Chamo-me Inês. Tenho 32 anos e sou diretora financeira numa grande empresa.
Subi a pulso porque, há uma década, a minha própria família me expulsou sem nada.
Quando tinha seis anos, a minha mãe desapareceu. Fugiu com outro homem, deixando um bilhete a dizer que “não aguentava mais ser mãe”. Durante três anos, foi só o meu pai e eu. Ele fez o que pôde, e tínhamos uma rotina tranquila.
Aos nove anos, ela reapareceu — a chorar, a pedir perdão, e com uma menina nos braços. Um teste de ADN provou que a criança, Leonor, era filha do meu pai. Ele perdoou-a, casaram-se outra vez, e eu jurei que a vida ia voltar ao que era.
Nunca estive tão enganada.
Desde o dia em que ela regressou, tornei-me invisível. Toda a atenção passou para a Leonor. Tudo girava em torno dela. Quando me formei como melhor aluna, apareceram mas saíram a meio — a Leonor tinha futebol.
Quando consegui uma bolsa de estudo noutra cidade, fiquei feliz. Depois da universidade, voltei para casa, achando que podia ficar uns meses à procura de emprego.
“Podes ficar duas semanas”, disse o meu pai, sem emoção.
“A Leonor já tem dezasseis anos. Precisa do seu espaço.”
“Já és adulta, Inês”, acrescentou a minha mãe.
“Está na hora de te sustentares.”
Acabei por ficar em casa de uma amiga, arranjei trabalho, e construí uma carreira do zero. Estava farta deles.
Dez anos depois, a minha assistente entrou no meu gabinete. “Inês, há um homem aqui que diz ser o seu pai.”
Desci e lá estava ele — frágil, pálido, envelhecido antes do tempo.
“Tenho cancro”, confessou, baixinho, num café.
“Pâncreas. Os médicos dão-me dois ou três anos.”
Apesar de tudo, continuava a ser o meu pai. “Lamento”, disse, com sinceridade. “O que posso fazer?”
Ele respirou fundo. “A casa. Estou com as prestações em atraso. Quase a ser executada. Quero que a compres. Se liquidares a dívida, é tua. Assim, a tua mãe e a Leonor ficam com o lar delas.”
Olhei para ele. O homem que me pôs na rua agora suplicava que salvasse o teto deles. A minha primeira reação foi rir. Mas depois pensei. Andava à procura de imóveis, e o valor daquela casa tinha disparado.
“Está bem”, concordei. “Vou comprá-la.”
Dois meses depois, os papeis estavam assinados. Eu era a dona da casa onde cresci. A minha mãe e a Leonor não faziam ideia.
Uns meses mais tarde, o meu pai convidou-me para jantar. Foi tão tenso como esperava. O meu pai parecia aliviado, a minha mãe fria, e a Leonor passou o jantar a gabar-se da viagem à Europa, do seu Mercedes novo, e da mala de marca que custara milhares — tudo pago com o dinheiro que eu dera ao meu pai. Limitei-me a sorrir e a comer.
Seis meses passaram. O estado do meu pai piorou. Comecei a passar lá depois do trabalho, já que a minha mãe e a Leonor se recusavam a lidar com “coisas desagradáveis”. Acabei por voltar a dormir no meu quarto de criança, a pedido dele.
Três meses depois, o meu pai morreu. Segurei-lhe a mão enquanto ele dava o último suspiro. A minha mãe e a Leonor tinham saído para comprar roupa para o funeral.
No dia seguinte ao enterro, voltei do cemitério e encontrei as minhas coisas em sacos do lixo no jardim. As fechaduras tinham sido trocadas.
“Sai daqui, Inês!”, gritou a minha mãe lá de dentro. “Esta casa é nossa. Já não moras aqui.”
Não discuti. Enchi o carro e fui-me embora, sabendo o que vinha a seguir.
Dois dias depois, no escritório do advogado, a minha mãe, a Leonor, e o namorado dela, o Tiago, sorriam como se já tivessem ganho.
O advogado leu: à minha mulher, metade da conta bancária. À Leonor, o resto e todos os bens da casa. À Inês, a minha coleção de livros.
A Leonor gritou: “E a casa?”
O advogado franziu a testa. “Não consta do testamento.”
“O quê?!”, berrou a minha mãe. “Ele era o dono!”
“Não segundo os registos”, respondeu o advogado. “O imóvel foi vendido há mais de um ano.”
Um silêncio incrédulo invadiu a sala.
“Isto é impossível!”, disse a minha mãe.
Levantei-me devagar. “Não há engano. Eu comprei a casa há mais de um ano.”
A Leonor ficou branca. “Tu o QUÊ?”
Tirei a escritura. “O pai precisava de dinheiro. Eu ajudei. Tudo legal, registado, em ordem.”
“Estás a mentir!”, guinchou a Leonor.
O advogado examinou o documento. “Parece válido.”
A minha mãe agarrou-o, com a voz a tremer. “Burla! Enganaste-o!”
“Ninguém foi enganado”, respondi, calma. “Ele pediu ajuda. Eu ajudei. Fim da história.”
“Tu sabias!”, a Leonor apontou-me o dedo. “Tu sabias que nós pensávamos que íamos herdá-la!”
“Assumiram”, retorqui, gelada. “E, já agora, têm duas semanas para sair.”
“Duas semanas?!”, exclamou a minha mãe. “Isso é impossível!”
“Deviam ter pensado nisso antes de atirar as minhas coisas para o jardim”, disse, saindo.
Na semana seguinte, o telefone tocou sem parar. A minha mãe aos gritos, a Leonor a ameaçar. Ignorei tudo.
Duas semanas depois, fui lá. Havia uma carrinha de mudanças na entrada. Por dentro, a casa estava vazia — móveis, eletrodomésticos, até os assentos da sanita tinham ido. Só ficaram os livros do meu pai.
A Leonor olhou para mim, com lágrimas nos olhos.
“Isto é culpa tua! Estamos num apartamento de merda por tua causa!”
“Não”, respondi, tranquila. “Estão aí porque esbanjaram a herança em luxos em vez de serem responsáveis.”
Saíram sem mais uma palavra.
Fiquei de pé, na minha casa vazia, e sorri.
Meses depois, soube que a minha mãe voltara a trabalhar a tempo inteiro. A Leonor vendeu o carro e arranjou emprego numa loja. O Tiago deixou-a logo que percebeu que ela não era rica.