O medalhão de prata em forma de estrela fez o coração de Helena Varela, uma senhora de 82 anos, parar por um instante. Há mais de 30 anos que não via aquela joia, e agora ela pendia de uma delicada corrente no pescoço de uma jovem empregada que lhe servia um café numa esplanada modesta nos arredores de Lisboa.
“Menina”, sussurrou Helena com voz trémula, quando a rapariga colocou a chávena na mesa. “Sim, senhora”, respondeu a jovem com um sorriso gentil. “Esse medalhão… onde o arranjou?” A moça, de uns 25 anos, levou instintivamente a mão ao colar. O seu cabelo castanho estava apanhado num coque simples.
Os seus olhos verdes brilhavam com o mesmo tom dos de Inês. A filha desaparecida de Helena. “Foi da minha mãe. Deixou-mo como recordação. Porque pergunta?” Helena não respondeu logo. Ficou a observar cada traço da jovem — a forma dos lábios, o arco das sobrancelhas, a expressão dos olhos. Tudo lhe lembrava Inês.
“Como se chama?”, perguntou por fim. “Leonor. Leonor Mota. E a minha mãe era Inês Mota. Faleceu há cinco anos.” O mundo de Helena pareceu desabar. Inês, a sua filha, aquela que desaparecera há três décadas após uma discussão amarga. E Mota, o apelido daquele rapaz músico a quem Helena proibira de casar com a filha.
“Inês”, murmurou a idosa com um nó na garganta. “Conheceu a minha mãe?” Leonor abriu os olhos, surpresa. “Talvez. Sente-se, por favor. Tenho algo muito importante para lhe contar.” Leonor, algo confusa, sentou-se na cadeira à sua frente. O café estava quase vazio. Apenas alguns clientes ocupavam as mesas ao fundo.
“Esse medalhão”, disse Helena, apontando para o colar, “chama-se Estrela-do-Mar. Foi feito por encomenda numa joalharia na Avenida da Liberdade há mais de 35 anos. O meu falecido marido, Ricardo, mandou fazê-lo para o nosso aniversário de casamento.” Leonor franziu o sobrolho.
“E como chegou à minha mãe? Porque eu dei a minha filha no seu 18.º aniversário. À minha filha, que se chamava Inês.” O rosto de Leonor empalideceu. “É isso mesmo, querida. Acho que a tua mãe era minha filha… e isso significa que tu és minha neta.” Um silêncio pesado caiu entre as duas.
Leonor olhava para aquela mulher elegante, de porte distinto, vestida com um casaco caro e joias discretas mas refinadas. Tentava processar o que acabara de ouvir. “Não pode ser. A minha mãe nunca falou de ter família rica. Vivíamos com o pouco que tínhamos.”
“Conta-me dela”, pediu Helena, com voz suplicante. “Da tua mãe. Como era? O que fazia? O que te dizia do passado?” Leonor hesitou uns segundos, depois começou a falar. “A minha mãe era linda. Tinha o cabelo castanho e os olhos verdes como eu. Adorava pintar, mas nunca vendeu os quadros. Trabalhava numa florista e às vezes fazia costuras para ganhar mais algum.”
“Do passado, falava pouco. Só dizia que crescera numa família abastada, mas que rompera com eles.” “E o teu pai?”, perguntou Helena, quase sem voz. “Domingos Mota. Era músico, tocava guitarra em bares e pequenos clubes. Morreu quando eu tinha sete anos. Tuberculose.” Helena fechou os olhos. Domingos, aquele rapaz que considerara indigno da sua filha.
Depois da morte dele, a minha mãe criou-me sozinha. Foi muito difícil, mas ela dizia sempre que nos tínhamos uma à outra, e isso bastava. Nunca falou da família dela. Só às vezes olhava para o medalhão e ficava triste. Dizia que era a lembrança de um tempo em que tinha sido feliz.”
Com mãos trémulas, Helena tirou o telemóvel da mala e mostrou uma fotografia antiga. Era Inês aos 18 anos, com o medalhão Estrela-do-Mar a brilhar no seu pescoço. “Meu Deus”, exclamou Leonor, levando a mão à boca. “É a minha mãe. Donde veio essa foto?”
“Porque eu sou a mãe dela. Sou a tua avó.” Leonor olhou para a foto, depois para Helena, e novamente para a foto. O parecido era inegável. “Porque nunca falou de si?”, perguntou, com voz quebrada. “Porque nos zangámos. Eu opus-me a que casasse com o teu pai. Achava, erradamente, que proteger a minha filha significava impedi-la de se unir a um homem sem fortuna. Fui orgulhosa e cega. Inês escolheu o amor e foi-se embora. Nunca mais a vi.”
“E procurou-a?” “Claro que sim. Contratei detetives, ofereci recompensas, revistei hospitais e registos, mas era como se se tivesse evaporado. Nunca entendi porque é que ela não entrou em contacto. Talvez não me pudesse perdoar. Ou talvez o orgulho a tenha impedido.”
Leonor engoliu em seco, ainda em choque. “E agora? O que quer de mim?” “Conhecer-te. Saber como vives, o que sonhas, o que fazes. E, se me permitires, entrar na tua vida. Ser a avó que devia ter sido.” Leonor baixou o olhar para as suas mãos ásperas do trabalho no café. Olhou para as mãos de Helena, elegantes e adornadas com anéis valiosos.
“E se estiver enganada? Se eu não for sua neta?” “Então ficarei feliz por ter conhecido uma jovem maravilhosa que me fez lembrar a minha filha. Mas esse medalhão é único. Ninguém mais poderia tê-lo.” Leonor respirou fundo. “O que propõe?”
“Vem à minha casa amanhã. Traz o teu filho, se quiseres. Mostra-me o que guardas da tua mãe, e, se quiseres, faremos um teste de ADN.” Leonor hesitou, mas aceitou. “Está bem, amanhã depois do almoço.”
Na manhã seguinte, a mansão dos Varela superava todas as expectativas de Leonor. Atrás dos portões de ferro forjado, estendiam-se jardins imaculados, caminhos ladeados de roseiras, fontes que pareciam saídas de um palácio. O edifício principal, com as suas torres e vitrais, lembrava um castelo antigo.
Leonor caminhava de mão dada com o seu filho, Tomás, um menino de 8 anos de olhar vivo e cabelo castanho-claro. “Mãe, isto é mesmo a casa certa?”, sussurrou ele, tímido. “Sim, querido. Esta senhora pode ser nossa família.”
Um mordomo de fato preto recebeu-os à entrada e conduziu-os à biblioteca. Lá, esperava Helena, impecavelmente vestida com um vestido discreto mas elegante. O cabelo prateado estava cuidadosamente apanhado, e os olhos verdes irradiavam uma inesperada ternura.
“Leonor, querida”, disse, levantando-se de braços abertos. “E este deve ser o Tomás.” O menino acenou, tímido. “Olá”, murmurou. “Olá, campeão. Ouvi dizer que gostas de xadrez.” Os olhos de Tomás iluminaram-se. “Sim, senhora!”
“Tenho aqui um tabuleiro lindo, oferecido por um grande mestre russo. Estou ansiosa para ver os teus movimentos.” O menino sorriu e, pela primeira vez, sentiu-se um pouco mais à vontade.
E no fim, enquanto o sol se punha sobre os jardins da mansão, Leonor abraçou a avó e percebeu que, depois de tantos anos perdidos, tinham finalmente encontrado o que realmente importava: o amor que une uma família.