No dia em que o pequeno Rodrigo apareceu no nosso bar de motociclistas com o dinheiro do seu mealheiro, pensámos que fosse uma brincadeira. Ele perguntou se éramos “motociclistas que protegem as pessoas”, como tinha visto na televisão.
O seu lábio estava partido, o olho roxo e tremia tanto que mal conseguia contar os euros em cima da mesa de bilhar. Mas o que nos contou a seguir — sobre o motivo de precisar de proteção — fez com que todos nós, homens que sobreviveram a guerras, prisões e lutas de rua, sentíssemos uma mistura de raiva e vontade de chorar.
“Magoram a Beatriz,” disse, com a voz quase um suspiro. “Ela tem síndrome de Down e atiraram a cadeira de rodas dela escada abaixo. Contei à professora, mas ela disse que ‘são coisas de miúdos’. Depois disseram que iam bater-me muito amanhã, por ser um dedo-duro.”
O Zé Malhão, o presidente do nosso grupo, olhou para os sete euros em cima da mesa. O nosso preço habitual por segurança era de quinhentos euros por homem. Aquele miúdo não tinha nem para pagar dez minutos de trabalho.
“Miúdo,” disse o Zé, com calma. “Não podemos—”
“Por favor,” o Rodrigo interrompeu, com lágrimas novas a misturarem-se com o sangue seco no rosto. “A minha mãe tem dois empregos. O meu pai foi-se embora. Não tenho mais ninguém. E a Beatriz é minha amiga. Ela não consegue andar, magoaram-na e ninguém quer saber. Eu tenho medo, mas alguém tem de protegê-la.”
O bar ficou em silêncio. Dezassete motociclistas durões, a olhar para um menino de nove anos que tinha gasto todas as suas poupanças para contratar proteção para ele e para a amiga.
“Onde está a Beatriz agora?” perguntou o Zé.
“No hospital. A mãe está com ela. Partiu o braço quando empurraram a cadeira. A escola disse que foi um acidente.” Os punhos pequenos do Rodrigo fecharam-se. “Mas não foi acidente. O Tiago Gonçalves riu-se enquanto ela chorava.”
O Carlos, o nosso segurança, falou: “Quantos anos tem esse Tiago?”
“Doze. Mas é grande. Mesmo grande. E tem seis amigos que fazem tudo o que ele diz.”
Um valentão de doze anos aterrorizar uma rapariga com deficiência e o miúdo de nove que tentou defendê-la. E a escola sem fazer nada.
O Zé pegou nos sete euros. “Isto é mais que suficiente,” disse, sério. “Aceitamos o trabalho.”
Os olhos do Rodrigo abriram-se. “A sério?”
“A sério. Amanhã estamos na tua escola. A que horas?”
“Às quatro. É quando acaba a escola. Disseram que me iam apanhar no parque de estacionamento.”
“Não vão,” prometeu o Zé.
Depois do Rodrigo sair, agarrado ao recibo que o Zé lhe dera — “Serviços de Segurança Pagos na Totalidade” — reunimo-nos.
“Vamos mesmo fazer isto?” perguntou o Carlos.
“Claro que vamos,” respondeu o Zé. “O miúdo gastou tudo o que tinha para proteger a amiga. Isso mostra mais honra do que muitos homens na vida toda.”
No dia seguinte, às três e meia, dezassete motociclistas chegaram à Escola Primária do Vale. Estacionámos as motas em fila à frente da entrada e esperámos. O roncar dos motores fez com que professores e alunos aparecessem às janelas.
Às quatro em ponto, tocou a campainha e as crianças saíram. Ficámos ali, de braços cruzados, em silêncio. Vimos logo o Rodrigo — pequeno para a idade, a caminhar ao lado de uma mulher que empurrava uma cadeira de rodas. A Beatriz, deduzi, com o braço engessado.
Atrás deles vinham seis rapazes mais velhos, liderados por um que era quase duas vezes o tamanho do Rodrigo. O Tiago e a sua turma. Pararam a seco quando nos viram.
