a mão enluvada estendida em proteção sobre o cobertor. Ouviu as respirações suaves, prometendo a si mesma que não fecharia os olhos. Mas a fadiga traiu-a.
Seria só por um instante.
A casa estava em silêncio quando a porta da frente se abriu. Eduardo Sousa entrou, os passos firmes, o fato azul-marinho impecável, a gravata vermelha perfeitamente alinhada. Trazia a mala numa mão, enquanto a outra soltava o botão do casaco. Ao avançar, parou abruptamente.
Ali, na sala, estava a sua empregada, deitada no tapete, a cabeça junto aos seus filhos.
Os gémeos dormiam no chão, as faces encostadas ao cobertor macio. O braço de Grace estendia-se até à borda, uma sentinela silenciosa. Ele reparou no hematoma, leve mas inegável. A sua voz cortou o silêncio como uma lâmina.
—O que raio se passa aqui?
Grace acordou sobressaltada, o coração aos saltos. Sentou-se rapidamente, os olhos a saltarem entre ele e os meninos. Um dos bebés choramingou.
—Fiz-te uma pergunta — pressionou Eduardo, avançando. — Porque é que os meus filhos estão no chão? Porque é que estás deitada ali? — Ele hesitou, o olhar fixo no hematoma. — O que aconteceu ao teu braço?
Grace engoliu em seco, a voz suave.
—Eles estavam a chorar. Precisavam…
—Eles têm uma ama para isso! — rosnou ele.
Pela primeira vez, ela não recuou.
—Não têm. Sou só eu.
Um lampejo de dúvida cruzou o rosto dele, mas o tom manteve-se gelado.
—Vamos falar. Agora. No meu escritório.
O peito de Grace apertou-se ao olhar para os gémeos, ainda adormecidos, tão pequenos e alheios. Levantou-se devagar, os joelhos rígidos de tantas horas no chão.
O escritório estava escuro, iluminado apenas pelo lume. As sombras dançavam sobre os traços angulosos de Eduardo enquanto ele largava a mala.
—Explica. — a voz dele era uma ordem.
As mãos de Grace tremiam, mas as palavras firmaram-se.
—Os gémeos não têm cuidados adequados há semanas. A última ama despediu-se, e ninguém a substituiu. Eu limpo, cozinho, tomo conta deles porque mais ninguém o faz. Hoje, um deles teve febre. Não podia deixá-lo no quarto gelado. Por isso fiquei com eles no sítio mais quente que encontrei.
A mandíbula dele contraiu-se.
—E porque estavas deitada?
Grace encarou-o. O peito tremia-lhe, mas manteve-se firme.
—Porque estava exausta. Trabalho desde o amanhecer. Não como desde o almoço. Quando eles pararam de chorar, fiquei perto caso acordassem. Não queria adormecer. Mas se tivesse de o fazer outra vez, fá-lo-ia. Eles sentiram-se seguros.
Algo mudou na expressão de Eduardo. A ira esmoreceu, substituída por um peso.
—O hematoma? — perguntou.
Grace tocou no braço, instintivamente.
—Um dos seus convidados, na festa da semana passada. Empurrou-me quando passava com uma bandeja. Caí. Ninguém reparou. — Fez uma pausa. — Ou talvez ninguém se importasse.
Eduardo ficou imóvel. Recordou-se daquela noite. O champanhe, as risadas, o barulho dos negócios e das ligações que ele não vira.
Ou talvez não tivesse olhado.
—Devias ter-me dito — murmurou ele.
—Terá importado? — a voz dela quebrou. — O senhor não os vê, Sr. Sousa. Não vê os seus filhos. Tudo o que eles têm sou eu. E nem sequer sou ninguém aqui. Sou só a criada.
O lume crepitou. O silêncio alongou-se. Eduardo virou-se para a janela, o reflexo pintado pela luz alaranjada, assombrado pelas memórias da falecida esposa e dos dias em que se enterrara no trabalho.
Por fim, disse:
—Fica aqui.
Saiu do escritório abruptamente. Grace ficou parada, sem saber o que esperar. Momentos depois, ele regressou com dois cobertores azuis do quarto dos meninos. Sem uma palavra, ajoelhou-se—verdadeiramente ajoelhou-se—ao lado dos filhos. Com cuidado, enrolou os cobertores em torno dos corpos pequeninos. Grace observou, a garganta apertada.
Nunca o vira curvar-se assim, tão baixo, tão suave.
—São mais pequenos do queEduardo passou os dedos pela face de um dos bebés, sentindo pela primeira vez o calor frágil da vida que havia negligenciado, e Grace, vendo aquele gesto hesitante, soube que alguma coisa dentro dele, por fim, despertara.