Um Soldado Retorna e Encontra Seu Mundo Virado de Ponta-Cabeça

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Depois de 730 dias difíceis na frente de batalha, Tomás Mendes voltou para casa, com o coração cheio de esperança e expectativa. Ele sonhava em reencontrar sua querida filha, Beatriz, e abraçar sua esposa, Sofia. Mas quando empurrou o portão de ferro azul enferrujado da sua antiga casa, a realidade que o recebeu foi um pesadelo que nunca poderia ter imaginado.

O quintal, antes cheio de vida e risadas, estava tomado por ervas daninhas, e sua menina estava encolhida num canto, negligenciada como se fosse lixo esquecido. Sofia, vestida num vestido de noiva impecável, estava de mãos dadas com outro homem, o rosto iluminado por uma alegria que deveria ter sido deles. A cena partiu o coração de Tomás em mil pedaços, cada um ecoando a dor da traição.

Quando ele deu um passo à frente, a multidão que se reunira ficou em silêncio, os olhos arregalados de espanto. As mãos de Tomás, ainda marcadas pelas calosidades da guerra, fecharam-se em punhos enquanto ele lutava para entender o que via. A casa, que um dia fora seu refúgio, agora parecia uma prisão de memórias das quais não podia escapar.

A cada passo em direção à varanda, ele se lembrava das risadas que ecoavam por aquelas paredes, das histórias antes de dormir e do calor da sua família. Mas agora, as janelas estavam fechadas e as cortinas puxadas, como se fossem uma barreira entre a vida que conhecera e a realidade fria que enfrentava. Bateu na porta, mas ninguém respondeu. O silêncio era ensurdecedor, um lembrete cruel do que ele sacrificara.

Tomás virou-se para a vizinha, uma jovem chamada Matilde, que alugava a casa ao lado. Os olhos dela se encheram de surpresa e pena ao reconhecê-lo. “Tomás, és tu?” perguntou, hesitante. “Onde está a Sofia?” ele exigiu, a voz rouca e baixa. O rosto de Matilde mudou, e ela mordeu o lábio, olhando em volta como se tivesse medo de dizer a verdade. “Ela foi-se embora… há mais ou menos um ano,” admitiu, por fim. “Deixou a Beatriz com a irmã, disse que voltaria, mas nunca mais ninguém a viu.”

O coração de Tomás afundou. Como Sofia podia abandonar a filha deles? A mente dele fervilhava de perguntas, cada uma mais dolorosa que a outra. “Por que ela foi embora?” perguntou, a voz quase um sussurro. Matilde abanou a cabeça, os olhos cheios de inquietação. “Não sei. Uns diziam que estava deprimida, outros achavam que estava em apuros. Mas ela nunca falou com ninguém.”

O vento frio varreu o quintal, trazendo o cheiro do mar ali perto. Tomás sentiu o desespero pesar sobre ele, mas não podia deixar que o consumisse. Tinha de encontrar Beatriz. Ela precisava dele mais do que nunca.

Com a ajuda de Matilde, descobriu que a irmã de Sofia, Cláudia, morava perto. Rapidamente, dirigiu-se ao velho prédio de apartamentos, o coração acelerado entre esperança e medo. Ao chegar à porta, bateu, mas a escuridão lá dentro era palpável. Empurrou a porta e entrou num mundo que parecia estranho e destruído.

Dentro, o apartamento estava uma confusão—pacotes de bolachas espalhados pelo chão, latas de cerveja vazias sobre a mesa e a televisão ligada sem imagem. Quando olhou em volta, o coração doeu ao pensar em Beatriz a viver naquelas condições. E então ele a viu—encolhida debaixo da mesa de jantar, agarrada a um ursinho de pelúcia gasto, os olhos arregalados e vidrados.

“Beatriz,” chamou suavemente, ajoelhando-se. Ela não reagiu de início, apenas o olhou com uma mistura de confusão e saudade. “Pai?” sussurrou, a voz quase inaudível. “Voltaste por mim?”

