A Noite em Que Descobri o Segredo Por Trás do Meu Casamento

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**17 de Maio de 2024**

Chamo-me Leonor, tenho vinte e seis anos, nasci numa família humilde na região costeira de Aveiro. O meu pai faleceu cedo, a minha mãe estava sempre doente, e tive de deixar os estudos após o nono ano para trabalhar como empregada doméstica. Depois de muitos anos de luta, finalmente consegui um emprego como criada numa das famílias mais ricas do Porto: a família Sousa.

O meu marido — João Sousa — é o único filho dessa família. Bonito, educado e de temperamento calmo, mas sempre envolto numa distância invisível. Trabalhei lá quase três anos, sempre em silêncio, de cabeça baixa, sem ousar imaginar que poderia fazer parte do seu mundo. Até que um dia, a Dona Margarida Sousa me chamou à sala, colocou à minha frente uma certidão de matrimónio e prometeu:

— Leonor, se aceitas casar com o João, a quinta junto ao lago Azul, na Serra da Estrela, será tua. É o nosso presente de casamento.

Fiquei paralisada. Como poderia uma criada como eu ser comparada ao seu querido filho? Pensei que fosse uma brincadeira, mas o seu olhar era sério. Não entendia porque me haviam escolhido; só sabia que a minha mãe estava gravemente doente e o custo do tratamento era uma carga insuportável. O meu coração pedia para recusar, mas o meu espírito fraco e o medo por ela fizeram-me aceitar.

O casamento foi mais grandioso do que jamais sonhara. Vestia um vestido vermelho bordado a ouro, sentada ao lado do João, de fraque branco, e ainda me parecia um sonho. Mas os seus olhos fitavam-me frios e distantes, como se escondessem um segredo que eu ainda não conhecia.

Na noite de núpcias, o quarto estava cheio de cravos. O João, de camisa branca, tinha o rosto impassível como uma estátua, mas os seus olhos estavam tristes. Quando se aproximou, todo o meu corpo tremia. Foi então que a dura verdade veio à tona.

O João não era como os outros homens… tinha uma condição de nascença que o impedia de ser plenamente marido. Naquele momento, tudo fez sentido: a razão pela qual me deram a quinta; porque permitiram que uma rapariga pobre entrasse numa família rica. Não era por eu ser especial, mas porque precisavam de uma “esposa de aparências” para o João.

As lágrimas escorreram-me pelo rosto — não sabia se por piedade de mim ou por ele. O João sentou-se ao meu lado e sussurrou:
— Perdoa-me, Leonor. Não mereces isto. Sei que fizeste sacrifícios, mas a minha mãe… ela precisa de segurança. Não posso contrariá-la.

À luz do candeeiro, vi que os seus olhos também estavam húmidos. Apercebi-me de que aquele homem frio também sentia uma dor profunda. Não éramos diferentes: ambos vítimas do destino.

Nos dias seguintes, a nossa vida tornou-se estranha. Não havia paixão, apenas respeito e companheirismo. O João era gentil: de manhã perguntava como eu estava, à tarde levava-me a passear pelo lago Azul para ver as montanhas da Serra, à noite jantávamos e conversávamos. Já não me tratava como criada, mas como uma igual. Isso comovia-me, embora soubesse que este casamento nunca seria “completo”.

Uma vez, ouvi a Dona Margarida a falar com o seu médico: tinha um problema no coração e pouco tempo de vida. Temia que, depois dela, o João ficasse sozinho para sempre. Escolheu-me porque me via submissa, trabalhadora e sem ambições; confiava que eu não o abandonaria.

Ao saber a verdade, o meu coração apertou. Pensara que me usaram como “moeda de troca”, mas afinal escolheram-me por amor e confiança. Naquele dia, prometi: acontecesse o que acontecesse, não deixaria o João.

Numa noite de chuva no Porto, o João teve uma forte dor. Assustada, levei-o ao Hospital de Santo António. Inconsciente, apertou a minha mão e murmurou:
— Se um dia te cansares, vai embora. Fica com a quinta. Não quero que sofras por minha causa…

Desatei a chorar. Quando é que ele conquistara o meu coração? Apertei-lhe a mão com força:
— Aconteça o que acontecer, não te deixo. És o meu marido, a minha família.

Depois daquela crise, o João acordou. Ao ver-me ali, os seus olhos encheram-se de lágrimas, mas também de calor. Não precisávamos de um casamento “perfeito”. Tínhamos compreensão, partilha e um amor tranquilo e duradouro.

A quinta junto ao lago Azul já não era um “prémio”, mas um verdadeiro lar. Eu planto flores no alpendre; o João põe o seu cavalete na sala. Todas as noites, sentamo-nos juntos a ouvir a chuva na Serra e a falar dos nossos pequenos sonhos.

Talvez a felicidade não seja perfeição, mas encontrar alguém que, apesar das faltas, queira amar e ficar ao teu lado. E eu encontrei essa felicidade… desde aquela noite de casamento em que tudo tremeu.

*— Escrito por uma alma que aprendeu a ver o amor além das aparências.*

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