“Rodrigo,” chamou o Zé. “És tu?”
O rosto do Rodrigo iluminou-se de alívio e incredulidade. “Vocês vieram!”
“Dissemos que viríamos. Somos homens de palavra.” O Zé olhou para o Tiago e os amigos. “São estes os rapazes de que falaste?”
“Sim, senhor.”
O Zé dirigiu-se ao grupo de valentões, e os outros dezasseis motociclistas seguiram-no. Os amigos do Tiago recuaram, mas ele ficou no seu lugar, tentando parecer durão.
“Tu és o Tiago?” perguntou o Zé.
O rapaz acenou, mas a coragem dele começava a falhar.
“Ouvi dizer que gostas de empurrar raparigas em cadeiras de rodas escada abaixo.”
“Foi um acidente,” disse o Tiago, rápido.
“Engraçado. As testemunhas dizem outra coisa. Dizem que te riste enquanto ela chorava.”
O rosto do Tiago ficou vermelho. “Quem são vocês? Não podem estar aqui.”
“Somos a equipa de segurança do Rodrigo. Ele contratou-nos.” O Zé mostrou o recibo. “Tudo pago. Estamos aqui para garantir que nada lhe aconteça, nem à amiga Beatriz.”
Uma professora saiu a correr. “Desculpem, têm de sair. Isto é propriedade escolar.”
O Zé virou-se para ela, calmo. “A senhora é a professora a quem o Rodrigo contou sobre o bullying?”
Ela empalideceu um pouco. “Isso… foi resolvido internamente.”
“Deixando que continuasse? Chamando a um ataque deliberado um acidente?” A voz do Zé não se elevou, mas a raiva era clara. “Uma criança foi hospitalizada. Outra criança tentou fazer o que era certo e foi ameaçada. Isso não é resolver. Isso é ignorar.”
“Não gosto do seu tom—”
“E eu não gosto que crianças sejam aterrorizadas enquanto os adultos fecham os olhos,” cortou o Zé. “Então digo-lhe o que vai acontecer. Todos os dias às quatro, estaremos aqui. Vamos acompanhar o Rodrigo e a Beatriz até casa. E se alguém — mas alguém mesmo — lhes tocar, vai ter de responder a nós.”
“Não pode ameaçar crianças!”
“Não é ameaça. É proteção. Há diferença. Uma que esta escola aparentemente não percebe.”
Nessa altura, já havia uma multidão. Pais, alunos, mais professores. A mãe do Tiago abriu caminho.
“O que se passa? Tiago, estes homens estão a chatear-te?”
“O seu filho mandou uma rapariga com deficiência para o hospital,” disse o Carlos, seco. “E agora está a ameaçar o miúdo que se queixou.”
“O Tiago nunca faria—” ela começou, mas o Zé mostrou o telemóvel.
“O curioso dos miúdos hoje em dia é que filmam tudo.” Mostrou o vídeo — o Tiago e os amigos a virar a cadeira da Beatriz de propósito, ela a gritar, eles a rirem-se. “Cinco alunos diferentes nos enviaram isto. Todos com medo de mostrar aos professores porque nunca acontece nada.”
A mãe do Tiago ficou pálida. “Tiago, isto é verdade?”
O silêncio do Tiago foi resposta suficiente.
“Eis o acordo,” disse o Zé, dirigindo-se a todos. “O Rodrigo contratou-nos. Trabalhamos para ele agora. Todos os dias, estaremos aqui. Não para causar problemas. Só para garantir que estes dois miúdos chegam a casa em segurança. No dia em que o bullying acabar, nós vamos embora. Simples assim.”
O diretor chegou, vermelho e aos gritos. “Isto é altamente irregular—”
“Pois é,” retorquiu o Zé. “Irregular é ignorar que atiraram uma criança em cadeira de rodas escada abaixo. Quer mesmo irregular”Hoje, anos depois, o Rodrigo e a Beatriz ainda nos visitam, lembrando-nos que às vezes basta um gesto de coragem para mudar o mundo.”