Risada dos Comandos na Fila — Até Verem Sua Insígnia: ‘ATIRADORA DE ELITE’

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A risada dos operadores cessou no instante em que a sentinela de alcance avistou o pequeno emblema na gola do seu casaco: *”ATIRADORA DE ELITE”*.

O sol da manhã alongava as sombras sobre o cais de Alcochete, onde o ar salgado do Tejo se misturava com o cheiro acre de pólvora vindos do Campo de Tiro do Exército. Ali, entre os eucaliptos e a planície alentejana, os melhores atiradores de Portugal provavam o seu valor. Milímetros faziam a diferença entre o sucesso e o fracasso.

A instalação fervilhava com a mesma energia de sempre. Homens do Destacamento de Ações Especiais moviam-se com eficiência, misturando conversas técnicas com provocações. Era dia de qualificação no tiro de precisão, e só os melhores avançariam.

Junto ao alvo de 800 metros, um grupo de operadores aguardava a sua vez. Não eram recrutas—eram veteranos com missões no Kosovo, na Bósnia, em Moçambique. O equipamento, gasto mas impecável. A postura, confiante mas não arrogante. Sabiam o seu valor porque o tinham provado onde mais importava.

Foi então que ela apareceu.

Inês Monteiro entrou pelo portão sem alarde. Trazia calças táticas e um casaco negro justo, o cabelo loiro preso num rabo de cavalo regulamentar. As botas, desgastadas mas bem cuidadas, denunciavam horas a rastejar na terra. Tudo nela era profissional.

Exceto o batom.

Um vermelho-carmim, aplicado com precisão, brilhando sob o sol matinal. Num mundo de pintura camuflada e equipamento militar, destacava-se como um farol. Levava apenas uma mala de tiro e caminhava com a determinação de quem sabia exatamente onde devia estar.

Os operadores olharam.

“Está perdida, menina?” brincou o Sargento-Chefe Diogo Carvalho, o tom mais divertido que hostil. “O espaço para visitantes fica lá atrás.”

Inês parou a poucos metros, pousou a mala e tirou um documento dobrado do bolso. “Inês Monteiro, contratada civil. Tenho reserva para as 7h30.”

A risada começou num murmúrio e alastrou como onda.

“Reserva?” O Cabo Rui Tavares deu uma cotovelada no colega. “Vai filmar tutoriais de maquilhagem?”

“Ou talvez queira fotos para o Instagram,” outro acrescentou.

Inês não reagiu. Limitou-se a dobrar os papéis e a guardá-los outra vez no bolso. A expressão, neutra.

“Mas a sério,” continuou Carvalho, o tom mais formal. “Isto é instalação militar. A qualificação é só para pessoal ativo. Alguém se enganou no processo.”

O grupo resmungou em concordância. Aquilo era o seu domínio. A prova da sua irmandade. A ideia de uma civil — ainda por cima com batom — exigir acesso parecia absurda.

Inês afastou-se e esperou à sombra, junto ao muro. Os movimentos eram precisos, sem desperdício.

“Pode esperar o que quiser,” cochichou Tavares. “Mas nunca vão deixar uma civil disparar connosco. Principalmente assim—” fez um gesto vago na direção dela.

Ninguém reparou no homem que se aproximava da cabine do responsável. O Major Rui “Touro” Mendes comandava programas de tiro há quinze anos. Treinara atiradores para três unidades diferentes e certificara mais de duzentos especialistas. O rosto, marcado por décadas a olhar por miras, conhecia talento verdadeiro quando o via.

Mas foi o emblema na gola de Inês que o fez parar a meio do caminho.

*Atiradora de Elite. Divisão de Precisão.*

Não era uma insígnia normal. Não se comprava numa loja nem se ganhava em treinos comuns. Era emitida por uma organização demasiado discreta, onde os melhores tiros eram feitos por nomes que nunca apareciam em registos.

A mulher que ali estava não era uma civil qualquer. Era uma sombra dos níveis mais profundos da guerra silenciosa.

E os seus homens tinham-se rido dela durante dez minutos.

O calor escaldante do meio-dia já se fazia sentir quando Inês terminou a sua série de tiros. No marcador eletrónico, os resultados desafiavam a lógica: dez impactos a 800 metros, todos num círculo que podia ser tapado com uma moeda de dois euros.

O Major Mendes observou em silêncio. Nunca vira nada assim em quinze anos de carreira.

Enquanto arrumava o equipamento, Inês sentiu o olhar da Cabo Ana Ferreira, uma jovem atiradora promissora que assistira à demonstração.

“Minha senhora,” a soldado começou, hesitante, “o que fez hoje… nunca vi nada igual.”

Inês estudou-a. Via-se a si própria naqueles olhos—cheios de dúvidas, mas determinados.

“Ouviram-lhe dizer que mulheres não servem para isto?” perguntou, suave.

Ferreira anuiu, os nós dos dedos brancos de tanto apertar a arma.

Inês tirou algo do bolso—uma moeda militar desgastada, com espingardas cruzadas e a mesma inscrição do seu emblema.

“Guarde isto. Quando alguém disser que não pertence aqui, lembre-se: a melhor atiradora que Portugal já produziu usava batom vermelho.”

O sol poente de Alcochete tingia o Tejo de dourado quando Inês desapareceu na poeira da estrada. Nenhum dos homens que a tinham subestimado esqueceria a lição. O respeito não se exige com gritos. Conquista-se com precisão.

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