O medalhão de prata em forma de estrela fez o coração de Helena Vaz, uma mulher de 82 anos, parar por um instante. Trinta anos haviam passado desde a última vez que ela vira aquela joia, e agora ela pendia de uma delicada corrente no pescoço de uma jovem garçonete que lhe servia um café numa pequena pastelaria nos arredores de Lisboa.
“Menina”, sussurrou Helena com voz trêmula quando a jovem colocou a xícara sobre a mesa. “Sim, senhora”, respondeu a garota com um sorriso gentil. “Esse medalhão, onde você o conseguiu?” A moça, de uns 25 anos, levou a mão ao pingente instintivamente. Seu cabelo castanho estava preso num coque simples e arrumado.
Seus olhos, de um verde intenso, brilhavam com a mesma tonalidade que os de Isabel. “Foi da minha mãe. Ela me deixou como lembrança. Por que pergunta?” Helena não respondeu de imediato. Ficou observando cada traço daquela jovem, o formato dos lábios, o arco das sobrancelhas, a expressão dos olhos. Tudo lhe lembrava Isabel.
“Como se chama?”, perguntou afinal. “Amélia. Amélia Reis. Minha mãe, Isabel Reis, faleceu há cinco anos.” O mundo de Helena pareceu girar. Isabel, sua filha, aquela que desaparecera há três décadas após uma discussão dolorosa. E Reis, o sobrenome daquele jovem músico a quem Helena proibira de se casar com sua filha.
“Isabel”, murmurou a idosa com um nó na garganta. “Você conheceu minha mãe?” Amélia arregalou os olhos, surpresa. “Talvez. Sente-se, por favor. Preciso lhe contar algo muito importante.” Amélia, confusa, deixou-se cair na cadeira à frente dela. A pastelaria estava quase vazia. Apenas alguns clientes ocupavam as mesas do fundo.
“Esse medalhão”, disse Helena apontando para o colar, “chama-se Polar. Foi feito sob encomenda numa joalheria da Avenida da Liberdade há mais de 35 anos. Meu falecido marido, Ricardo, mandou fabricá-lo para mim no nosso aniversário de casamento.” Amélia franziu a testa. “E como chegou às mãos da minha mãe?” “Porque eu o dei à minha filha no seu 18º aniversário.”
“Minha filha, que se chamava Isabel.” O rosto de Amélia empalideceu. “Sim, querida. Acredito que sua mãe era minha filha, e isso significa que você é minha neta.” Um silêncio pesado pairou entre elas. Amélia olhava descrente para aquela mulher elegante, de porte distinto, com um casaco caro e joias discretas mas finas.
Tentava processar o que acabara de ouvir. “Não pode ser. Minha mãe nunca mencionou ter parentes ricos. Vivíamos com o básico.” “Conte-me sobre ela”, pediu Helena com voz suplicante. “Sua mãe. Como era? O que fazia? O que te contou do passado?” Amélia hesitou por alguns segundos, então começou a falar.
“Mamãe era muito bonita. Tinha cabelo castanho e olhos verdes como os meus. Amava pintar, mas nunca vendeu seus quadros. Trabalhava numa floricultura e às vezes fazia costuras para ganhar um pouco mais.” “Do passado, quase não falava. Só dizia que crescera numa família abastada, mas rompera com eles.”
“E seu pai?”, perguntou Helena quase sem voz. “Daniel Reis era músico, tocava violão em bares e pequenos clubes. Morreu quando eu tinha sete anos. Tuberculose.” Helena fechou os olhos. Daniel Reis, aquele jovem que ela considerara indigno de sua filha. Um músico talentoso, sim, mas pobre, sem futuro ou contatos.
“Após sua morte, mamãe me criou sozinha. Foi difícil, mas ela sempre dizia que nos tínhamos uma, à outra, e que isso bastava.” “Nunca mencionou sua família, só às vezes olhava para o medalhão e ficava triste. Dizia que era uma lembrança de um tempo em que fora feliz.”
Com mãos trêmulas, Helena pegou o telefone da bolsa e mostrou uma foto antiga. Era Isabel aos 18 anos com o medalhão Polar brilhando no pescoço. “Meu Deus”, exclamou Amélia levando a mão à boca. “É minha mãe. De onde é essa foto?” “Porque eu sou sua mãe. Sou sua avó.” Amélia olhou a foto, depois Helena, e novamente a foto. O parecido era inegável.
“Por que ela nunca falou de você?”, perguntou com voz embargada. “Porque brigamos. Eu me opus ao casamento com seu pai. Eu, equivocadamente, achei que proteger minha filha era impedi-la de se unir a um homem sem recursos. Fui orgulhosa e cega. Isabel escolheu o amor e foi embora. Nunca mais a vi.”
“E você a procurou?” “Claro que sim. Contratei detetives, ofereci recompensas, verifiquei hospitais e registros, mas foi como se tivesse sumido. O que nunca entendi foi por que ela não me procurou. Talvez não pudesse perdoar. Ou o orgulho a impedisse.”
Amélia engoliu em seco, ainda atordoada. “E agora, o que quer de mim?” “Conhecê-la, saber como vive, seus sonhos, e, se permitir, entrar em sua vida. Ser a avó que deveria ter sido.” Amélia baixou os olhos para suas mãos ásperas do trabalho na pastelaria. Olhou as de Helena, bem cuidadas, adornadas com anéis valiosos.
“E se estiver enganada? Se eu não for sua neta?” “Então serei feliz por ter conhecido uma jovem maravilhosa que me lembra minha filha. Mas esse medalhão é único. Ninguém mais poderia tê-lo.” Amélia respirou fundo. “O que propõe?” “Venha à minha casa amanhã. Traga seu filho, se quiser. Mostre-me o que guarda de sua mãe e, se desejar, faremos um teste de DNA.”
Amélia hesitou um instante, mas aceitou. “Tudo bem, amanhã após o almoço. Mas se isto for um engano…” “Não é engano, querida, é um milagre.” Helena anotou um endereço num guardanapo. Amélia o pegou e leu, incrédula. “O Palácio Vaz como na corporação internacional?” “Exatamente. Eu sou Helena Vaz.” Amélia quase deixou cair o guardanapo. Sabia muito bem quem era aquela mulher.
“Fala sério?” “Muito séria. Amanhã espero você com seu filho e as lembranças de sua mãe.” Helena levantou-se, deixou uma nota de 100 euros sobre a mesa para pagar os cafés e dirigiu-se à porta. Antes de sair, voltou-se. “A propósito, você estudou? Tem algum sonho?” “Estudava design, mas tive que largar quando meu filho nasceu. Trabalho onde posso para nos sustentar.”
“Amanhã falamos sobre isso também.” E, com passos elegantes, saiu, deixando Amélia com o coração acelerado, um guardanapo na mão e mil perguntas na cabeça. O palácio dos Vaz superava todas as expectativas de Amélia. Atrás dos altos portões de ferro forjado estendiam-se jardins impecavelmente cuidados, caminhos ladeados de rosas, fontes que pareciam saídas de um palácio europeu.
O prédio principal, com suas torres e janelões, tinha o ar solene de um castelo antigo. Amélia caminhava de mãos dadas com seu filho, Leandro, um menino de 8 anos de olhar vivo e cabelo castanho-claro. O pequeno observava tudo com espanto. “Mãe, temos certeza que é aqui mesmo?”, sE, enquanto o sol se punha sobre os jardins do palácio, Amélia olhou para Leandro e para Helena, sentindo finalmente que havia encontrado o lar que sua mãe Isabel sempre sonhara para ela.