O Soldado Que Voltou e Encontrou Sua Família Destruída

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Após 730 dias angustiantes na linha da frente, Gonçalo Mendes voltou para casa, o coração cheio de esperança e expectativa. Sonhava com o reencontro com a sua querida filha, Beatriz, e com o abraço da sua esposa, Carla. Mas quando empurrou a velha cancela de ferro azul da sua outrora adorada casa, a realidade que o recebeu foi um pesadelo para o qual nunca poderia estar preparado.

O quintal, antes vibrante de risos e vida, estava coberto de ervas daninhas, e a sua menina estava encolhida num canto, negligenciada como lixo abandonado. Carla, vestida com um imaculado vestido de noiva, estava de mãos dadas com outro homem, o rosto iluminado por uma alegria que devia ter sido reservada à sua família. A visão partiu o coração de Gonçalo em mil pedaços, cada fragmento ecoando a dor da traição.

Ao avançar, a multidão que se juntara ficou em silêncio, os olhos arregalados de espanto. As mãos de Gonçalo, ainda marcadas pelos calos da guerra, cerraram-se em punhos enquanto tentava compreender a cena diante dele. A casa, que antes fora um refúgio, agora parecia uma prisão de memórias inescapáveis.

A cada passo em direção à varanda, recordava os risos que um dia enchiam aquelas paredes, as histórias antes de dormir, o calor da sua família. Mas agora, as janelas estavam fechadas e as cortinas corridas, como uma barreira entre a vida que conhecera e a cruel realidade que enfrentava. Bateu à porta, mas não houve resposta. O silêncio era ensurdecedor, um lembrete cruel do sacrifício que fizera.

Gonçalo virou-se para a vizinha, uma jovem chamada Júlia, que alugava a casa ao lado. Os olhos dela encheram-se de surpresa e pena ao reconhecê-lo. “Gonçalo, és tu?”, perguntou, hesitante. “Onde está a Carla?”, exigiu ele, a voz rouca e baixa. A expressão de Júlia mudou, e mordeu o lábio, olhando em volta como se temesse dizer a verdade. “Ela foi-se embora… há cerca de um ano e meio”, admitiu por fim. “Deixou a Beatriz com a irmã, disse que voltaria, mas ninguém mais a viu.”

O coração de Gonçalo afundou. Como podia Carla abandonar a filha? A sua mente fervilhava de perguntas, cada uma mais dolorosa que a anterior. “Porque foi ela embora?”, perguntou, a voz quase um sussurro. Júlia abanou a cabeça, os olhos inquietos. “Não sei. Alguns diziam que estava deprimida, outros que tinha problemas. Mas nunca falou com ninguém.”

O vento frio soprava pelo quintal, trazendo o cheiro salgado do mar ali perto. Gonçalo sentiu o peso do desespero sobre ele, mas não podia deixar que o consumisse. Tinha de encontrar Beatriz. Ela precisava dele agora mais que nunca.

Com a ajuda de Júlia, descobriu que a irmã de Carla, Mafalda, vivia perto. Apressou-se para o velho prédio de apartamentos, o coração acelerado entre esperança e medo. Ao aproximar-se da porta, bateu, mas a escuridão lá dentro era palpável. Empurrou a porta e entrou num mundo que lhe pareceu estranho e destruído.

Dentro, o apartamento era uma desordem—pacotes de snacks espalhados pelo chão, latas de cerveja vazias sobre a mesa, e uma televisão a emitir ruído sem imagem. Ao olhar em volta, o coração doeu-lhe ao imaginar Beatriz a viver naquelas condições. E então viu-a—enrolada debaixo da mesa da cozinha, agarrada a um urso de peluche gasto, os olhos arregalados e imóveis.

“Beatriz”, chamou suavemente, ajoelhando-se. Ela não reagiu de imediato, apenas o fitou com uma mistura de confusão e saudade. “Pai?”, sussurrou, a voz quase inaudível. “Voltaste para mim?”

“Sim, minha querida, estou aqui”, respondeu, a garganta apertada de emoção. Abriu os braços, e ela rastejou para o seu colo, agarrando-se a ele como se fosse a sua salvação. Naquele momento, tudo o mais desapareceu—o caos, a traição, a dor. Era apenas ele e a sua menina, finalmente juntos depois de dois longos anos.

Mas, enquanto a segurava, a realidade da situação começou a pesar. O apartamento era sombrio e hostil, um contraste gritante com o calor do lar que imaginara. “Comeste alguma coisa?”, perguntou gentilmente, e ela abanou a cabeça. Sem hesitar, ergueu-a nos braços, o corE assim, enquanto os raios do sol poente banhavam as ruas de Lisboa, Gonçalo e Beatriz caminharam juntos em silêncio, sabendo que, apesar de todas as feridas, o amor entre um pai e uma filha era indestrutível.

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