“Sim, meu amor, estou aqui,” respondeu, a garganta apertada de emoção. Abriu os braços, e ela se arrastou para o seu colo, agarrando-se como se ele fosse sua salvação. Naquele momento, tudo o mais desapareceu—o caos, a traição, a dor. Era só ele e a sua menina, finalmente juntos depois de dois longos anos.

Mas, ao segurá-la, a realidade da situação começou a bater. O apartamento era escuro e hostil, um contraste brutal com o lar que imaginara. “Você já comeu?” perguntou com suavidade, e ela balançou a cabeça. Sem hesitar, levantou-a nos braços, o corpinho dela mais leve do que lembrava.

A cozinha estava vazia, a única comida um pacote de cereais derrubado no chão. O coração de Tomás partiu-se ao ver aquilo. Rapidamente, aqueceu água e preparou um macarrão instantâneo, fazendo o melhor possível. Quando colocou o prato na frente de Beatriz, incentivou-a a comer. Ela deu uma pequena mordida, os olhos ainda cheios de incerteza.

Foi então que a porta se abriu, e uma mulher desgrenhada entrou, segurando uma sacola de bebidas alcoólicas. “Que raio se passa aqui?” resmungou, a voz áspera e irritada. Tomás levantou-se, os instintos de proteção acesos. “Sou o pai da Beatriz,” disse com firmeza.

A mulher, Cláudia, congelou, o reconhecimento surgindo no seu rosto. “Tomás? Pensei que estivesses morto ou coisa assim,” riu-se secamente, ignorando a gravidade da situação. “A Sofia deixou a miúda aqui e desapareceu. Eu tenho a minha vida, sabes.” A raiva cresceu dentro de Tomás enquanto a confrontava sobre a negligência sofrida por Beatriz.

“Não podes simplesmente abandoná-la e fingir que está tudo bem,” disse, a voz firme. Cláudia encolheu os ombros, indiferente ao peso das suas ações. “Leva-a. Não me interessa. Só não me metas em tribunal.”

Tomás não precisou que lhe dissessem duas vezes. Pegou em Beatriz e saiu do apartamento, determinado a dar-lhe a vida que ela merecia. Enquanto seguiam de carro, ela aconchegou-se a ele, os bracinhos apertando-lhe o pescoço. “Pai, vamos para casa?” perguntou, a voz cheia de esperança inocente.

“Sim, querida. Vamos para casa,” respondeu, o coração cheio de amor e tristeza. Mas, enquanto conduzia, Tomás não conseguia afastar a inquietação. Precisava de um lugar seguro para ficarem, onde Beatriz pudesse curar-se e crescer.

Passaram os dias, e ele trabalhou sem descanso para sustentar Beatriz. Matriculou-a na escola, onde ela aos poucos se abriu, as risadas dela enchendo as divisões da nova casa. Mas as sombras do passado persistiam, e Tomás sabia que tinha de enfrentar Sofia.

Com a ajuda de Thomas—um antigo amigo polícia—descobriu a nova vida de Sofia: um casamento planeado com um homem chamado Marcos Braga. O coração de Tomás acelerou-se de determinação. Não podia deixar Beatriz crescer acreditando que a mãe a abandonara sem razão.

No dia do casamento, Tomás ficou do lado de fora da igreja, com Beatriz ao seu lado. O ambiente estava carregado de tensão. Quando o padre perguntou se alguém se opunha, Tomás avançou, a voz clara e firme.

“Eu oponho-me,” declarou, as palavras ecoando na igreja. A multidão virou-se, chocada, enquanto ele se aproximava do altar.

“Esta menina,” disse, apontando para Beatriz, “é filha dela e minha.” Os suspirosTomás segurou a mão de Beatriz com força, e juntos saíram da igreja, deixando para trás um passado de dor e abrindo caminho para um futuro onde apenas o amor verdadeiro importava.

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