A menina ouviu os guardas a falar russo e avisou o milionário para não entrar na reunião. Tinha apenas 7 anos. Mas naquele dia, Beatriz Sousa salvou a vida de um homem que nem sequer conhecia.
Pedro Carvalho estava atrasado. Às 9 da manhã de uma terça-feira qualquer em Lisboa, atravessava o lobby do Hotel Tivoli com passos apressados, carregando sua pasta de couro castanha. Tinha uma reunião importante no décimo andar. Uns investidores russos queriam fechar um negócio de 500 mil euros com a sua empresa de tecnologia. Tudo parecia perfeito, quase perfeito demais. Ao passar pela receção, Pedro quase não reparou na menina. Beatriz estava sentada num sofá de veludo vermelho, balançando as pernas que não chegavam ao chão. Segurava um caderno de colorir, mas os seus olhos castanhos estavam fixos no elevador.
A mãe, Margarida Sousa, trabalhava como gerente de eventos do hotel e precisava acabar uns papéis antes de levar a filha à escola. Pedro carregou no botão do elevador. As portas começaram a abrir.
“Senhor!”, gritou uma voz infantil atrás dele.
Pedro virou-se, surpreso. Beatriz saltara do sofá e corria na sua direção, com os olhos arregalados de medo.
“Não vá a essa reunião”, disse, ofegante, agarrando-lhe a manga do casaco. “Por favor, não vá!”
Pedro olhou para a menina, confuso. “Como sabes que tenho uma reunião?”
“Ouvi os homens a falar”, respondeu Beatriz, rápido, olhando em volta como se tivesse medo que alguém a ouvisse. “Estavam no corredor perto do salão de festas. Falavam russo. Eu entendo russo.”
Pedro franziu a testa. Russo? Isso não fazia sentido. Ajoelhou-se para ficar à altura dela.
“O que é que eles disseram?”
“Disseram que hoje vão roubar muito dinheiro a alguém, que a reunião é uma armadilha”, explicou Beatriz, com a voz a tremer. “Um deles disse que o homem nem sequer vai perceber até ser tarde demais. Senhor, acho que estão a falar de si.”
Pedro sentiu um arrepio. Não conhecia aquela criança, mas havia algo na sinceridade do seu olhar que o fez hesitar. Como é que ela sabia da reunião? E por que raio uma menina de 7 anos falaria russo?
Nesse momento, Margarida apareceu a correr.
“Beatriz, o que é que estás a fazer?”, disse, pegando na mão da filha, envergonhada. “Desculpe, senhor, ela não queria incomodá-lo.”
“Mãe, ouvi os homens!”, insistiu Beatriz. “Eles vão fazer algo mau?”
Pedro olhou para Margarida, depois para Beatriz. Tinha duas opções: ignorar o aviso de uma criança ou confiar numa coisa que parecia absurda.
“Onde aprendeste russo?”, perguntou.
“A minha avó era da Ucrânia”, respondeu Beatriz. “Ela ensinou-me antes de morrer. A mãe não fala, mas eu falo.”
Pedro respirou fundo. Algo dentro dele dizia que devia acreditar nela. Tirou o telemóvel e enviou uma mensagem ao seu advogado:
“Cancela a reunião. Emergência. Não assines nada.”
Margarida olhou para ele, assustada. “Senhor, se a minha filha causou algum problema—”
“Não”, interrompeu Pedro, guardando o telefone. “Acho que ela acabou de me salvar.”
Vinte minutos depois, a PSP chegou ao hotel. A investigação que já durava meses finalmente tinha provas. Os “investidores” russos eram, na verdade, uma quadrilha especializada em fraudes empresariais. A reunião era uma armadilha. Se Pedro tivesse assinado aqueles contratos, teria perdido tudo.
