Criança Pede a Motociclistas para Ferir Namorado da Mãe

5 min de leitura

O motociclista olhou para os sete euros em moedas de vinte cêntimos que o menino moribundo empurrou pela cama do hospital, implorando: “Machuquem o homem que fez isto.”

O nome dele era Tomás. Sete anos. Hemorragia interna. Costelas partidas. Edema cerebral. Os aparelhos que o mantinham vivo soavam como se já estivessem a chorar por ele.

A pequena mão dele agarrou o meu colete de couro com a pouca força que lhe restava, e ele sussurrou através dos dentes partidos.

“O dinheiro da fada dos dentes,” disse, com sangue a borbulhar nos lábios.

“Juntei tudo. Sete euros. É o suficiente para contratar motociclistas, certo? Para magoar pessoas más? Por favor. Antes que ele mate a minha irmãzinha também.”

A enfermeira tentou puxá-lo para trás, dizendo-lhe para descansar, mas Tomás não soltou o meu colete. Os olhos dele, um inchado e fechado, o outro verde e desesperado, perfuraram-me.

“Ele disse à Mãe que faria parecer um acidente. Como se eu tivesse caído. Mas eu não caí. Ele empurrou-me pelas escadas catorze vezes até algo dentro de mim partir.”

Foi então que percebi que isto não era sobre vingança. Era o testemunho de uma criança a morrer. E nós éramos as únicas testemunhas.

Ando na estrada há quarenta e dois anos. António “Touro” Santos. Sessenta e seis anos. Vi guerra. Vi morte. Pensei que já tinha visto tudo.

Mas não tinha visto nada até essa sexta-feira no Hospital de Santa Maria.

Estávamos lá para a visita mensal. A ler para as crianças. A trazer peluches. Cinco de nós dos Falcões — eu, o João Grande, o Fumega, o Lisboa e o Lata. Fazíamos isto há anos. As crianças adoravam o couro, as motas no estacionamento que viam das janelas.

O quarto 312 não estava na nossa lista. Ouvimos choros lá dentro. Não de criança. De adulto. Daqueles que vêm de uma alma dilacerada.

Uma enfermeira saiu a correr, o rosto pálido.

“Está tudo bem?” perguntou o João Grande.

“Não,” sussurrou ela, olhando em volta. “Nada está bem. Aquele menino… o que lhe fizeram…” Parou. “Não devia dizer nada.”

“Que menino?” perguntei.

Ela olhou para os nossos coletes. Para os nossos emblemas. Tomou uma decisão.

“Tomás Mendes. Sete anos. Chegou há duas horas. Caiu das escadas, segundo a mãe. Mas sou enfermeira pediátrica há vinte anos. Crianças não ficam com ferimentos defensivos por cair.”

“Ferimentos defensivos?”

“As mãos dele. Cortadas. Como se tivesse tentado proteger-se de algo. Ou de alguém.”

O choro do quarto intensificou-se. Uma voz de mulher: “Por favor, meu amor, acorda. A mãe pede desculpa. A mãe pede tanta desculpa.”

“Podemos visitá-lo?” perguntei.

“Só família. Mas…” Ela olhou para o quarto, depois para nós. “A mãe dele foi à casa de banho. Se por acaso entrassem por trinta segundos…”

Entrámos.

Tomás era tão pequeno naquela cama. Máquinas por todo o lado. Tubos. Fios. O rosto inchado, irreconhecível. Ambos os braços engessados. Ligaduras à volta do torso.

Mas os olhos estavam abertos. Um mal se via, devido ao inchaço. Mas abertos.

Ele viu-nos e não pareceu assustado. A maioria das crianças, ao ver cinco motociclistas grandes, entraria em pânico. O Tomás, não.

“Anjos?” sussurrou. “Já morri?”

“Não, miúdo,” disse suavemente. “Somos só motociclistas. Visitamos crianças.”

“Motociclistas?” O olho bom dele abriu um pouco mais. “A sério? Como na TV? Os que protegem as pessoas?”

