**Diário Pessoal**
Chamo-me Mariana. Tenho 32 anos e sou diretora financeira numa grande empresa.
Conquistei este lugar com unhas e dentes porque, há dez anos, a minha própria família expulsou-me de casa sem nada.
Quando tinha seis anos, a minha mãe desapareceu. Fugiu com outro homem, deixando apenas um bilhete a dizer que “não aguentava mais ser mãe.” Durante três anos, fui só eu e o meu pai. Ele esforçou-se, e tínhamos uma rotina estável.
Aos nove, ela reapareceu — a chorar, a pedir perdão e com uma menina ao colo. Um teste de ADN confirmou que a criança, a Beatriz, era filha do meu pai. Ele perdoou-a, voltaram a casar, e eu pensei que a vida regressaria ao que era antes.
Nunca estive tão enganada.
A partir do momento em que ela voltou, tornei-me invisível. Toda a atenção passou para a Beatriz. Tudo girava à volta dela. No meu discurso de finalista, como melhor aluna, até apareceram, mas saíram a meio — a Beatriz tinha futebol.
Quando ganhei uma bolsa de estudos noutra cidade, fiquei feliz. Depois da licenciatura, voltei para casa, pensando que poderia ficar uns meses à procura de emprego.
“Podes ficar duas semanas,” disse o meu pai, seco.
“A Beatriz já tem 16 anos. Precisa do seu espaço.”
“Já és crescida, Mariana,” acrescentou a minha mãe.
“Está na hora de te sustentares.”
Acabei por ficar em casa de uma amiga, arranjei trabalho e construí uma carreira do zero. Para mim, aquela família tinha deixado de existir.
Dez anos depois, a minha assistente entrou no escritório. “Mariana, há um homem aqui que diz ser o seu pai.”
Desci e lá estava ele — frágil, pálido, mais velho do que devia.
“Tenho cancro,” confessou, baixinho, num café.
“No pâncreas. Os médicos dão-me dois ou três anos.”
Apesar de tudo, continuava a ser o meu pai. “Lamento,” disse, com sinceridade. “O que posso fazer?”
Ele respirou fundo. “A casa. Estou atrasado nos pagamentos. Quase a perder tudo. Quero que a compres. Se liquidares a dívida, é tua. Assim, a tua mãe e a Beatriz mantêm um teto.”
Olhei para ele. O homem que me expulsara agora suplicava que salvasse a casa deles. A minha primeira reação foi rir. Mas depois pensei melhor. Andava à procura de imóveis, e o valor daquela casa tinha disparado.
“Está bem,” concordei. “Eu compro.”
Dois meses depois, os papéis estavam assinados. A casa onde cresci era minha. A minha mãe e a Beatriz não faziam ideia.
Uns meses mais tarde, o meu pai convidou-me para jantar. Foi tão tenso como esperava. O meu pai parecia aliviado, a minha mãe fria, e a Beatriz passou o jantar a gabar-se da viagem à Europa, do seu novo Mercedes e da mala de designer que custara milhares — tudo pago com o dinheiro que eu dera ao meu pai. Limitei-me a sorrir e a comer.
Seis meses passaram. O estado do meu pai piorou. Comecei a ir lá todos os dias depois do trabalho, já que a minha mãe e a Beatriz recusavam lidar com “as coisas desagradáveis.” Acabei por voltar a dormir no meu quarto de infância, a pedido dele.
Três meses depois, o meu pai faleceu. Segurei-lhe a mão na sua última respiração. A minha mãe e a Beatriz tinham saído para comprar roupas para o funeral.
No dia seguinte, voltei do cemitério e encontrei as minhas coisas em sacos do lixo no jardim. Tinham mudado as fechaduras.
“Vai-te embora, Mariana!” gritou a minha mãe lá de dentro. “Esta casa é nossa. Já não vives aqui.”
Não discuti. Enchi o carro e fui-me embora, sabendo o que viria a seguir.
Dois dias depois, no escritório do advogado, a minha mãe, a Beatriz e o namorado dela, o Tiago, sorriam como se já tivessem ganho.
O advogado leu: à minha esposa, metade das poupanças. À Beatriz, o resto e todos os bens da casa. À Mariana, a minha coleção de livros.
A Beatriz gritou: “E a casa?”
O advogado franziu a testa. “Não está no testamento.”
“O quê?!” cortou a minha mãe. “Era dele!”
“Não, de acordo com os registos,” respondeu o advogado. “O imóvel foi vendido há mais de um ano.”
Um silêncio atordoado pairou na sala.
“Isso é impossível!” exclamou a minha mãe.
Ergui-me devagar. “Não há erro. Eu comprei a casa há mais de um ano.”
A Beatriz empalideceu. “Tu o QUÊ?”
Tirei a escritura. “O pai precisava de dinheiro. Ajudei-o. Tudo legal e registado.”
“É mentira!” guinchou a Beatriz.
O advogado examinou o documento. “Parece válido.”
A minha mãe arrebatou-o, com a voz a tremer. “Isto é fraude! Enganaste-o!”
“Ninguém foi enganado,” disse, calma. “Ele pediu ajuda. Eu ajudei. Fim da história.”
“Tu sabias!” apontou a Beatriz. “Sabias que nós achámos que íamos herdar a casa!”
“Supuseram,” respondi, gelada. “E já agora, têm duas semanas para sair.”
“Duas semanas?!” gritou a minha mãe. “Isso é impossível!”
“Deviam ter pensado nisso antes de atirarem as minhas coisas para o jardim,” retorqui, saindo.
Na semana seguinte, o telemóvel não parou de tocar. A minha mãe a chorar, a Beatriz a ameaçar. Ignorei tudo.
Duas semanas depois, fui lá. Havia uma carrinha de mudanças à porta. Lá dentro, a casa estava desfeita — sem móveis, eletrodomésticos, nem mesmo os assentos da sanita. Só os livros do meu pai continuavam lá.
A Beatriz encarou-me, com lágrimas nos olhos.
“Isto é culpa tua! Estamos num apartamento de merda por tua causa!”
“Não,” respondi, serena. “Estão aí porque esbanjaram a herança em luxos em vez de serem responsáveis.”
Saíram sem mais uma palavra.
Fiquei de pé, na minha casa vazia, e sorri.
Meses depois, soube por acaso que a minha mãe voltara a trabalhar a tempo inteiro. A Beatriz vendeu o carro e arranjou emprego numa loja. O Tiago desapareceu logo que percebeu que ela não era rica.