Pedro ficou no lobby, a ver a polícia subir. O seu coração batia depressa. Olhou para Beatriz, agora sentada no colo de Margarida, e sentiu uma gratidão que não sabia explicar. Aquela menina, com o seu caderno de colorir e o seu vestido azul simples, tinha mudado o rumo do seu dia – e, sem saber, o rumo de muitas coisas mais.
Dois dias depois, Pedro voltou ao Hotel Tivoli. Não conseguia parar de pensar em Beatriz e Margarida. Como agradecer a alguém que salvou tudo o que construíste? Flores pareciam pouco, dinheiro parecia frio. Ele precisava fazer algo diferente.
Encontrou Margarida a arrumar cadeiras no salão de eventos. Ela usava um fato preto simples, o cabelo apanhado num coque. Quando viu Pedro, ficou nervosa.
“Senhor Carvalho, bom dia”, disse, alisando o cabelo. “Em que posso ajudá-lo?”
“Quero agradecer. A ti e à tua filha”, respondeu Pedro, sorrindo. “Se não fosse a Beatriz, teria perdido tudo.”
Margarida baixou o olhar. “Ela é muito observadora, sempre foi. Mas deu-me medo que tivesse estragado o seu dia.”
Pedro abanou a cabeça. “Ela salvou-me. E agora tenho uma dívida para convosco.”
“Não nos deve nada”, disse Margarida, rápido. “A Beatriz só fez o que achou certo.”
Pedro notou algo na voz dela: cansaço, preocupação. Conhecia aquele tom. Era o mesmo que ele usava quando tentava esconder problemas.
“Posso perguntar-te uma coisa?”, disse, com cuidado. “Vocês estão bem?”
Margarida hesitou. Não costumava falar da vida pessoal, muito menos com clientes do hotel. Mas havia algo na sinceridade de Pedro que a fez baixar a guarda.
“Estamos bem”, respondeu, mas a voz vacilou. “Só que… criar uma filha sozinha não é fácil. A Beatriz é demasiado inteligente para a idade. Aprende rápido, fala três línguas, tira notas altas, mas não consigo dar-lhe tudo o que ela merece.”
Pedro sentiu um nó na garganta.
“O pai dela não está nas nossas vidas”, acrescentou Margarida, educada mas firme. “Somos só nós as duas. E assim estamos bem.”
Pedro acenou. Não queria ser intrometido, mas uma ideia começava a formar-se na sua cabeça.
“Margarida, quero fazer algo por vocês. Não como pagamento, mas como agradecimiento. Deixa-me pensar em algo que faça sentido.”
Ela quis protestar, mas Pedro já saíra do salão.
Naquela noite, Pedro jantou sozinho no seu apartamento na Avenida da Liberdade. As luzes da cidade brilhavam pela janela, mas ele mal as notava. Pensava em Beatriz, uma menina de 7 anos que falava russo, que prestava atenção onde os adultos não prestavam, que teve a coragem de avisar um desconhecido. Pensou na sua própria vida. Pedro construíra uma empresa de sucesso, tinha dinheiro, reconhecimento, mas não tinha família. Ninguém para quem tudo aquilo realmente importasse.
Pegou no telefone e ligou à sua assistente, Ana.
“Preciso que investigues umas coisas para mim. Com discrição.”
Três dias depois, Pedro tinha a informação que precisava. Margarida ganhava um salário decente, mas não suficiente para dar à Beatriz as oportunidades que a sua inteligência merecia. Não havia dinheiro para escola privada, aulas extra, livros especiais. Margarida fazia milagres com o que tinha, mas estava no limite.
Pedro tomou uma decisão.
Na sexta-feira, esperou que Margarida saísse do trabalho. Ela estava com Beatriz, que carregava uma mochila cor-de-rosa nas costas.
“Posso falar convosco um momento?”, perguntou Pedro.
Margarida ficou surpresa, mas aceitou. Sentaram-se numNo café pequeno da Rua Augusta, Pedro olhou para as duas e sorriu, sabendo que aquela conversa mudaria não só o destino delas, mas também o seu próprio, para sempre.