“Sim, miúdo. A sério.”

Foi então que ele tentou sentar-se. Não conseguiu. As máquinas começaram a apitar. Mas ele alcançou debaixo da almofada, puxou um saquinho de pano. Moedas tilintavam lá dentro.

“Tenho dinheiro,” disse. “Sete euros. Em moedas de vinte. Da fada dos dentes.”

“Isso é ótimo, miúdo—”

“Não!” Agarrou o meu colete com a mão enfaixada. “Ouçam. Por favor. Preciso de vos contratar.”

“Contratar-nos?”

“Para magoá-lo. O Rui. O namorado da Mãe. Antes que ele magoe a Mafalda.”

“Quem é a Mafalda?”

“A minha irmãzinha. Tem dois anos. Ele disse que ela é a próxima. Disse que se eu contasse a alguém o que ele faz, a Mafalda também cai das escadas.”

O João Grande ajoelhou-se ao lado da cama. “Tomás, o que é que o Rui faz?”

“Empurra. Bate. Queima.” Puxou um pouco o roupão do hospital. Cicatrizes antigas. Queimaduras de cigarro. Marcas de cinto. Camadas de abuso. “Mas nunca contei. Nunca. Nem quando a professora perguntou. Nem quando o médico perguntou. Por causa da Mafalda.”

“Porque é que nos estás a contar?” perguntou o Lisboa.

“Porque estou a morrer,” disse Tomás, simplesmente. “Sinto-o. Algo partiu-se dentro de mim. Mesmo partido. E quando eu morrer, ninguém vai proteger a Mafalda.”

“A tua mãe—”

“A mãe tem medo. O Rui também lhe bate. Mas em sítios que não se veem. Ela tenta pará-lo às vezes, mas ele é demasiado forte.”

A porta abriu-se. Uma mulher entrou — magra, exausta, com as suas próprias nódoas mal escondidas sob a maquilhagem.

Ela viu-nos e entrou em pânico. “Quem são vocês? Saiam! Saiam!”

“Mãe, não!” chorou o Tomás. “Contratei-os! Com o dinheiro da fada dos dentes! Para protegerem a Mafalda!”

“Tomás, não, meu amor, não. Não podes dizer às pessoas—”

“Ele está a morrer, Mãe!” A voz do Tomás era mais forte do que devia ser. “Estou a morrer e tu sabes, e quando eu morrer, o Rui vai matar a Mafalda!”

A mãe desmoronou-se. Caiu no chão, soluçando.

“Não posso deixá-lo,” sussurrou. “Ele vai levar a Mafalda. Tem amigos que são polícias. Advogados. Disse que a vai levar e eu nunca mais a volto a ver.”

“Onde está o Rui agora?” perguntei.

“Casa. Com a Mafalda. Disse para eu dizer que o Tomás caiu. Disse que se eu não dissesse, se alguém suspeitasse, ele tem maneiras de fazer crianças desaparecerem.”

Tomás empurrou as moedas na minha direção outra vez. “Por favor. Sete euros. Levem-nos.”

“Fica com o teu dinheiro, miúdo,” disse. “Não cobramos por fazer o que é certo.”

“Touro,” avisou o João Grande. “Não podemos envolver-nos em—”

“Claro que podemos.”

Olhei para a mãe do Tomás. “Como te chamas?”

“Sofia.”

“Sofia, vamos ajudar. Mas primeiro, precisamos de provas. Reais.”

“Não há. O Rui é muito esperto. É paramédico. Sabe como magoar sem deixar provas. Faz tudo parecer acidente.”

Tomás falou. “O meu tablet.”Quando a polícia chegou à casa do Rui, encontraram não apenas o tablet escondido sob o colchão, mas também uma lista com nomes de outras crianças que ele e os seus “amigos” tinham magoado, provando que um herói de sete anos não só salvou a irmã, mas também desencadeou uma investigação que resgatou dezenas de vozes silenciadas.

Leave a Comment