Era uma tarde quente em Lisboa, e eu e o meu namorado, João Almeida, estávamos sentados num banco do Jardim da Estrela. As crianças brincavam, os pássaros cantavam, e o sol dourado tingia tudo de uma serenidade que parecia eterna.
Foi então que uma cadela apareceu, vinda de nenhum lugar. Parou a alguns passos de nós, fixando-nos com olhos vigilantes. “Deve ser só mais uma vadiazinha à procura de comida”, murmurou o João, abanando a mão para a afastar. Mas ela não se foi.
Latia sem parar, avançando e recuando, como se tentasse mostrar-nos algo. O barulho tornou-se insuportável, ecoando nos meus ouvidos como um sino. De repente, aproximou-se e colocou as patas dianteiras sobre os meus joelhos. Dei um salto, assustada. “João, tira-a daqui!”, pedi. Mas, antes que ele pudesse agir, a cadela recuou, continuando a ladrar e a rodear-nos, inquieta.
Troquei um olhar com o João—havia algo estranho naquele comportamento. Não era agressividade, mas uma espécie de urgência. Sentava-se, levantava-se, dava dois passos, olhava para trás e ladrava novamente.
Foi então que aconteceu. Num movimento rápido, a cadela agarrou a minha bolsa, que estava ao meu lado no banco, e saiu disparada.
“Meu Deus!”, gritei. Lá dentro estavam os meus documentos, o telemóvel e quase 50 euros. Corremos atrás dela, o coração a bater como um tambor. Mas, à medida que a perseguíamos, percebemos que ela não queria fugir para sempre—olhava para trás, como a garantir-se de que a seguíamos. Se nos atrasávamos, parava por um instante, ladrando alto, antes de continuar a correr.
Atravessámos o jardim, deixando para trás olhares perplexos. Finalmente, ela entrou num beco estreito, escondido entre edifícios antigos, e parou de repente.
Pousou a minha bolsa no chão com cuidado, ofegante. Aproximei-me para a apanhar, mas foi então que vi—um pouco mais adiante, junto a um caixote do lixo, estava um cachorrinho. Gemía baixinho, quase sem forças, uma das patas torcida de forma horrível.
Tudo fez sentido. Era o seu filhote, ferido, provavelmente atropelado ou maltratado. Ela precisava de ajuda e arranjara a única forma de nos obrigar a segui-la—roubar algo que nos importasse.
Não hesitámos. Pegámos no cachorro e corremos para a clínica veterinária mais próxima, no Bairro Alto. A cadela-mãe acompanhou-nos, sem nos perder de vista, os seus olhos inteligentes cheios de medo e esperança.
Enquanto os veterinários tratavam do pequeno, ela sentou-se à porta, imóvel, à espera. Nunca tínhamos visto tamanha devoção num animal.
Naquele instante, percebemos—aquela não era apenas uma cadela. Era uma mãe, disposta a tudo para salvar o seu bebé.